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A princesa e o rei: um estudo sobre a construção do sentido em Hoje é dia de Maria e A Pedra do Reino

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CENTRO DE ESTUDOS GERAIS

INSTITUTO DE LETRAS PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

DOUTORADO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM

ANDREA CRISTINA MARTINS PEREIRA

A PRINCESA E O REI

Um estudo sobre a construção do sentido em Hoje é dia de Maria e A Pedra do

Reino

Niterói, RJ 2014

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ANDREA CRISTINA MARTINS PEREIRA

A PRINCESA E O REI

Um estudo sobre a construção do sentido em Hoje é dia de Maria e A Pedra do Reino

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial à conclusão do curso de Doutorado em Estudos da Linguagem – Área de concentração: Estudos Linguísticos. Linha de pesquisa: Teorias do texto, do discurso e da interação.

ORIENTADORA, PROFª. DRª. LUCIA TEIXEIRA DE SIQUEIRA E OLIVEIRA

Niterói, RJ 2014

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ANDREA CRISTINA MARTINS PEREIRA

A PRINCESA E O REI

Um estudo sobre a construção do sentido em Hoje é dia de Maria e A Pedra do Reino

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial à conclusão do curso de Doutorado em Estudos da Linguagem – Área de concentração: Estudos Linguísticos. Linha de pesquisa: Teorias do texto, do discurso e da interação.

Aprovada em 11 de abril de 2014.

______________________________________ Prof. Dr. Adalberto Müller Junior Universidade Federal Fluminense

_______________________________________ Profª. Drª Lucia Teixeira de Siqueira e Oliveira (Orientadora)

Universidade Federal Fluminense

_______________________________________ Prof. Dr. Osmar Pereira Oliva

Universidade Estadual de Montes Claros _______________________________________

Profª. Drª. Regina Souza Gomes Universidade Federal do Rio de Janeiro _______________________________________

Profª. Drª. Renata Ciampone Mancini Universidade Federal Fluminense

Niterói, RJ 2014

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Em memória de João e Maria, meus pais, que sinalizaram meu caminho nessa terra árida do sertão.

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AGRADECIMENTOS

A essa energia divina, que cria a vida e nos impulsiona a torná-la melhor; A Lucia Teixeira, por acreditar em mim;

A Osmar Pereira Oliva, por ter-me feito acreditar em mim; a Marlene Gomes Mendes, por me abrir a porta;

a Adalberto Muller e Sílvia Maria de Sousa, pelas contribuições no exame de qualificação; a Luiz Fernando Carvalho e Carla Madeira, pelos arquivos cedidos;

a Ednize Monteiro, pela amizade e colaboração; a Vítor Fernandes, pela hospitalidade;

à Universidade Federal Fluminense;

à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), pela bolsa concedida para realização da pesquisa.

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“Toda a gente compreende sem dificuldade que se os homens encarregados de exprimir o belo se conformassem com as regras dos professores-jurados, o próprio belo desapareceria da terra, uma vez que todos os tipos, todas as ideias, todas as sensações acabariam por confundir-se numa vasta unidade, monótona e impessoal, imensa como o tédio e o nada. A variedade, condição sine qua non da vida, seria eliminada dela.” Charles Baudelaire, 1954.

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SUMÁRIO

RESUMO...10

RESUMMÉ...11

INTRODUÇÃO...12

1. PROGRAMAÇÃO, AUDIÊNCIA, CRÍTICA: PICOS DE AMOR E ÓDIO NA HISTÓRIA DA TELEVISÃO...22

1.1. A TELEVISÃO, O PÚBLICO E A FORMAÇÃO DO GOSTO...26

1.2. 1 DE “BRINQUEDO DE LUXO” A VEÍCULO “POPULARESCO”: NOTAS SOBRE O PERCURSO DA TELEVISÃO NO BRASIL...31

1.2.1Dos teleteatros às telenovelas: a consolidação do gênero ficcional na TV...34

1.2.2 Entre o popular, o popularesco e o “brega”...36

1.2.3 O “padrão Globo de qualidade” ...42

1.3. A CONTRIBUIÇÃO DA LITERATURA ...44

1.3.1 Minisséries e microsséries...46

(8)

2. NAS TRILHAS DAS ABERTURAS: UM FLERTE COM O

TELESPECTADOR...58

2.1. A CORTINA SE ABRE ...61

2.2. PARA ALÉM DAS FRANJAS DO MAR...71

2.3. UMA COROA, UM TÚNEL E UM UNIVERSO A SERDECIFRADO...77

III -HOJE É DIA DE MARIA: UMA JORNADA ENTRE OS CONTOS FANTÁSTICOS E A REALIDADE...83

3.1 AS JORNADAS DE MARIA...84

3.2 “ERA UMA VEZ...”...86

3.2.1. A estrutura narrativa: do conto tradicional à técnica cinematográfica...92

3.2.2. “Lírica, bonita e triste”...99

3.2.3. Um mundo a ser feito...102

3.2.4. “Um dia, tudo volta a sê”...109

3.3. TUDO “COMOVEDORAMENTE ALSO”... 111

3.3.1. Cores e luzes, espaços e tempos...112

3.3.2. Bonecos, cordas e excessos no palco de Hoje é dia de Maria...115

3.3.3. A presença do cinema: do clássico ao pós-moderno...118

3.3.4 Diálogos intertextuais...119

3.4. NO SONHO DO GIGANTE...125

3.4.1 A dona da voz...129

3.5. LUZ E SOMBRAS, MÚSICA E DANÇA EM RITMO DE SONHO...134

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IV -A PEDRA DO REINO: “ROMANCE ENIGMÁTICO DE CRIME E

SANGUE”...141

4.1. AS AVENTURAS DE UM QUIXOTE SERTANEJO ENTRE A FICÇÃO E A HISTÓRIA...143

4.1.1. “Foi estranho”...145

4.1.2 E o palhaço, quem é?...147

4.1.3 Tempos, espaços, vozes e um só “canto espantoso”...148

4.1.4 “A obra está finda!”...152

4.1.5. O tempo fragmentado...155

4.2. A EXPRESSÃO DO BARROCO...157

4.2.1. Sons, silêncios, acúmulos e contrastes ...159

4.2.2. O corpo e a voz...161

4.2.3. A expressão do grotesco...164

4.2.4. Pausa para a cultura popular...166

CONSIDERAÇÕES FINAIS...169

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RESUMO

Dentro de uma ampla rede de estudos semióticos que se têm produzido atualmente, as linguagens utilizadas nas comunicações de massa e de expressão artística vêm se destacando e ganhando espaço, especialmente com a multiplicação de veículos de comunicação, patrocinada pela tecnologia. Assim é que se ampliam os estudos sobre o sincretismo de linguagens, presente na maioria absoluta das novas mídias; o hibridismo na arte contemporânea; as oscilações de ritmo e as manifestações do afeto e das paixões nas narrativas, objetos da semiótica tensiva. É neste cenário que este estudo se insere, na medida em que analisa a produção de sentido nas minisséries Hoje é dia de Maria, recriada a partir de contos e cantos populares recolhidos por Sílvio Romero, Câmara Cascudo e Villa Lobos; e A Pedra do Reino, baseada na obra de Ariano Suassuna, ambas dirigidas por Luiz Fernando Carvalho e exibidas pela Rede Globo de Televisão, em 2005 e 2007, respectivamente. As duas obras têm em comum, ainda, o fato de serem adaptações de literatura de conteúdo popular e sertanejo, e apresentarem recursos estéticos semelhantes, como o hibridismo, a bricolagem e a aproximação com o estilo barroco. A partir da leitura individual de cada programa, tanto do plano do conteúdo, quanto da expressão, foram identificados os termos do contrato fiduciário proposto pelo enunciador em cada uma, considerando o reflexo das escolhas enunciativas no ritmo da obra, e tendo este como fator determinante na relação com o enunciatário presumido. A análise comparativa das duas obras naquilo que as aproxima ou as afasta permite entender os diferentes níveis de aceitação de uma e outra.

PALAVRAS-CHAVE – Semiótica. Televisão. Sincretismo. Hoje é dia de Maria. A Pedra do Reino.

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RESUMÉE

Dans um large réseau d’études sémiotiques qui ont été produits de nos jours, lês langages utilisés par les médias et par lês expressions de l’art montrent leur valeur et occupent des espaces, principalement avec La multiplication de véhicules de communication sponsorisée par La technologie. Ainsi, lês études sur Le syncrétisme de langages, présent dans La majorité absolue dês nouvelles médias; l’hybridité dans l’art contemporain; lês oscilations de rythme et lês manifestations de l’affection et dês passions dans Les récits, objects de La sémiotique tensive. C’est dans CE scénario que cette étude s’inscrit au fur et à mesure qu’il analyse La production de sens dans Les microfeuilletons Hoje é dia de Maria (Aujourd’huic’estlejour de Marie), recrée à partir de comtes et chansons populaires récueillis par Sílvio Romero, Câmara Cascudo et Villa Lobos; ainsi que A Pedra do Reino (La Pierre Du royaume),basées sur l’oeuvre Ariano Suassuna, toutes lês deux dirigées Luiz Fernando Carvalho et affichées par la Rede Globo de Televisão, en 2005 et 2007, respectivement. Les deux oeuvres ont em commum le fait d’ être dês adaptations de littérature de contenu populaire et régional (l’arrière-pays), et présenter dês ressources esthétiques semblables, comme l’hybridité, Le bricolage et la proximité avec Le style baroque. Suivant La lecture individuelle de chaque programme – le projet Du contenu et l’expression – ont été identifiés lês termes Du contrat fiduciaire proposé par l’énonciateur dans chacune, rélevant la réflexion dês choix énonciatives dans le rythme de l’oeuvre, étant celui-ci um facteur déterminant au rapport avec l’énonciateur présumé. L’analyse comparative dês deux oeuvres pource que lês approche ou lês éloigne, permet de comprendre lês différents niveaux d’acceptation d’une et de l’autre.

MOTS-CLÉS – Sémiotique. Télévision. Syncrétisme. Hoje é dia de Maria. A Pedra do Reino.

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INTRODUÇÃO

A televisão é, sem dúvida, o meio de comunicação de massa de maior alcance na atualidade. Sendo assim, é natural que desperte o interesse de pesquisadores e críticos das mais diversas áreas aglutinadas ou afetadas pelo “fenômeno” televisivo. E as abordagens são, segundo aponta Arlindo Machado na obra A televisão levada a sério (2005), em geral, negativas. A ideia de que a TV só se (pre)ocupa com produtos de mercado é amplamente disseminada entre os estudiosos dos meios de comunicação. Isso, segundo Machado, porque tais abordagens envolvem apenas o sistema político, econômico e tecnológico no qual se ditam as regras de produção e as condições de recepção, deixando de lado a análise do que realmente importa, que é, segundo ele, o exame dos programas veiculados, propriamente.

No cotidiano, em conversas informais, é também pouco comum ouvir uma opinião que, genericamente, elogie a TV. O mais recorrente são acusações de que esse veículo presta um desserviço à educação, à moral e aos bons costumes, ou de que é usado como meio de estimular o consumismo e formar opiniões equivocadas, ao impor ideologias tendenciosas. Por outro lado, entretanto, sempre há vozes que defendem ou condenam este ou aquele programa. Isso é o que se pode depreender das conversas ouvidas nos corredores das universidades, hospitais, nos salões de estética, nos meios de transporte, etc. Ou seja, entre o senso comum já se pratica o que Machado defende para uma abordagem acadêmica: um olhar sobre os produtos em particular, e não sobre o meio televisual como algo homogêneo que, definitivamente, a televisão não é. Para o pesquisador, é necessário que se faça um “exame

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detalhado daquilo que, dentro de uma imensa massa indiferenciada de material audiovisual, se distinguiu, permaneceu e permanecerá como uma referência importante dentro da cultura do nosso tempo.” (MACHADO, 20005, p. 16).

A considerar a excelente aceitação pela crítica e pelo público, os índices de audiência e os prêmios angariados, no Brasil e no exterior1, a minissérie Hoje é dia de Maria (2005), dirigida por Luiz Fernando Carvalho, e que é uma das obras objeto desta pesquisa, certamente estará entre aquelas que permanecerão como referência na produção televisual brasileira deste século. Não obstante o conteúdo, que envolve histórias de contos de fadas, anedotas e lendas para tratar de questões reais e dramáticas da infância brasileira, a minissérie também reúne elementos expressivos de épocas, estilos e regiões as mais diversas, resultando em “um programa que serve à diversão e ao entretenimento, mas, sobretudo, estimula o exercício da experiência lúdica e criativa.” (PAIVA, 2007, s/p)

Na esteira do sucesso de Hoje é dia de Maria, Carvalho cria o Projeto Quadrante, com a proposta de adaptar, para a televisão, quatro obras da literatura de diferentes regiões brasileiras. A fórmula híbrida presente na primeira experiência se repete nas duas primeiras produções do Projeto: A Pedra do Reino(2007), adaptada do Romance d’A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta, de Ariano Suassuna, e Capitu(2008), do consagrado Dom Casmurro, de Machado de Assis.

Se a concepção dessas duas obras segue, em grande parte, o estilo que o diretor imprimiu em Hoje é dia de Maria, o mesmo não se pode dizer sobre a recepção. Enquanto esta minissérie atingiu média de 362 pontos na primeira jornada, levada ao ar em janeiro de 2005, e 273 pontos na sequência, exibida dez meses depois da primeira, A Pedra do Reino4e

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- Hoje é dia de Maria recebeu prêmios internacionais e nacionais: Input International Board TAIPEI 2005; foi

finalista no International Emmy Awards 2005, nas categorias Minissérie para TV e Melhor Atriz (Carolina Oliveira); Hors Concours BANFF Canadá 2006; nomeação e exibição no Prix Jeunesse International Alemanha 2006; Grande Prêmio da Crítica APCA 2005; Prêmio Qualidade Brasil 2005, nas categorias Melhor Projeto Especial de Teledramaturgia, Melhor Autor de Teledramaturgia (Carlos Alberto Soffredini com adaptação de Luís Alberto de Abreu e Luiz Fernando Carvalho), Melhor Atriz Revelação de Teledramaturgia (Carolina Oliveira) e Melhor Diretor de Teledramaturgia (Luiz Fernando Carvalho); Prêmio Mídia 2005 (Midiativa); Prêmio ABC 2006, na categoria Melhor Fotografia Programa de TV (José Tadeu Ribeiro); Prêmio Contigo! 2006, nas categorias Diretor (Luiz Fernando Carvalho) e Atriz Infantil (Carolina Oliveira). Informação disponível em http://memoriaglobo.globo.com/Memoriaglobo/0,27723,GYN0-5273-237354,00.html. Acesso em 05/01/2012.

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MENDONÇA, Martha. O sonho não acaba. Época, Rio de Janeiro, n. 386, 06 out. 2005. Disponível

em:<http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG71886-6011,00-O+SONHO+NAO+ACABA.html>. Acesso em:

04 mar. 2009.

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Capitu5 obtiveram média de 11 e 15 pontos de audiência, respectivamente. Com a produção (e relativamente fraca audiência) de Capitu, o Projeto Quadrante foi interrompido.

Além da audiência mais baixa, as críticas a Capitu e A Pedra do Reino têm um tom muitas vezes ácido e intolerante, completamente oposto às recebidas por Hoje é dia de Maria: “Pois muito bem. A produção é realmente muito bem cuidada. Tem figurinos maravilhosos, imagens líricas e grandes interpretações… mas é chata que dói”, diz o blogueiro Rodrigo Brudush (2007) sobre A Pedra do Reino, a segunda obra objeto deste trabalho. Mesmo em algumas das muitas opiniões elogiosas à iniciativa do diretor e à emissora que a exibiu, a impossibilidade de a minissérie atingir o grande público é sempre citada.

Depois de décadas viciando seu público em histórias bobas baseadas em um maniqueísmo primário, alavancadas por carinhas bonitas e sustentada pela autopromoção do seu império de Comunicação, a Rede Globo lança um programa de alta qualidade dramatúrgica, com direção e elenco impecáveis. Observando isso me ocorreu a seguinte questão. Será que exibindo uma atração com tanta qualidade como esta, que mostra um Brasil bem distante do paraíso tropical, dispensando galãs sem camisa e seu habitual elenco estrelar, achava a Rede Globo que o eu (sic) público poderia tolerar tamanha ousadia em horário nobre sem a devida punição?(RODRIGUES, 2007) O comentário acima, extraído do blog Overmundo, toca num ponto importante de que tratarei neste trabalho: a questão do gosto estético. Sem a devida profundidade, essa questão volta e meia vem à tona em opiniões que geralmente se apegam a uma das seguintes teorias: (1) ao produzir a maioria de seus programas com baixa qualidade estética, a TV brasileira contribui para rebaixar o gosto das massas, ou (2) a TV produz programas de baixo valor estético porque é disso que o grande público gosta. Afirmar qual destes dois posicionamentos é o correto equivale mais ou menos a dizer quem nasceu primeiro, se o ovo ou a galinha. A resposta às duas questões não é de fácil resposta, por isso, pelo menos no que se refere à televisão, talvez o mais sensato seja considerar que as duas afirmativas estão corretas: a TV, em sua sede voraz por audiência e pelos ganhos econômicos que ela implica, alimenta uma pouca propensão do público pelo consumo de obras que demandem maior capacidade de reflexão e intelecção, resultado da mundialmente conhecida baixa qualidade da educação em nosso país.

<http://ofuxico.terra.com.br/materia/noticia/2005/10/17/final-de-hoje-e-dia-de-maria-marca-27-pontos-de-audiencia- 3534.htm>. Acesso em: 04 mar. 2009.

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CULTUREBA. “Capitu” dá mais audiência que “A Pedra do Reino”.

Disponívelem:<http://cultureba.com.br/2008/12/16/%E2%80%9Ccapitu%E2%80%9D-da-mais-audiencia-que-%E2%80%9Capedra-do-reino%E2%80%9D/>. Acesso em: 4 mar. 2009.

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Em suas entrevistas, Luiz Fernando Carvalho, cuja carreira foi quase toda construída na televisão, manifesta de forma recorrente seu desejo de ver esse veículo mais comprometido com a educação e a formação do gosto estético:

Ao meu modo, faço esse caminho de buscar uma espécie de reeducação do espectador a partir das imagens, dos conteúdos, da forma, da narrativa, da luz, das personagens, da música, enfim, da estética. E, como sabemos, a estética é filha da ética. Não estou aqui falando mal da televisão. [...]A televisão precisa formar espectadores, é certo, faz parte do trabalho dela, mas ela também precisa assumir uma missão mais nobre, maior, que é formar cidadãos. De minha parte, procuro um diálogo entre os que sabem e os que não sabem; um diálogo simples, sóbrio e fraterno, no qual aquilo que para o homem de cultura média é adquirido e seguro torne-se também patrimônio para o homem mais comum, pobre, e que, em relação a tantas questões, encontra-se ainda abandonado. (CARVALHO, 2008, p. 83) Essa preocupação de Carvalho encontra eco nas pesquisas de Pierre Bourdieu das quais resultou a obra O gosto pela arte, em que ele conclui que “o acesso às obras culturais é privilégio das classes cultas” (BOURDIEU, 2003, p.69). Para o pesquisador francês o que ele chama de “necessidade cultural”, ou seja, a propensão em consumir arte, é produto da educação: “as desigualdades diante das obras de cultura não passam de um aspecto das desigualdades diante da Escola que cria a ‘necessidade cultural’ e, ao mesmo tempo, oferece os meios para satisfazê-la.” (BOURDIEU, 2003, p.69). Mas se a educação tem papel preponderante na formação dos gostos, conforme afirma Bourdieu, Umberto Eco (2006) pode estar certo ao atribuir à própria televisão a capacidade de contribuir para o refinamento da apreciação estética, já que, segundo Alceu Amoroso Lima, a formação do gosto “é fruto da educação e convivência [...]. Dificilmente não melhora o nosso mau gosto, se vivermos entre pessoas de bom gosto.”(LIMA, 1954, p.168-169)

Entretanto, se a preocupação maior dos empresários de televisão é com o consumo dos produtos veiculados, a relação enunciador/enunciatário6 desse meio, de uma maneira geral, parece ser relativamente simples: para atingir o maior público possível, a enunciação da maioria dos programas é construída de forma desacelerada, acessível, reiterativa. Falta-lhe

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A despeito dos termos enunciatário e telespectador, que utilizaremos em nossa tese, convém esclarecer que, embora até certo ponto eles possam se equivaler, por outro lado apresentam particularidades conceituais às quais vale a pena referir. Assim, enquanto o conceito de enunciatário “corresponderá ao destinatário implícito da enunciação” (GREIMAS e COURTÉS, 2008, p. 171), ou seja, àquele a quem, presumidamente, se destina uma determinada enunciação, o telespectador será aquele que de fato assiste a um programa de televisão. Dessa maneira, pode-se imaginar que o enunciatário é o destinatário virtual, cujo perfil é apenas presumido pelo enunciador, enquanto o telespectador é o receptor real, passível de ser quantificado e, até certo ponto, de ter o seu perfil identificado.

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muitas vezes a fratura, conforme aponta Greimas (2006), a ruptura pela qual o sujeito experimentaria o valor estético.

Sem essa experiência, por sua vez, o telespectador que tem na televisão o principal – ou único – meio de acesso à cultura, acaba por manter sua capacidade de intelecção e aceitação num nível mediano ou quem sabe mesmo em constante queda. Assim, a contribuição da televisão para o desenvolvimento da capacidade crítica da maior parte da população consumidora é quase nula, quando não é negativa. Nesse jogo, colocar o enunciatário frente a uma rigorosa linguagem estética, de forma não gradativa, pode ser perigoso. Para o enunciador e para o próprio enunciatário, que acaba por criar resistência à experimentação de novos produtos, por não se sentir confortável frente à sensação experimentada.

E isso parece ser o que aconteceu com A Pedra do Reino, conforme veremos no capítulo IV deste trabalho. Mas se os elementos de expressão presentes nesta minissérie e em Hoje é dia de Maria são similares – o hibridismo de estilos e épocas diferentes e linguagens de outros meios como o teatro, a pintura, o circo –, e se ambas têm o sertão e a cultura popular como panos de fundo, o que interferiu na relação destes enunciados com o telespectador, provocando reações tão diversas no público receptor de uma e outra?

Para responder a esta pergunta, procuramos analisar as obras naquilo que as aproximam ou as separam, tanto no plano do conteúdo quanto no da expressão. Segundo José Luiz Fiorin, “Há diferentes graus de identificação do sujeito com o objeto artístico: há aqueles que se identificam com a substância do conteúdo: a realidade retratada na obra literária. Por outro lado, há os que buscam no objeto sua construção, sua arquitetura, sua forma, seja da expressão, seja do conteúdo.” (FIORIN, 2008b, p. 41) A identificação com a substância do conteúdo ou com a forma da expressão, naturalmente, está condicionada à capacidade que cada indivíduo tem de ligar-se sensorialmente ao objeto e, de alguma maneira, compreendê-lo.

A semiótica tensiva, originária da semântica estrutural de Greimas, torna-se imprescindível para a realização desta pesquisa, uma vez que coloca em evidência a importância do afeto na análise dos discursos. Para Claude Zilberberg (2010), principal teórico deste ramo da semiótica, a constituição do sentido está situada na junção entre uma dimensão intensa, sensível, e uma dimensão extensa, inteligível. Os estudos sobre a

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tensividade, por outro lado, não ignoram a herança do modelo geral da semiótica, que entende a produção de sentido como um percurso gerativo, partindo do nível fundamental ao discursivo, tendo o nível narrativo como intermediário.

De acordo com esse modelo geral, o sentido se constrói na articulação entre um plano de expressão e um plano de conteúdo, sendo que numa enunciação meramente informativa, comunicativa, o plano de expressão se aproxima mais do estável, ou seja, quanto mais objetiva, maior o sucesso da comunicação. Na obra de arte, ao contrário, o plano de expressão passa a ser o diferenciador, o portador do efeito estético. Assim, a desautomatização, a subjetividade e a exploração das potencialidades matéricas do significante são valorizadas e a recepção do enunciado passa a ser submetida ao filtro das sensações e vivências individuais. Daí a importância do afeto, da experiência pessoal, subjetiva, para a construção do sentido. Ainda segundo Fiorin (2008b) as linguagens oscilam entre a estabilidade (modelos rígidos e formas fixas) e a instabilidade (liberdade e dinamismo).

A instabilidade, segundo o teórico, depende da maneira como as três categorias básicas da enunciação – pessoa, tempo e espaço – são instaladas no discurso, mais especificamente quando se usa uma pessoa por outra, um tempo por outro ou uma localização espacial por outra. Em outras palavras, a estabilidade ou instabilidade das narrativas depende da maneira como elas são organizadas, depende, pois, das escolhas do enunciador. Nas obras sincréticas, a instalação de pessoa, espaço e tempo ou o estudo destes torna-se mais complexo, uma vez que nelas não lidamos com uma, mas com duas ou mais linguagens. Daí a necessidade de recorrermos aos estudos de linguagens sincréticas, que segundo Greimas e Courtés, são aquelas que “como a ópera e o cinema – acionam várias linguagens de manifestação” (GREIMAS e COURTÉS, 2008, p. 467), para auxiliar nas análises propostas.

Yvana Fechine (2009), ao propor uma metodologia para a análise dos textos audiovisuais, retoma Sergei Eiseinstein e Eduardo Leone, em suas teorias sobre a montagem cinematográfica, para concluir que “Na produção audiovisual, a preocupação com uma enunciação sincrética confunde-se com os processos de montagem”, (FECHINE, 2009, p. 326), os quais correspondem, muitas vezes, à exploração do potencial técnico-expressivo do próprio meio audiovisual, a partir da articulação entre linguagens verbal, visual, gestual ou musical. A montagem, assim, é o processo pelo qual as linguagens auditivas e visuais se interligam em suspensões rítmicas (LEONE apud FECHINE, 2009), determinando o ritmo geral da obra. E é das correspondências sincrônicas ou assincrônicas entre o ritmo sonoro e o

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movimento visual que vai depender o resultado agradável ou desagradável que a obra suscitará no espectador, conforme discorre a fenomenologia perceptiva de Angel Rodriguez, citado por Fechine.

As ideias de Leone e Rodriguez, embora prescindam de uma metalinguagem semiótica, vêm ao encontro das postulações da semiótica tensiva, que coloca o ritmo no centro da formação do sentido, nos discursos. Não é outra coisa o que Luiz Tatit (1997) diz quando chama a atenção para a necessidade de haver equilíbrio na velocidade com que o objeto se apresenta: se for muito rápida, acaba por escapar do sujeito e, ao contrário, se o ritmo for muito lento, o sujeito é que se perde do objeto, ao perder o interesse por ele.

Falando da linguagem televisual, Fechine diz que, se por um lado, o ritmo é a “’chave’ perceptiva do ‘efeito audiovisual’” (FECHINE, 2009, p. 348), por outro ele é uma propriedade comum tanto às linguagens sonoras quanto visuais e, portanto, analisar o ritmo resultante da sincretização dessas linguagens equivale a identificar as maneiras como ele – o ritmo - se manifesta nas duas formas de expressões.

Entretanto, analisar os pontos de convergência dos ritmos audiovisuais não é o único desafio ao se analisar uma obra televisual. Há que se pensar, ainda, no hibridismo que a constitui, pois segundo lembra Ana Maria Balogh (2004), a linguagem televisual é um híbrido das linguagens prévias do rádio, cinema, quadrinhos, e, hoje, também das surgidas junto ou posteriormente à televisão, como o videoclipe e a computação gráfica, entre outras.

O termo híbrido vem do grego hybris, e equivale a miscigenação, mistura, aquilo “que violava as leis naturais” (FERREIRA, s/d, p. 722), conceito que é utilizado também em Botânica, para designar uma variedade de planta resultante do cruzamento de duas ou mais espécies. No campo dos estudos culturais, hibridismo – ou hibridação, como quer Nestor Canclini – equivale a “processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas.” (CANCLINI, 2008 p.19) Essas combinações, segundo ele, às vezes acontecem naturalmente, decorrentes de migrações, turismo ou intercâmbios. Não raro, entretanto, especialmente nas artes e na tecnologia, a hibridação é uma opção do criador, e equivale à mistura de técnicas e de estilos.

Zilberberg, ao falar sobre a mestiçagem, que segundo Canclini (2008) é um dos termos usados para identificar o hibridismo, diz que

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Reduzida a seu étimo e a sua genericidade, qual seja, a mistura, a mestiçagem é portanto uma prática semiótica figural, alheia em si mesma à temporalidade, e esta última só reaparece no campo discursivo sob duas restrições: a novidade, aparente ou efetiva, de alguma mistura em um certo domínio e, eventualmente, o estilo da mistura efetuada. (ZILBERBERG, 2004, s/p)

Das palavras transcritas acima, depreendemos que o conceito semiótico de mestiçagem corresponde ao conceito emprestado da botânica, bem como ao de hibridismo cultural, qual seja: é a combinação de elementos diferentes da qual resulta um novo elemento. Assim sendo, se a televisão constitui um híbrido de linguagens, ao mesmo tempo ela tem ou, no mínimo, está em fase de definir, uma linguagem própria geral, na medida em que possui formas recorrentes de manejar os códigos audiovisuais, de forma que os enunciados podem ser codificados ou decodificados de forma relativamente estável por uma comunidade de produtores e espectadores. Mas, por outro lado, ela também está sujeita a experimentações, a instabilidades, a novas formas de hibridação, o que a faz evoluir na direção de novas possibilidades. (MACHADO, 2005).E é justamente nessas novas possibilidades a que se refere Arlindo Machado que a linguagem de Luiz Fernando Carvalho nas obras estudadas parece se encaixar.

Resumidamente, os objetivos desta tese são: analisar a relação enunciador/enunciatário na produção televisual do diretor Luiz Fernando Carvalho, especificamente nas minisséries Hoje é dia de Maria e A Pedra do Reino; identificar os termos do contrato fiduciário proposto pelo enunciador nas duas obras, de forma a identificar as estratégias utilizadas em cada uma delas que possam ter sido responsáveis pelos diferentes resultados na junção de uma e outra com o telespectador; identificar o andamento/ritmo do enunciado, a partir da análise dos mecanismos de sincretização de recortes da obra.

A escolha destas obras se deu pelos seus pontos convergentes e divergentes, quais sejam: ambas são adaptações de literatura de conteúdo popular, sertanejo, e ambas apresentam recursos estéticos semelhantes, como o hibridismo, a bricolagem e a aproximação com o estilo barroco; por outro lado, a aceitação pelo enunciatário presumido que, a considerar o formato e o horário de exibição dos programas, era o mesmo para as duas obras, foi sensivelmente diferente, conforme já referimos no início desta introdução.

Os fundamentos teóricos e metodológicos para a realização dos objetivos propostos são os da semiótica, particularmente nos campos da semiótica tensiva e sincrética, e os da

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comunicação de massa. Dentre os muitos estudos oferecidos nestas áreas, colocamos em destaque os que se referem à teoria do discurso, (FIORIN, 2008b e 2009a), (BARROS, 1999), às instâncias da enunciação (FIORIN 2008b), e à tensividade, com destaque para o aspecto rítmico dos enunciados (ZILBERBERG, 2004,2007 e 2010), (TEIXEIRA 2008a) (TATIT 1994),(FECHINE 2009).

Essas abordagens teóricas se complementam na medida em que convergem para o ponto central da pesquisa, que é a aceitação/intelecção dos enunciados pelos enunciatários, para o que a instalação de tempo, espaço e pessoa interferem, na medida em que, juntamente com a sincretização das linguagens visuais e sonoras, contribuem para a definição do ritmo. Este, por sua vez, é o responsável pelo efeito agradável ou desagradável da obra, conforme já foi referido.

Teorias sobre a formação do gosto (BOURDIEU, 2003), o estilo nos textos (DISCINI, 2003) e a linguagem televisual (MACHADO, 2005), (MACLUHAN, 2007) (BENJAMIM, 1980) também dão importantes contribuições para a formulação da tese, além de estudos sobre a fenomenologia e a narratologia. As discussões teóricas são feitas paralelamente às análises propostas, ao longo do trabalho, que foi organizado em quatro capítulos.

O primeiro capítulo é dedicado à televisão, e aborda questões relativas à programação, audiência e às críticas que o veículo vem amealhando desde o seu boom, na década de 1950. A implantação e desenvolvimento da televisão, no Brasil, é também tema desse capítulo, assim como o percurso profissional do diretor Luiz Fernando Carvalho e sua estética.

No segundo capítulo, damos início à análise das obras selecionadas, propriamente, a partir das trilhas de abertura das minisséries objeto da pesquisa. O objetivo aqui é identificar os termos do contrato fiduciário proposto pelo enunciador ao enunciatário presumido, já que esta parte inicial da obra audiovisual tem a função de sintetizar os códigos utilizados na construção da obra que apresenta, tanto no plano do conteúdo quanto da expressão. Considerando a abertura como elemento de triagem do enunciatário, procuramos identificar a presença de elementos que possivelmente podem ter antecipado o (des)interesse deste com a enunciação em cena.

O capítulo seguinte traz a análise da minissérie Hoje é dia de Maria, com destaque para a primeira jornada, mais apreciada pelo público, mas abrangendo também a segunda

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jornada. Nesse terceiro capítulo, além da análise do sincretismo, procuramos relacionar a maneira como o enunciador articula diferentes gêneros de literatura popular (oral, cordel, lendas, etc.) com aspectos reais da atualidade, e estes com elementos expressivos emprestados de diferentes linguagens (pictórica, teatral, circense, etc.). A articulação do tempo, pessoa e espaço é levada em conta.

O quarto e último capítulo é dedicado à análise da minissérie A Pedra do Reino. Para a leitura dessa obra, se a metodologia utilizada é a mesma do capítulo anterior, foram levadas em conta outras particularidades. Sem deixar de referenciar a obra literária, extremamente extensa e hermética, que lhe deu origem, procuramos nos ater, entretanto, no produto audiovisual em si. Ao tratar de um conteúdo que envolve aspectos de uma história dolorosa e pouco conhecida dos brasileiros e aliar a isso a instauração não convencional dos elementos de enunciação e a intensificação do seu estilo, essencialmente barroco, no plano da expressão, o enunciado provoca estranhamento e consequente distanciamento do enunciatário.

Nas considerações finais, os conceitos e os resultados das análises dos capítulos III e IV são costurados, de forma a responder a questão que impulsionou a pesquisa.

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I - PROGRAMAÇÃO, AUDIÊNCIA, CRÍTICA: PICOS DE AMOR E ÓDIO NA HISTÓRIA DA TELEVISÃO

Quando Walter Benjamim iniciou a segunda escrita de seu aclamado ensaio A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, em 1936, as transmissões televisivas eram ainda experimentais e atingiam um número restrito de espectadores. O cinema, precursor da captação e exibição de imagens em movimento, ao contrário, já atraía grande público – evidentemente, nada que se compare à bilheteria das grandes produções de hoje, mas um acesso significativo para aquela época. Daí ser este o veículo de comunicação de massa escolhido por Benjamim para discorrer sobre a técnica, a reprodução, a recepção em massa e o lugar da obra de arte em meio ao novo cenário que então se apresentava. O filme era, segundo Benjamim, o agente mais poderoso dentre os movimentos de massa da época, detentor de um significado social “inimaginável, na sua forma mais positiva, e justamente nela, mas não sem o seu aspecto destrutivo e catártico: a liquidação do valor da tradição na herança cultural”. (1992, p. 79)

Com a rara lucidez de que era portador, Benjamim aborda a questão com imparcialidade e equilíbrio, de forma a encontrar pontos positivos na massificação da cultura sem, no entanto, negar os prejuízos que ela acarretaria. Para ele, a reprodutibilidade técnica da obra de arte – reprodutibilidade esta que, no caso do cinema, é inerente ao próprio processo de produção – e sua consequente recepção em massa é, sim, fator de alteração do valor da obra. Citando a pintura como exemplo, por se tratar de uma arte que foi originalmente apresentada para ser vista apenas por algumas pessoas, e passou, no século XIX, a ser observada por um público maior, graças à sua reprodução pela fotografia, Benjamim aponta este como “um

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sintoma precoce da crise na pintura que [...] foi desencadeada pela pretensão da obra de arte, a dirigir-se às massas (sic).” (BENJAMIM, 1980, p.101).

Do pensamento benjaminiano depreende-se, portanto, que a participação das massas na recepção da obra de arte altera o valor desta, no sentido de que “o número muito elevado de participantes provocou uma participação de tipo diferente” (BENJAMIM, 1980, p.108). Por outro lado, entretanto, Benjamim aponta como lugar comum a velha queixa de que as massas só se preocupam com a diversão, enquanto a arte exige recolhimento para ser observada. Ele cita como um dos mais radicais críticos do cinema, o francês Georges Duhamel, “que detesta cinema e nada sabe do seu significado” (BENJAMIM, 1980, p. 107), e para quem a sétima arte é

um passatempo para a ralé, uma diversão para criaturas iletradas, miseráveis, gastas pelo trabalho e consumidas pelas preocupações... um espetáculo que não exige concentração nem pressupõe qualquer capacidade de raciocínio..., que não ilumina nenhum coração e que de forma alguma desperta qualquer esperança a não ser a esperança ridícula de vir um dia a ser estrela em Los Angeles. (DUHAMEL apud BENJAMIM, 1980, p.108)

Benjamim não ignora o contraste entre recolhimento e diversão na recepção da obra de arte, mas consegue ver algo de positivo também na distração: “aquele que se recolhe perante a obra de arte, mergulha nela, entra nessa obra [...] Pelo contrário, as massas em distração absorvem em si a obra de arte.” (BENJAMIM, 1980, p. 109). Ele cita a arquitetura como exemplo de arte cuja recepção é distraída e coletiva, mas que, a despeito disso, tem uma existência que acompanha a humanidade desde os primórdios de sua história e que, mais do que qualquer outra arte, tem sua permanência garantida, não pela contemplação que ela suscita – embora a percepção seja uma de suas formas de recepção – mas pelo uso, que é a outra forma de apreciação. “A arquitetura nunca parou. A sua história é mais antiga do que a de qualquer tentativa de compreensão da relação das massas com a obra de arte.” (BENJAMIM, 1980, p. 109).

O filósofo, falecido em 1940, não viveu para assistir ao boom da televisão, ocorrido na década de 1950, a mesma em que seu texto foi publicado. Suas reflexões sobre as transmissões em massa, no entanto, aplicam-se perfeitamente ao novo veículo que, indubitavelmente, ocupou o lugar que ele, àquela época, dera ao cinema. Hoje, não há dúvida de que a televisão é “um dos fenômenos básicos de nossa civilização”, conforme aponta Umberto Eco (2006, p. 325), o maior meio de comunicação de massa atuante. E se a TV tomou do cinema a preferência das massas consumidoras de audiovisual, é natural que tenha

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atraído, junto com a popularidade, também a fúria da crítica. Embora ainda hoje o cinema não esteja imune a críticas, há uma separação explícita entre o que se nomeia cinema comercial e cinema alternativo (ou de arte), e este, embora geralmente atinja um número menor de espectadores, é suficiente para colocar a chamada telona em posição de superioridade estética em relação à telinha.

Apenas uma década depois da explosão da TV junto às massas, já se verificavam debates calorosos a respeito do novo meio. É o que nos conta Umberto Eco sobre sua participação em uma mesa redonda7, no ano de 1962, cujo tema em discussão eram as “influências recíprocas entre cinema e TV”. Segundo ele, em muitas das objeções em relação à TV,

aninhava-se uma reserva mental, que alguns, mais honestamente, esclareceram de modo explícito: isto é, que o cinema permite ‘exprimir’ (com todas as conotações estéticas que assume a categoria de ‘expressão’), ao passo que a TV permite, quando muito, ‘comunicar’ (e portanto, a diferença entre os dois meios é a mesma que existe entre arte e crônica). (ECO, 2006, p.329-330)

Naquela época, o que esquentava as discussões acerca da televisão era o caráter predominantemente comunicacional desse veículo, o seu status de prestador de serviço ou “quando muito, fenômeno sociológico” (ECO, 2006, p. 330), ao invés de portador de linguagem estética. Numa discussão em que os participantes eram homens ‘de cultura’, estudiosos de estética e especialistas em cinematografia, “Houve mesmo quem acusasse a TV de não existir” (ECO, 2006, p. 330), devido a sua suposta despreocupação com o caráter estético.

Apenas dois anos depois do encontro registrado por Umberto Eco, o americano Marshal Macluhan lança a obra Os meios de comunicação como extensão do homem (1964), na qual deixa clara sua posição favorável ao que ele chama de meios frios, dentre os quais se inclui a TV. Ele explica: “Um meio quente é aquele que prolonga um único de nossos sentidos e em ‘alta definição’” (MACLUHAN, 2007, p. 38), como a fotografia e o cinema, por exemplo, enquanto o meio frio é de ‘baixa definição’, já que fornece poucas informações, como a caricatura, o desenho animado e a televisão. Se considerarmos a linguagem estética como de alta definição, ou seja, aquela que fornece muitas informações ao seu interlocutor,

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Trata-se da mesa de discussões ocorrida durante a entrega do Prêmio Grosseto, na Itália, que deu origem ao ensaio Apontamentos sobre a televisão, que integra a obra Apocalípticos e Integrados, publicada em primeira edição em 1964.

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poder-se-ia encontrar algum ponto de convergência entre as opiniões do crítico americano e a dos italianos, mencionada por Eco, no que se refere ao cinema e à televisão. A diferença radical de pontos de vista está, no entanto, na maneira como eles veem o efeito disso no público. Enquanto os críticos do encontro de Grosseto veem o telespectador como mero consumidor do ‘serviço’ oferecido pela TV, Macluhan vê um público mais participante em relação ao espectador de cinema, porque

Um meio frio – palavra falada, manuscrito ou TV – dá muito mais margem ao ouvinte ou usuário do que um meio quente. Se um meio é de alta definição, sua participação é baixa. Se um meio é de baixa definição, sua participação é alta. (MACLUHAN, 2007, p. 38)

A baixa definição da TV, portanto, na opinião de Macluhan, pode ser um aliado, e não um inimigo, na formação crítica do telespectador, especialmente se se tratar de programas que apresentem lacunas a serem preenchidas pela audiência. Sua reflexão – que hoje poderia ser negativamente aplicada a programas como os reality shows, por exemplo, que dependem exclusivamente da participação do público, mas cujos acréscimos na bagagem crítica do telespectador são questionáveis – referia-se, na verdade, a um possível uso da TV no processo educacional: por exemplo “o uso da TV no ensino da poesia permitiria ao professor concentrar-se no processo poético do fazer real de um poema determinado” (MACLUHAN, 2007, p. 359), coisa que o livro, meio quente, não possibilitaria. Mais adiante, ele volta ao assunto ao afirmar que a TV poderia fazer mais pelo ensino do Francês e da Física do que a sala de aula, pelo seu poder de ilustrar a inter-relação dos processos como nenhum outro meio.8

Sem se ater particularmente à televisão, o francês Edgar Morin, contemporâneo de Eco e Macluhan, publica, nas décadas de 1960 e 1970, dois volumes sob o título de Cultura de massas no século XX, cuja proposta era analisar as consequências sociais e psicológicas das mass media no público. No primeiro capítulo do primeiro volume, Morin apresenta um resumo do que seria o ponto de vista dos intelectuais de sua época sobre a cultura de massa: “Os intelectuais atiram a cultura de massa nos infernos infraculturais. Uma atitude ‘humanista’ deplora a invasão dos subprodutos culturais da indústria moderna, dos subprodutos industriais da cultura moderna.” (MORIN, 1977, p. 17). Essa oposição à cultura

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É importante ressaltar que essa reflexão de Macluhan sobre a capacidade ilustrativa da TV é anterior à comercialização e popularização do vídeo-cassete e, naturalmente, do DVD. Tais invenções trouxeram o cinema para dentro das casas (ou das salas de aula) e, portanto, o colocaram em pé de igualdade com a TV, como ferramenta educacional. Hoje podemos pensar no audiovisual – e não apenas na TV – como ferramenta educacional.

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de massa, diz Morin, tinha unanimidade - embora por razões diferentes - entre os chamados intelectuais de direita, que a consideravam como divertimento de incultos, “barbarismo plebeu”, e os de esquerda, herdeiros do pensamento marxista, que a acusavam de ser o “ópio do povo”, a arma utilizada pelo capitalismo para desviar as massas de seus verdadeiros problemas.

A posição de Morin é singular em relação a seus contemporâneos, seja na Itália, seja nos Estados Unidos. Em relação aos primeiros, porque não diferencia o cinema da TV; em relação ao segundo, parece discordar de que possa haver uma participação do telespectador naquilo que ele recebe, ao generalizar a relação destes com os veículos de comunicação de massas:

A cultura de massa é o produto de um diálogo entre uma produção e um consumo. Esse diálogo é desigual. A priori, é um diálogo entre um prolixo e um mudo. A produção (o jornal, o filme, o programa de rádio) desenvolve as narrações, as histórias, expressa-se através de uma linguagem. O consumidor – o espectador – não responde, a não ser por sinais pavlovianos; o sim ou o não, o sucesso ou o fracasso. O consumidor não fala. Ele ouve, ele vê ou se recusa a ouvir ou a ver. (MORIN, 1977, p. 46)

Ao mencionar o caráter comercial que direciona a relação entre cultura de massa e público, e o papel que cabe a este em aceitar ou não o produto que lhe é apresentado, Morin antecipa uma das questões básicas que permeiam as discussões e análises sobre televisão: a audiência e o retorno financeiro que ela implica. Sobre isso, diz Elizabeth Bastos Duarte: “Os textos são mercadorias, que, como qualquer outro produto acabado, disputam o mercado global. Afinal, a necessidade de aceitação do produto e da audiência sustenta a obtenção dos patrocínios que financiam seus produtos.” (DUARTE, 2004, p.33) A audiência que atrai os anunciantes, citada pela autora, é, consequentemente, também o sinalizador das preferências do público por este ou aquele tipo de programa. Entender e atender a essas preferências parece ser o maior desafio e principal objetivo dos empresários do ramo.

1.1 A TELEVISÃO, O PÚBLICO E A FORMAÇÃO DO GOSTO

François Jost (2004), ao falar sobre a comunicação televisual, diz que a maneira mais usual de entendê-la é partindo da ideia de contrato, empregada tanto pelos semioticistas, quanto pelos analistas do discurso. “Em televisão, pode-se definir a noção de contrato como

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um acordo graças ao qual emissor e receptor reconhecem que se comunicam e o fazem por razões compartilhadas.” (JOST, 2004, p. 9) Pelo viés da semiótica, Jost recorre ao pensamento de Eliseo Verón para explicar que a relação entre emissor e receptor não é real, mas, sim, virtual, na medida em que a proposta está esboçada no próprio texto que é produzido. “O texto contém, com efeito, uma imagem de quem fala e mostra; do mesmo modo, comporta uma imagem de quem ouve e olha e, por isso, desenha uma relação entre os dois”. (JOST, 2004, p. 10)

Parece-nos possível reencontrar, nas palavras de Jost, as ideias de Morin, quando este se refere a um público mudo. A decisão de aceitar ou não as regras do jogo, de consumir ou não o produto oferecido é, de fato, manifestada virtualmente, medida com base apenas nos números da audiência. Dessa forma, partindo-se de um perfil padrão de consumidor que se dispõe a ligar a TV em determinadas horas do dia, os emissores esboçam o tipo de programa que supõem melhor se adequar aos interesses de cada um - desenhos animados para as crianças, receitas culinárias para as donas de casa, jornalismo econômico para empresários, etc. Os anunciantes, por sua vez, comprarão os espaços em horários cujo telespectador predominante seja aquele passível de consumir o seu produto – brinquedos para as crianças, eletrodomésticos para as donas de casa, serviços bancários para os empresários, etc. - e pagará um preço maior ou menor, de acordo com o índice de audiência.

Do ponto de vista mercadológico, portanto, pode-se dizer que o emissor visa o anunciante e este visa o consumidor. Dessa tríade, é o consumidor/telespectador – e em princípio, somente ele – quem realmente está interessado no programa, o que leva ao pensamento geral, e não de todo incoerente, de que o emissor oferece aquilo a que o telespectador quer assistir. O que muito se discute, no entanto, é a fragilidade do meio – virtual – pelo qual os gostos do telespectador são investigados, pois, se por um lado é o espectador quem dita as regras do que vai ao ar, por outro lado, a interpretação de uma manifestação muda, conforme nomeou Morin, não permite se chegar ao porque da rejeição ou aceitação de tal ou qual programa. Sobre isso, diz Eco:

Uma comunicação, para tornar-se experiência cultural, requer uma atitude crítica (....) A maior parte das investigações psicológicas sobre a audiência televisional tendem, ao contrário, a defini-la como um particular tipo de recepção na intimidade, que se diferencia da intimidade crítica do leitor por assumir o aspecto de uma aceitação passiva, de uma forma de hipnose. (ECO, 2006, p. 342)

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Na medida em que a opinião crítica do telespectador é ignorada, a maneira como os produtores dos programas reagem aos índices de audiência seguem unicamente a lógica do mercado. A audiência, nas palavras de Jost, é um sintoma da reação do público, mas que “não revela jamais os segredos que se passam nos bastidores.” (JOST, 2004, p.30). Diante do sucesso de um programa, prossegue Jost, os produtores se empenham em tentar encontrar a receita, mas nunca saberão exatamente porque ela deu certo. Na medida em que atitudes assim se perpetuam, as análises – e o possível reflexo delas na grade de programação – não avançam. O caminho mais curto parece ser atender ao sinalizador da audiência, retirando do ar programas de baixa audiência e (re)investindo em fórmulas cuja eficácia já tenha sido testada e aprovada. Daí o caráter repetitivo de temas, estruturas discursivas, mecanismos de expressão, tramas, atores, ambientes, (DUARTE, 2004, p. 58), nos programas que ocupam os horários nobres.

A falta de avanço nas pesquisas, apontada por Jost, leva a desabafos como o de Fernando Barbosa Lima (1985), quando afirma que “Os programas de grande audiência, programas que ocupam o chamado ‘horário nobre’, geralmente não estão preocupados em acrescentar novos conhecimentos ao nosso povo. [...] Em outras palavras, a programação está nivelada por baixo”. (LIMA, 1985, p. 12) Embora em tom mais moderado, Duarte (2004) também concorda que a preocupação com a qualidade cede lugar à preocupação com a concorrência e o lucro.

É a concorrência, medida via audiência, quem define a qualidade, o rumo e a vida dos produtos televisivos a serem veiculados. Seu teor informativo e cultural, sua função pedagógica e social são valores secundários, sendo muitas vezes discutíveis. Telecursos são exibidos em horários em que a população dorme. Tevês educativas de caráter privado, embora tenham qualidade, não permitem acesso, a não ser a seus assinantes. (DUARTE, 2004, p.17)

A partir das opiniões citadas, delineia-se outra questão: os programas de conteúdo cultural e/ou educativos existem, o que faz parecer o contrário é a pouca visibilidade que eles têm, a dificuldade de acesso pelo grande público, limitado pelo horário de exibição ou pela barreira financeira das TVs pagas, conforme está claro na observação de Elizabeth Duarte, transcrita acima. Seja como for, entre opiniões como as de Edgar Morin, que colocam todo o sistema de comunicação de massa sob suspeita, e esse olhar menos generalista e mais particular sobre os programas veiculados, já se tem uma nova perspectiva.

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A necessidade de se olhar a TV como algo heterogêneo, capaz de abrigar programas tão variados quanto é variado o perfil do seu público, é defendida por Arlindo Machado (2005), que critica o fato de que por muito tempo os teóricos da comunicação tenham difundido a ideia de que a televisão é um meio ‘de massa’ no pior sentido possível, ou seja, de só produzir programas sem qualidade cultural ou estética:

Dizer que na televisão só existe banalidade é um duplo equívoco. Em primeiro lugar, há o erro de considerar que as coisas são muito diferentes fora da televisão. O fenômeno da banalização é resultado de uma apropriação industrial da cultura e pode ser hoje estendida a qualquer forma de produção intelectual do homem. (MACHADO, 2005, p.09)

Conforme afirma Machado, a maioria daqueles que se ocupam da TV analisam-na pelos aspectos gerais de produção e recepção, sem se ater à análise particular dos programas. O pesquisador aponta para a necessidade de se desviar o foco de análise “das formas mais baixas de televisão [...] para a diferença iluminadora, aquela que faz expandir as possibilidades expressivas desse meio.” (MACHADO, 2005, p.10). Para ele, o aspecto comercial da TV não inviabiliza a criação artística, o que é endossado por Duarte que, embora não veja a possibilidade de que a televisão venha a ser um espaço adequado onde se possa discutir conteúdos em profundidade, concorda que os programas podem ser produzidos com cuidado e “até mesmo apresentar soluções criativas e linguagem inovadora.” (DUARTE, 2004, p. 60-61)

Tais constatações nos fazem voltar ao já citado ensaio de Umberto Eco, cujas reflexões em meados da década de 1960 apontavam para uma televisão que se revelava apenas como fenômeno sociológico, até aquele momento “incapaz de dar vida a verdadeiras criações artísticas” (ECO, 2006, p. 330), mas que

justamente como fenômeno sociológico, surge como capaz de instituir gostos e propensões, isto é, de criar necessidades e tendências, esquemas de reação e modalidades de apreciação tais que, a curto prazo, se tornam determinantes para os fins de evolução cultural, também em terreno estético. (ECO, 2006, p.330)

Como se vê, a considerar as opiniões de Machado e Duarte sobre a presença de linguagem estética na TV, a previsão de Eco, nesse sentido, se confirmou. O próprio Arlindo Machado (2005) enumera dezenas de programas produzidos por TVs estrangeiras e brasileiras, considerados por ele como os mais importantes da história desse veículo. Se fosse atualizada hoje, 13 anos depois de publicada a primeira edição da obra, é possível que essa lista fosse renovada ou expandida.

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No que se refere à capacidade de instituir gostos, no entanto, se o próprio aprimoramento estético já é um indício disso, por outro lado, o interesse predominantemente comercial dos emissores continua sendo uma forte barreira para um maior avanço nesse campo. Não por falta de consciência dos produtores: “A TV sabe que pode determinar os gostos do público” (ECO, 2006, p. 348); ou dos críticos: “só a televisão, com seu poder de comunicação, poderá elevar rapidamente e com eficiência o nível cultural do nosso povo” (LIMA, 1985, p. 14); ou mesmo de enunciatários como Luiz Fernando Carvalho, que sempre afirma a intenção de contribuir para uma reeducação do espectador.

Entretanto, conforme já abordamos, há um consenso de que a preocupação primeira da televisão é com o consumo e o retorno financeiro que advém dele. Diante disso, há o receio em arriscar-se, porque “o espaço em televisão é muito caro. Não dá para se cometerem muitos enganos.[...] O risco de não agradar, de não garantir pontos na audiência, controla o ímpeto de grandes ousadias e experimentações.” (DUARTE, 2004, p. 73) Bourdieu , no livro Sobre a televisão(1997), discute essa questão por um viés interessante: segundo ele, todo movimento coletivo que tende a “homogeneizar”, torna-se conveniente, embora ninguém, em princípio, lhe seja o autor ou o tenha desejado. Tomando o telejornal como objeto de análise, ele afirma que “quanto mais um órgão de imprensa ou um meio de expressão qualquer quer atingir um público extenso, mais ele deve perder suas asperezas [...] Constrói-se o objeto de acordo com as categorias de percepção do receptor.” (BOURDIEU, 1997, p.63)

Assim, levando em conta o ponto de vista desse teórico, parece-nos que estamos diante de uma força invisível, um movimento cuja direção não tem condutores identificáveis, nem idealizadores, mas que, de certa forma, segue um fluxo natural, guiado pela necessidade de atingir as massas. Bourdieu não esconde certo ceticismo quanto a uma mudança nesse cenário: “Se um instrumento tão poderoso quanto a televisão se orientasse um pouquinho que fosse para uma revolução simbólica [...] eu lhes asseguro que se apressariam em detê-la...”(BOURDIEU, 1997, p.64). Revoluções simbólicas, conforme explica o pesquisador, são aquelas que atingem as estruturas mentais das pessoas, contribuindo para mudar as maneiras de ver e de pensar, geralmente realizadas por artistas, cientistas, religiosos ou políticos. “Ora, ocorre que, sem que ninguém tenha necessidade de pedir, apenas pela lógica da concorrência, e dos mecanismos que evoco, a televisão não faz nada de semelhante. Está perfeitamente ajustada às estruturas mentais do público.” (p. 64) Apesar da declarada descrença, Bourdieu

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chama a atenção para o perigo das críticas simplistas e para a necessidade de se aprofundar numa análise que levem à compreensão de tais fenômenos.

Cada um a seu modo, Arlindo Machado e Umberto Eco também defendem um olhar mais cuidadoso dos críticos para com a televisão. Para Machado, é necessário que se preste atenção aos programas de qualidade estética, ao invés de analisar a TV como algo homogêneo; Eco, por sua vez, aponta para os riscos que uma recusa indiscriminada dos intelectuais aos meios de comunicação de massa representaria para a sociedade, segregando-a em um “restrito grupo de intelectuais, que desdenham os novos canais de comunicação, e um vasto grupo de consumidores que permanecem naturalmente nas mãos de uma tecnocracia dos mass media, privada de escrúpulos morais e culturais, atenta unicamente a organizar espetáculos capazes de atrair multidões.” (ECO, 2006, p. 357)

A análise que iniciaremos no segundo capítulo desta tese é, de certa forma, uma resposta a essa proposta, na medida em que terá como foco duas obras de reconhecido valor estético. Antes disso, porém, faremos uma breve viagem pela história da televisão no Brasil, a fim de apontar as peculiaridades desse veículo em território nacional, e os momentos em que a relação entre programação, audiência e crítica registrou os seus altos e baixos índices de boa convivência.

1.2 DE “BRINQUEDO DE LUXO” A VEÍCULO “POPULARESCO”: NOTAS SOBRE O PERCURSO DA TELEVISÃO NO BRASIL

A implantação da televisão no Brasil foi, naturalmente, uma consequência da evolução desse veículo no resto do mundo. Aqui, no entanto, a história registra particularidades que podem nos ajudar a compreender o perfil que esse veículo vem delineando ao longo do tempo, no que se refere à popularização da programação, bem como os conflitos que esquentaram as críticas nesses mais de sessenta anos de sua existência. Em primeiro lugar, cumpre lembrar que a TV brasileira foi construída muito mais com a contribuição do rádio do que do cinema, como aconteceu nos Estados Unidos, por exemplo, e isso foi preponderante para o primeiro processo de popularização do veículo, conforme veremos adiante. Outro fator que não podemos deixar de referir diz respeito à relação de dependência que o novo meio de

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comunicação criou com a publicidade antes mesmo da inauguração da primeira emissora brasileira.

Embora seja sempre impossível apontar com exatidão como se deu o início de um fenômeno como a televisão, um dos primeiros registros sobre esse veículo de que se tem notícia no Brasil refere-se a uma propaganda da General Electric, publicada na revista Seleções da Reader’s Digest9 em 1944, seis anos antes de a TV ser oficialmente inaugurada. O texto publicitário reafirma a relação técnica que a transmissão televisiva mantém com a radiodifusão, antecipa as maravilhas que o novo meio proporcionará e, sobretudo, coloca a empresa como parceira e investidora do novo projeto, conforme se vê neste fragmento: “Faz anos que a General Electric vem construindo aparelhos transmissores de televisão para uso experimental. [...] os receptores de televisão permitirão a V. S. convidar à sua casa, seus amigos e parentes para assistir uma ópera ou um filme cinematográfico transmitido por televisão” (BARBOSA, 2010, p.22)

Outros anúncios, particularmente dessa empresa, foram publicados no intervalo de tempo entre esse e o dia 18 de setembro de 1950, quando os Diários Associados, pelas mãos de Assis Chateaubriand, inauguraram a TV Tupi Difusora de São Paulo. O discurso proferido por Chateaubriand, na ocasião, chama a atenção pela exaltação aos quatro patrocinadores que custearam o empreendimento: a Companhia Antárctica Paulista, o grupo Sul América Seguros, o Moinho Santista e a Organização Franscisco Pignatari, fabricante da prata Wolff.

Atentai bem e vereis como é mais fácil do que se pensa alcançar uma televisão: com prata Wolff, lãs Sams, bem quentinhas, Guaraná Champagne, borbulhante de bugre e tudo isto bem amarrado e seguro na Sul América, faz-se um bouquet de aço e pendura-se no alto da torre do Banco do Estado um sinal da mais subversiva máquina de influir na opinião pública – uma máquina que dá asas à fantasia mais caprichosa e poderá juntar os grupos humanos mais afastados. (CHATEAUBRIAND apud BARBOSA, 2010, p. 19)

Em vários outros momentos do seu discurso, Chateaubriand ressalta o apoio recebido, antecipando uma prática que hoje é corriqueira em boa parte dos programas televisivos: o merchandising. A General Electric, como se vê, não foi patrocinadora do investimento que possibilitou as transmissões televisivas em território brasileiro. No entanto, ela se colocou como a empresa que, naquele momento, proporcionaria a venda de aparelhos retransmissores, o que naturalmente era também de interesse do empreendimento. O fato é que durante toda a

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primeira década da TV no Brasil, “os patrocinadores eram senhores absolutos dos programas, escolhendo e contratando diretamente os artistas e produtores [...] à emissora restava a tarefa de ceder estúdios e pôr o programa no ar” (PRIOLLI, 1985, p. 24). A subordinação do programa ao patrocinador foi tal que era comum que o nome deste estivesse associado àquele, por exemplo, Teledrama Três Leões ou Teatro Walita, entre muitos outros.

Voltando ao discurso de Chateaubriand, vale observar que as empresas mencionadas como patrocinadoras comercializavam produtos voltados para classes mais abastadas (prata, seguros e mesmo o refrigerante, que não era tão popular como é hoje), o que denuncia o caráter elitista da televisão, naquele momento. A cerimônia de inauguração, conforme relata Marialva Carlos Barbosa (2010), foi marcada pela presença de “homens de paletó e gravata, mulheres bem vestidas, como se fossem a uma festa” (BARBOSA, 2010, p. 17). Esse perfil de consumidor está presente também no próprio texto publicitário da General Electric quando sugere que um televisor em casa seria um diferencial, um atrativo a ser oferecido a parentes e amigos que, naturalmente, não tivessem o mesmo privilégio.

A exclusão do grande público, àquela época, devia-se, principalmente, ao alto preço dos aparelhos receptores, que mesmo dois anos após a inauguração da primeira emissora, era ainda inacessível para a maioria das famílias. É o que nos conta Gabriel Priolli: “Nos dois primeiros anos de vida, a TV não foi mais que um brinquedo de luxo para as elites do país. [...] Um televisor custava três vezes o preço da mais cara radiola do mercado e só um pouco menos que um automóvel. Daí porque a programação oferecida pelas emissoras nos anos 50 tivesse aquele ‘alto nível’ tão cobrado hoje pelo público mais letrado.” (PRIOLLI, 1985, p. 23)

O comentário acima nos leva de volta à relação programação/público, sobre a qual já referimos na primeira parte deste capítulo, e à qual voltamos para tratar do caso específico do Brasil. O “alto nível” a que se refere Priolli, diz respeito a uma programação que incluía teatro clássico e de vanguarda, música erudita, informação jornalística e debate político. Daí a qualificação de “fase elitista” que autores como Sérgio Mattos (2002), por exemplo, dão à primeira década da TV brasileira.

Referências

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