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1. PROGRAMAÇÃO, AUDIÊNCIA, CRÍTICA: PICOS DE AMOR E ÓDIO NA

4.2. A EXPRESSÃO DO BARROCO

4.2.4. Pausa para a cultura popular

Figura 52 – O cantador Lino Pedra Verde, narrando a história do Execrável, em versos de cordel

A cultura popular, especialmente a nordestina, e seu espaço por excelência que é o sertão, ganhou, a partir do Modernismo, o privilegiado papel de representar a identidade brasileira. Sylvie Debs (2007), explica que naquela época, com o distanciamento da cultura barroca colonial e do Romantismo, e com a decadência da aristocracia fundiária, “A única riqueza que sobreviveu foi a cultura oral, o patrimônio folclórico e popular. A temática do sertão se desenvolverá a partir desse fundo cultural (...) que servirá de base para a estilização literária” (DEBS, 2007, p. 58) e, posteriormente, para o cinema e a televisão.

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Desde a implantação da televisão no Brasil até os dias de hoje, nota-se que as obras ficcionais de temática sertaneja, às quais a cultura popular é inerente, estiveram presentes em vários dos momentos em que a televisão esteve em paz com a audiência e a crítica, e chega à contemporaneidade com o mesmo poder de seduzir o público. Pode-se dizer queA Pedra do Reino, apesar de algumas rejeições por uma parte do público e da crítica, vem engrossar esse conjunto.

Na minissérie, obra que prima pelo hermetismo, a poesia de cordel, a cantiga de roda ou a cavalhada se apresentam como um oásis, um lugar propício para o descanso. É assim que uma cena do menino Quaderna, reverenciando e ouvindo a cantoria de Lino Pedra Verde sobre os feitos sangrentos de João Ferreira, representa um alívio para os olhos e ouvidos, na medida em que quebra ao meio a encenação alucinante e grotesca da carnificina, e ao fim da qual se segue a suavidade de uma alegre e ingênua cantiga de roda. Da mesma maneira, o coro de mulheres que, quase em oração, cantam as características e heroísmos de Sinésio, propiciam descanso aos olhos e ouvidos, depois de uma sequência audiovisual que prima pela acumulação de sons e imagens.

E, ao final, para embalar o sono depois de uma semana de sobressaltos, nada melhor do que um Quaderna palhaço, tocando rebeca no meio do sertão, enquanto encerra com versos a sua epopeia:

Aqui morava um Rei, quando eu menino: Vestia ouro e Castanho no gibão.

Pedra da sorte sobre o meu destino, Pulsava, junto ao meu, seu coração. Para mim, seu cantar era divino, Quando ao som da viola e do bordão Cantava com voz rouca o desatino, O sangue, o riso e as mortes do sertão.

A cultura popular, assim, parece ser o principal elemento responsável por eventuais quebras no ritmo de uma obra que prima pelo andamento acelerado, devido, sobretudo, à sobreposição de elementos desconhecidos pela maioria dos telespectadores. Em meio ao turbilhão de informações, sonoras e visuais, a simplicidade da cultura popular contribui para restabelecer no enunciatário o mínimo de familiaridade necessária para a conjunção dele com a minissérie.

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Para finalizar essa análise, tomamos de empréstimo as palavras de Teresa Albuquerque, para dizer que o ritmo “ousado, delirante, vertiginoso (assim como o romance de Suassuna) pode até ter afastado parte do público (...). Mas que foi bonito, foi.” (ALBUQUERQUE, 2007, s/p)

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após investigar os elementos responsáveis pela construção do sentido nas minisséries Hoje é dia de Maria e A Pedra do Reino só podemos chegar a uma conclusão segura: há muito ainda o que desvendar no universo encantado desses dois reinos de imagens e sons. Não é, portanto, sem alguma frustração – pelo muito que não foi dito – que decidimos colocar um ponto final nesta tese. Mas é necessário concluir, e para isso, faremos algumas considerações.

Antes de qualquer coisa, convém refletir sobre os dois elementos centrais e unificadores do plano figurativo das duas obras analisadas, que são também recorrentes na produção do diretor Luiz Fernando Carvalho: o sertão e a cultura popular. No segundo capítulo desta tese já mencionamos a influência que o espaço sertanejo exerce no imaginário dos brasileiros, e sua presença constante nas narrativas ficcionais e nas artes em geral. Acrescentaremos apenas algumas informações que, a nosso ver, complementam e justificam tais constatações.

Em Cinema e Literatura no Brasil. Os mitos do sertão: emergência de uma identidade nacional, a pesquisadora francesa Sylvie Debs (2007), chama a atenção para o fato de que desde o descobrimento do Brasil – leia-se a famosa carta de Pero Vaz de Caminha – as características exuberantes das regiões interioranas são exaltadas como fatores de diferenciação desta em relação a outras terras além-mar. Mais tarde, românticos, realistas e modernistas voltaram sucessivamente ao interior do país para buscar ingredientes que garantissem a originalidade nas letras e a tão desejada identidade nacional. Não podemos deixar de mencionar, ainda, os muitos registros feitos por naturalistas europeus, em viagem

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pelointerior do Brasil, a maioria dos quais, segundo nos conta Osmar Pereira Oliva, “foi publicada na Europa, gerando admiração e curiosidade a respeito do sertão”. (OLIVA, 2009, p. 185)

Em meio a uma extensa região pouco habitada, de Norte a Sul do país, o Nordeste acabou por se destacar, porque “apresenta a particularidade de ter sido tratado por uma dupla perspectiva: regional e nacional, tanto por escritores do Sul quanto do Nordeste” (DEBS, 2007, p. 41). Dessa forma é que a presença do Nordeste na literatura, impulsionada pela obra Os sertões, de Euclides da Cunha (1902), ganha força com o Modernismo, passando a ser desenvolvida, na literatura e no cinema, a partir de temas que se situam entre o folclore e a denúncia. (DEBS, 2007, p. 58)

A autora citada não é a única a relacionar o sertão nordestino com a cultura popular. Joseph Luyten (1984), ao definir literatura popular, situa-a dentro de uma cultura popular que, a despeito de abranger todos os setores da vida de um povo, indica certa oposição à cultura erudita, e “se manifesta com maior vigor em sociedades nas quais a divisão de classes é acentuada.” (LUYTEN, 1984, p. 9) Isso explica porque, no Brasil, a “cultura nordestina está se tornando sinônimo de cultura popular brasileira” (LUYTEN, 1984, p.10), mesmo a despeito de o país ser, ele todo, um celeiro de tradições e costumes.

Seja como for, o fato é que o paradoxo de um sertão infértil, devido à ação de seguidos períodos de seca, e ao mesmo tempo rico em sua diversidade cultural atravessou o pós- modernismo literário, foi o tema preferido do movimento Cinema Novo – primeiro a dar visibilidade à produção cinematográfica nacional –, esteve presente em vários das produções televisuais de maior sucesso junto ao público e à crítica, e chega à contemporaneidade com o mesmo poder de seduzir o público interno e representar o país no exterior. Pelo menos é o que se pode concluir de exemplos como o filme Central do Brasil(Walter Salles, 1998) e a minissérie Hoje é dia de Maria, ambos agraciados com muitos e importantes prêmios.

Se o sertão e sua cultura é tema recorrente na ficção literária e audiovisual brasileira, no currículo de Luiz Fernando Carvalho, ele é quase obrigatório: “... eu acho que a figura da terra eu não tenho como negá-la, é sem dúvida a imagem mais primordial para o meu trabalho...” (CARVALHO, 2001, p. 33). Da busca pelas origens maternas, no Nordeste brasileiro, Carvalho descobriu a força da terra, e nela encontrou-se com a cultura popular.

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Assim é que para contar as aventuras da menina Maria, a narrativa se apropria de elementos folclóricos e místicos presentes em contos e cantos populares, lendas e anedotas, além de incorporar outras formas de manifestação cultural, como danças, cerimônias religiosas, festas, folguedos, enfim, costumes diversos que estão na própria origem do brasileiro, porque herdados dos povos indígena, africano e europeu. Essa cultura é o que dá o tom na primeira jornada de HDM; e também está presente, ainda que em menor proporção, na segunda jornada. Nesta, embora o espaço predominante seja a cidade grande, o sertão é o ponto de partida e de chegada da menina Maria, que ao mergulhar no tumultuado e barulhento universo urbano, leva consigo– como uma espécie de amuleto –, a simplicidade e o poder das cantigas e crenças populares.

Em A Pedra do Reino, o espaço é novamente o sertão e a cultura popular é também fonte importante na construção da narrativa. Entretanto, não obstante o fato de que o gênero principal usado na composição da obra é a poesia de cordel – gênero típico da região nordestina – cujo alcance é menor do que os contos, cantigas e lendas predominantes em HDM, a cultura popular em APR ocupa um espaço bem menor em relação à obra que a precedeu. Ao lado dela, aparecem questões históricas pouco conhecidas de grande parte dos brasileiros, como a Guerra de Princesa, as circunstâncias da morte do então ministro do estado da Paraíba, João Pessoa, a revolução de 1930, além da já mencionada carnificina empreendida por João Ferreira, em 1838, cuja história se confunde com a do protagonista Pedro Dinis Quaderna. Ao lado disso tudo, estão as histórias fantasiosas inventadas por um aspirante a escritor.

É importante lembrar que, nas duas jornadas de HDM, a cultura popular também não está fechada em sua simplicidade e magia. Entretanto, ao invés de compartilhar espaço com fatos históricos e/ou políticos pertencentes ao passado remoto do sertão nordestino, nessa obra o que vem à tona são questões da realidade atual, dramas sociais pertencentes ao meio rural ou urbano, de qualquer região ou país, presentes nos noticiários e nas narrativas ficcionais contemporâneas. Esse fato, aliado ao próprio caráter dos contos de encantamento, de não se prenderem a tempos e espaços, faz com que o sertão em HDM transcenda o regional para adquirir estatuto universal.

Já que estamos falando em espaço diegético, ampliaremos nossos comentários para os espaços cênicos e fílmicos em cada uma das minisséries estudadas. Conforme já abordamos no último capítulo desta tese, a cenografia em APR foi construída em dois espaços principais:

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o sertão neorrealista da Paraíba e a verídica vila de Taperoá, também na Paraíba, mas que, ao receber novas fachadas por parte da produção da obra, acabou por perder o estatuto de realidade para entrar na categoria de cidade ficcional. No centro do povoado, por sua vez, está instalado o palco onde vários cenários se sucedem simulando uma ficção dentro da ficção. Já em HDM, a teatralidade prevalece no espaço cenográfico, todo ele construído manualmente sobre um palco circular. A substituição gradativa e sequencial dos cenários garante linearidade ao andamento da narrativa.

A instância do espaço é, segundo Fiorin (2008a), a que menos interesse vem recebendo dos semioticistas. A maioria dos estudos sobre o tema, até o momento, diz ele, foram realizados por estudiosos da literatura, que se ocupam da semântica, da ambientação, e não exatamente da sintaxe do espaço. Para a análise de um objeto que tem a imagem como linguagem principal, entretanto, a observação do espaço é fundamental. Se o espaço, enquanto lugar onde decorrem as ações narradas pode, a exemplo das narrativas verbais, não ser tão importante quanto pessoa e tempo, como afirma Gennete (1972), há que se pensar, inevitavelmente, na maneira como o enunciador preenche a tela onde as imagens se projetam: é o espaço fílmico.

Este, portanto, constitui-se naquilo que será mostrado e como será visto pelo espectador, e se articula, ainda segundo Fiorin, em torno das categorias interioridade vs exterioridade, fechamento vs abertura, fixidez vs movimento. Da exploração do espaço onde se enquadram as imagens, é que decorrerão as categorias de intensidade vs extensidade, continuidade vs descontinuidade e acumulação vs segmentação mencionadas por Yvana Fechine (2009).

Com base nisso, conclui-se que no que se refere à sobreposição de elementos, pode-se dizer que tanto as duas jornadas de HDM quanto APR se encaixam, pelo aspecto visual, na categoria de acumulação, reafirmando as características do estilo barroco no qual o diretor vem se firmando. Entretanto, é notório que o procedimento de sobrepor elementos apresenta um considerável crescimento, da primeira jornada de HDM para a segunda e desta para APR.

A primeira parte de Hoje é dia de Maria, mesmo não negando sua filiação ao barroco, mantém laços estreitos com o estilo clássico, presente na harmonia das imagens, na profundidade dos campos – relembre-se a presença da pintura renascentista – na linearidade do tempo, nos movimentos de câmera, na montagem das sequências, além, é claro da clareza

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do conteúdo, boa parte organizado de acordo com uma estrutura canônica. Pelo aspecto sonoro, pode-se dizer que a obra prima pela segmentação, ou seja, pela harmonia. A própria utilização de cantigas tradicionais, executadas por instrumentos clássicos, como violino, flauta e piano, garante a doçura com que Zilberberg se refere ao estilo clássico. Por mais paradoxal que possa parecer, pode se dizer que os elementos tradicionais prevalecem numa obra essencialmente barroca. Dessa maneira, enquanto a uniformidade de um garante uma eficiente apreensão, o inusitado do outro instaura a surpresa, resultando em um ritmo equilibrado e, por isso, extremamente agradável para quem assiste.

Na segunda jornada de HDM, nota-se que Carvalho deu uma acelerada – metafórica e semioticamente falando – na associação de elementos utilizados na composição da obra. Pelo plano do conteúdo, pode-se dizer que continua acessível, uma vez que ele mantém a dualidade fantasia/realidade, apenas adaptando a porção realista ao espaço urbano. A clareza deste plano, no entanto, fica relativamente ofuscada por descontinuidades nas narrativas mínimas e, principalmente, por opções do plano de expressão que imprimem maior velocidade aos quadros, como a acentuada sobreposição de elementos, – sucatas, escombros, luzes – maior movimento das cenas – planos curtos e fechados, cortes abruptos – e uma linguagem – inspirada em musicais – pouco consumida pelo público de televisão, no Brasil. O plano sonoro repete, a maior parte do tempo, a opção pelo acúmulo, com sons metálicos e descontínuos, emprestados do rock, buzinas, freadas, além do próprio canto que quase sempre substitui os diálogos e que, por sua vez, agrega novos sons provenientes dos arranjos musicais.

Em A Pedra do Reino, pode-se dizer que Carvalho atinge a velocidade máxima no que se refere a acúmulos e contrastes, tanto no plano do conteúdo, quanto no da expressão. No que se refere ao conteúdo, toda a engenhosidade criativa que mistura uma multiplicidade de temas e figuras foi herdada da obra literária. O que o diretor da minissérie fez foi manter, na medida do possível, as referências históricas, políticas, anedóticas e fantásticas, através de relatos destituídos de qualquer linearidade temporal, característica também presente no romance de Suassuna.

Mas se a fragmentação temporal é fator determinante de instabilidade no discurso literário, quando submetida às elipses requeridas pela adaptação à linguagem audiovisual, tende a gerar maior complexidade, já que os fragmentos narrativo-temporais se tornam menores, gerando o efeito de intensidade que faz com que o telespectador se perca do objeto

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em cena, conforme aprendemos com Tatit (1997). Assim, pode-se dizer que as anacronias temporais, fartamente presentes nos dois primeiros episódios, constituem-se, nesse início de minissérie, no principal responsável pela surpresa causada no telespectador. Principal, mas não único. Ao lado de flashbacks e flashforward, aparecem o desdobramento das vozes narrativas e recursos expressivos intensos – os quais atravessarão toda a minissérie –, como a gestualidade, as descontinuidades provocadas por movimentos irregulares de câmera, e a acumulação decorrente da sobreposição de imagens e simultaneidade de ações, pelo aspecto imagético; e a prosódia, a irregularidade nas entonações de vozes, e a sobreposição de sons, pelo aspecto sonoro.

Entretanto, há que se destacar a trilha sonora como elemento à parte na composição sonora de APR, pois ainda que apresente misturas – música cigana, sacra, oriental, “incelenças”112

e outros cantos da cultura popular nordestina – a música é sempre marcada pela extensidade, que é a categoria caracterizada por maior atonia, menor pulsação, intervalos maiores, “batidas” mais espaçadas, enfim, andamento mais lento, o que garante durabilidade. (FECHINE, 2009, p. 351).

Para finalizar, não podemos deixar de mencionar o fato de que as minisséries estudadas constituem-se em híbridos de linguagens audiovisuais – inerentes ao próprio veículo no qual as obras foram exibidas – e teatrais. O recurso à teatralidade nos parece uniforme nas duas jornadas de Maria e na encenação de Quaderna: em todas elas é recorrente o uso de cenários artesanais, bonecos representando atores e animais, e enfoque no uso do corpo e da voz. Há que se assinalar, no entanto, que enquanto na primeira jornada de HDM, o tom lúdico predomina em todos os aspectos da encenação; na segunda, a presença do teatro de variedades – com número de vedetes – aponta para uma mudança de direção, do universo infantil para o adulto; enquanto em APR, as encenações se aproximam ora do teatro bufo, ora das tragédias gregas.

Como se percebe, por este aspecto também há uma gradativa mudança de “tom” de uma obra para a outra: mais simplicidade e familiaridade na primeira, maior complexidade e menos familiaridade na terceira, e um nível intermediário na segunda jornada de HDM.

Resumidamente, podemos dizer sobre a relação entre enunciador e enunciatário nas minisséries Hoje é dia de Maria e A Pedra do Reino:

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Pequenos cânticos entoados à cabeceira dos moribundos, substituindo a extrema-unção, ou em virtude de falecimentos.

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a) A cultura popular, pelo seu poder de encantar mais do que de falar à razão, se constitui em elemento de aproximação entre as obras estudadas e os telespectadores, porque “nas sociedades modernas uma mesma pessoa pode participar de diversos grupos folclóricos, é capaz de integrar-se sincrônica e diacronicamente a vários sistemas de práticas simbólicas: rurais e urbanas, suburbanas e industriais, microssociais e dos mass media.” (CANCLINI, 2008a, p. 220)

b) A instauração do novo e do já conhecido em Hoje é dia de Maria e A pedra do reino é feita em proporções dissemelhantes. Na primeira, prevalece o já conhecido revestido de novidade, na segunda prevalece o novo, obscurecendo o já conhecido. O resultado disso se reflete no ritmo e, consequentemente, na intelecção dos enunciados pelos enunciatários.

c) A montagem, ou seja, as estratégias do enunciador na instauração das instâncias da enunciação (pessoa, tempo e espaço) constituem elementos decisivos na recepção de Hoje é dia de Maria e A pedra do reino.

d) Elementos do plano de expressão como a organização dos espaços cenográficos e fílmicos, movimentos de câmera, cortes, luz e cores, são fundamentais na definição do andamento das duas minisséries, pois ainda que as opções referentes a tais aspectos respondam por certa unidade estilística do diretor, nota-se que elas aparecem em proporções crescentes da primeira para a segunda parte de HDM e desta para APR. e) O antinaturalismo instaurado pela presença da linguagem teatral, que é, ao mesmo

tempo, o que reforça o caráter ficcional das narrativas, é fator de aceleração crescente da primeira à última minissérie analisada. A dissemelhança no resultado do uso da linguagem se deve à diversidade dos modelos teatrais utilizados: mais populares na primeira obra e mais sofisticados e pouco acessíveis ao grande público, na segunda e terceira.

f) Para finalizar, retomamos as noções de enunciatário e telespectador para concluir que, enquanto o enunciatário presumido para a primeira jornada de HDM responde ao perfil de telespectador que se interessa pelo formato e horário do programa apresentado; em APR, ao contrário, pode-se afirmar que a enunciação prevê um enunciatário incompatível com o público de televisão que, conforme vimos com Duarte (2004), geralmente não está disposto a acompanhar programas que exijam absoluta atenção. Quanto à segunda jornada de HDM, os perfis de enunciatário e

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telespectador se correspondem, porém em proporção mediana, o que pode ser atribuído, pelo grau de complexidade intermediário entre as outras obras estudadas. Conforme lembra Jan Mukarovský (1997), uma determinada obra não costuma ser a única de um determinado autor, e é natural que o método de criação de cada um evolua ao longo do percurso. “No entanto (...) a sua continuidade não é perturbada nem mesmo pelas mudanças mais radicais; há sempre uma tensão entre o que muda e o que se conserva”. (MUKAROVSKÝ, 2007, p. 137) Essa afirmação serve bem às reflexões que ora finalizamos, após exaustivos – e sempre inconclusos - estudos sobre a composição de Hoje é dia de Maria e A Pedra do Reino, pois embora a marca da autoria de Carvalho perpasse cada episódio de cada uma delas, é evidente também que houve uma certa acentuação nos movimentos com que ele rege a orquestra de APR, tornando mais nítidas e intensas as notas dessa composição.

Conforme lembra Jan Mukarovský (1997), uma determinada obra não costuma ser a única de um determinado autor, e é natural que o método de criação de cada um evolua ao longo do