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Crítica, aquisição e seleção

IV. “LEITURAS” DAS METAMORPHOSES EM J W WATERHOUSE

3. The Awakening of Adonis (1899-1900)

3.3. Crítica, aquisição e seleção

Exposto na Royal Academy, em 1900, com o número 155, o quadro foi com certeza produzido durante 1899, não tendo sido, no entanto, concluído a tempo de ser exposto na exposição de verão desse ano, o que fez com que Waterhouse tenha exposto três quadros em 1900: este, Destiny e Nymphs Finding the Head of Orpheus. Segundo Hobson (1989:

315 Imagem capturada de http://www.sothebys.com/en/auctions/ecatalogue/2016/victorian-pre-raphaelite-

british-impressionist-l16133/lot.15.html. Este estudo de óleo sobre tela fez parte do leilão Victorian, Pre-

Raphaelite & British Impressionist Art, lote 15, na Sotheby’s©, em Londres, que ocorreu a 15 de dezembro de

2016, tendo sido vendido por £50000, cerca de 57 mil euros. Na página em causa, é possível saber o percurso da obra, que foi vendida pela viúva de Waterhouse, Mrs. Esther Waterhouse, na Christie’s de Londres, a 23 de julho de 1926, numa exposição com o título The Remaining works of the Late J. W. Waterhouse, Esq., R.A. (na qual também se encontrava o outro estudo a óleo), com o lote 64, aos comerciantes de arte Gooden & Fox, de Londres. A 11 de junho de 1993, foi novamente vendida pela Christie's, Londres, lote 109.

75-76), The Awakening of Adonis e Nymphs Finding the Head of Orpheus foram produzidos em Primrose Hill Studios, antes de Waterhouse passar para St. John’s Wood (Hall Road, N.º 10), o que acontece em 1901316. Prettejohn et al. (20081: 235) apontam 1900 como o

ano da mudança de casa. Não sendo fulcral o ano, é evidente que a abordagem que é feita dos quadros apresenta bastantes diferenças, inclusive a nível técnico. Lembremos que, em

Metamorphoses, ambos os episódios estão relacionados com o mito de Orfeu: um porque é

cantado por ele, outro porque se conclui com a sua morte.

O facto de The Awakening of Adonis suceder a Flora and the Zephyrs (1898) não favorece a crítica feita a Adonis, pois, por exemplo, Hobson (1980: 105) considera-o como “a faintly sugary rendering” do mito. Contudo, à época, a revista The Studio (1900, N.º 87, vol. XX)317 preferiu anotar que a tela era pautada por uma “noble craftsmanship and exquisite atmosphere of poetic fancy”, o que também acontece com The Magazine of Art318,

que observou que “Mr J W Waterhouse’s Awakening of Adonis does not depart any noticeable way from the pictorial manner that is characteristic”. A crítica evidencia que Waterhouse mantinha a maneira de pintar, apelidada de “decorative effect of their work”319, e a sua “accustomed freshness and strength of handling”. Também a revista Athenaeum (1900: 568)320 considerou o quadro como uma obra bastante poderosa do artista, nas palavras do crítico, “at representing the passionate emotions of an historic tragedy in a highly dramatic fashion”.

Tanto Hobson (1980: 105) como Trippi (2002: 160) apontam vários defeitos à pintura, considerando-a decorativa – portanto, com ausência de significado –, com uma composição regular, funcionando os putti como “irrelevant space-fillers” e faltando “all intensity of feeling” entre Adónis e Vénus, que, por exemplo, no caso de Circe Invidiosa (1892), estava concentrada nos seus olhos.

De facto, Trippi (2002: 160) anota que Adonis é “disappointing in technique”, na medida em que o aspeto inacabado – non finito – dos putti e da paisagem entra em conflito com a atenção dada às figuras principais. Por exemplo, as pernas do querubim da esquerda estão inacabadas, o que contrasta com o impasto presente no céu ou na chama da tocha de Cupido, que ostenta pigmentos laranjas, azuis, brancos, rosas e amarelos.

316 De acordo com Hobson (1989: 75-76), o casal Greiffenhagens – amigo e vizinho de Waterhouse – tinha

deixado o estúdio de Primrose Hill em 1895, tendo inscrito Nino na mesma altura no St. John’s Wood Art

Club, o que leva a crer que a sua mudança era iminente.

317 Apud Hobson (1980: 105). 318 Apud Hobson (1980: 105). 319 Hobson (1980: 105). 320 Apud Trippi (2002: 160).

A obra acabou por ser adquirida por James Ogston, membro do comité de conselheiros, fabricante de sabão, conhecido da família de Lord Faringdon321. Será herdado

pelo brigadeiro Charles Ogston e depois legado a Mrs. M. M. Yates322. Depois de ter

passado por coleções privadas, faz agora parte da Andrew Lloyd Webber Collection. O comentário de Riley (1851: 377) menciona que os sírios, de onde parece ter origem o mito de Adónis, teriam um festival relacionado com o regresso do jovem, no qual se comemoraria a cura de Adónis e não a sua morte, facto que estaria igualmente relacionado com a morte e o reviver do mito de Osíris e Ísis, ou de Orfeu, e o seu casamento com Vénus. Waterhouse poderia ter baseado a sua criação neste comentário, pois, de facto, o quadro retrata esse renascimento anual de Adónis, o que Ovídio refere pelas palavras de Vénus (X, 726-27).

Esta relação é também possível com outros textos, como faz Prettejohn (2008: 33), que relaciona a pintura de Waterhouse com a obra The Golden Bough (1890), de Sir James George Frazer (1854-1941), obra muito conhecida que sistematizou mitos de renascimento, na qual se associa o ressurgimento de Adónis ao de Prosérpina323. O capítulo III.4324 de The

Golden Bough trata o mito de Adónis, a presença na Síria e em Chipre, os rituais espirituais

da primavera associados às colheitas praticados por determinadas culturas para celebrarem este renascimento anual, e os “jardins de Adónis”325.

Trippi (2002: 158) concorda com esta abordagem feita aos temas da transfiguração e regeneração anual, defendendo que Waterhouse estava a ler P. B. Shelley enquanto fazia esboços para este quadro, e que tanto Shelley como Ovídio celebram o mito da mesma forma, o que é visível nos versos que assinala: “dreamless sleep [which]/ Holds every future leaf and flower”326.

De facto, Shelley327 traduziu um fragmento (45 versos) de uma elegia da morte de

Adónis, atribuída ao grego Bíon328, que publicou em 1876, e onde se encontram várias

321 Vd. Trippi (2002: 214). 322 Vd. Hobson (1980: 187).

323 Vd. http://www.sothebys.com/en/auctions/ecatalogue/2003/the-collecting-eye-of-seymour-stein-

n07933/lot.68.html (consultado a 18.06.2017).

324 A edição consultada é de 1894, composta por dois volumes.

325 Segundo Frazer (1894: 285), “they represented him [Adonis], true to his original nature, in vegetable form,

while the images of him, with which they were carried out and cast into the water, represented him in his later anthropomorphic form.”

326 Incluídos no poema IV, vv. 89-90, de “Mont Blanc”, composto por Shelley na Suíça, no Vale de Chamonix,

em julho de 1816.

327 Cf. Shelley (1914: 713-14). A edição mais próxima daquela que Waterhouse teve, datada de 1880, não

apresenta esta tradução, mas contém o poema “Adonais. An elegy on the death of John Keats”, que Shelley publicara em 1821, por ocasião da morte de John Keats. Vd. Shelley (1879: 387-97). Tuzet (2003: 38) fundamenta a seleção de Adónis pela referência que Keats faz no seu Endymion.

328 Edmonds (1919: 385) nota que esta elegia pela morte de Adónis era uma das canções da segunda parte do

referências mais facilmente relacionadas com o quadro de Waterhouse, que nos parece útil referir e analisar sucintamente considerando as proximidades possíveis.

Apesar de Vénus não estar envolta “in purple woof” (v. 3), existem referências a rosas (v. 11), bem como ao beijo que Vénus recolhe de Adónis (vv. 11-12), que está, no entanto, morto. Outras menções incluem “the woods” (v. 17), uma Vénus “unsandalled” (v. 18), os “long vales” (v. 21), a par de outros elementos da natureza que mostram o seu pesar pela morte de Adónis, como “The oaks and mountains” (v. 30) ou “The springs” (v. 31). O excerto da tradução de Shelley termina evocando o desejo de Vénus beijar Adónis uma última vez, recebendo na sua boca e coração o seu último suspiro: “Oh, let thy breath flow from thy dying soul/ Even to my mouth and heart, that I may suck/ That…” (vv. 45-47). Por sua vez, Bíon termina, no v. 100, com referência a que Vénus voltará a chorar dali a um ano: δεῖ σε πάλιν κλαῦσαι, πάλιν εἰς ἔτος ἄλλο δακρῦσαι.

Resumindo e retomando a relação com o quadro, apesar de a versão que Shelley faz do texto de Bíon ser usada em contexto de casamento e ser uma elegia à morte de Adónis, a obra de Waterhouse contém em si vários elementos presentes no texto, mostrando, porém, esse renascimento anual da figura de Adónis e não o seu recente falecimento. Essa versão é muito mais próxima da tela final de Waterhouse do que o texto de Ovídio, o que nos leva a crer que Waterhouse tomou como leitura para a composição deste quadro Shelley, manifestando sempre a ideia de renascimento e de relação com a morte.

Refira-se, ainda, que, por causa desta ideia de renascimento, o quadro tem sido visto329, à semelhança de Hylas and the Nymphs (1896) ou Flora and the Zephyrs (1897),

como integrante da série em que Waterhouse procura colocar em confronto deuses e mortais da mitologia greco-latina, tema que se concluirá com Nymphs Finding the Head of Orpheus (1900), exposto no mesmo ano que The Awakening of Adonis. Em relação a esta linha de interpretação, convém perceber que o pintor continua a evocar momentos pacíficos e pouco dramáticos, não querendo isso dizer que esses momentos trágicos não sejam evocados pelo contexto do mito em si.

329 Cf. http://www.sothebys.com/en/auctions/ecatalogue/2016/victorian-pre-raphaelite-british-impressionist-