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2.2 O Empowerment Feminino na Publicidade

2.2.1 O Femvertising

2.2.1.2 Críticas ao femvertising

Existem atualmente um grande número de estudos que criticam esta nova sinergia encontrada entre o mercado e feminismo (por exemplo McRobbie, 2009).

McDonald (2000) critica esta esta reconciliação entre o feminismo e o consumo afirmando que o significado de empowerment para as feministas de segunda onda procurava politizar raça, diferenças de classe e género enquanto que esta nova visão procura silenciar a filosofia anterior através do pós-feminismo com estratégias de autoajuda. Uma vez que se concentra na satisfação do indivíduo, a crítica coletiva é sufocada e é dado um maior destaque ao indivíduo como consumidor. Curthoys (1997) acusa o feminismo contemporâneo de distorcer os princípios fundadores do movimento feminista onde a solidariedade foi deslocada por uma teorização pós-moderna que é desprovida de qualquer conteúdo moral.

Desde meados de 1980, aquando as primeiras campanhas da Nike, as feministas viam com ceticismo esta capacitação e emancipação feminina incorporada pelas marcas nas suas campanhas (Catterall et al., 2010). A relação entre marketing e feminismo pode ser classificada de empowerment ou exploração. No entanto, os dois juntos fazem parte de um circuito permanente da produção cultural (Maclaran, 2012).

"Women empowered by Everything a Woman Does” (vol 43, issue 19; 19 de Fevereiro de 2003) é um artigo da revista “The Onion” que explica a evolução do fenómeno ao longo dos anos. Tal como referido anteriormente, nos anos de 1970 e 1980 as mulheres estavam concentradas em garantir os direitos reprodutivos, as liberdades sexuais e igualdade no local de trabalho. Hoje o artigo afirma que o empowement é entendido muito mais amplamente. Atos tão vulgares como a compra de um par de sapatos ou o consumo uma determinada marca de barra de cereais, são agora reconhecidos como gestos de poder feminino e uma forma das mulheres reclamarem a sua autonomia. Este artigo refere a tendência crescente de um discurso de empowerment, ou o que Lazar (2006) chamou de power feminity, dentro da publicidade para promover produtos dirigido a mulheres. O power feminity constitui um discurso global que incorpora significados de emancipação e empowerment feminino (Lazar, 2006).

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A expressão girl power tem sido outro termo utilizado para descrever estas campanhas publicitárias. O público em geral não tem clara compreensão do termo “feminista” e, ainda é, uma palavra bastante mal interpretada que pode confundir os consumidores (Simonsen, 2015). Segundo uma pesquisa do YouGov (2013), 26% dos consumidores consideram o termo feminista como um insulto, no entanto, 81% concordam com a igualdade de oportunidades e tratamento entre os homens e as mulheres (ver figura 9 e figura 10).

Tendo em conta que o termo “feminismo” é bastante mal compreendido e controverso, e, apesar das duas expressões não serem assim tão diferentes, girl power acaba por ter uma conotação mais positiva (Zmunda e Diaz, 2014).

Através do femvertising, o feminismo popular torna-se um discurso dos media que combina elementos feministas e pós-feministas com o capitalismo do consumo (Lazar, 2006). Alguns críticos têm apontado a prática como pseudo-feminista que tem apenas como único objetivo a compra de mais produtos de beleza ou de limpeza pelas mulheres (Stampler, 2014). Goldman et al. (1992) cunharam o termo de commodity feminism para descrever a forma como os publicitários tentam incorporar o poder cultural e a energia do feminismo enquanto neutralizam simultaneamente ou domesticam a sua força crítica e social/política. As relações commodity tornam as relações entre indivíduos em relações entre objetos. Tornar o feminismo num valor

Figura 9- Resultados do estudo do YouGov.

Fonte: https://yougov.co.uk

Figura 10- Resultados do estudo do Yougov.

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commodity objetifica o feminismo. Quando apropriado pelos publicitários, o feminismo é moldado até destilar um produto ou um objeto. O discurso das mulheres é realocado e estas acabam por ter voz a partir destes objetos que são feitos de forma a apoiarem os objetivos das feministas no que toca à independência e ao sucesso profissional. A publicidade agrega sinais que conotam independência, participação no mercado de trabalho e liberdade individual. Commodity feminism apresenta o feminismo como um estilo, um conjunto de sinais visuais e valores que definem a nossa identidade (Goldman et al., 1992).

Ao objetificar o feminismo, o femvertising acaba por ser uma tendência perigosa não só para as marcas por trás dessas mensagens simbólicas, mas para o próprio movimento feminista (Fineman, 2014). Para o sucesso de uma campanha publicitária, Fineman (2014) defende que há uma maior necessidade de compromisso das empresas com a causa referindo que a inautenticidade das mensagens é muito perigosa não só por detrás das empresas que adotam esta tendência mas também para o próprio movimento feminista. Insistir nestas estratégias para atingir as mulheres acaba por vulgarizar a problemática da igualdade de género e reduzir o poder feminino a uma forma de apenas vender mais produtos às mulheres por parte das empresas. Há um grande fascínio em “capitalizar" tendências em nome de uma marca corporativa. Trazer discutir questões feministas e tentar combater os estereótipos de género e o sexismo na publicidade é positivo, no entanto, também pode levar a riscos significativos se isso estiver a ser feito somente em nome das vendas. Se esta não for genuína sobre a causa ou não compreender o problema, tentar usar o feminismo vai ter o efeito oposto do pretendido e poderá confundir o consumidor (Fineman, 2014). Quan (2015) afirma que o femvertising é manipulador e que as marcas tratam as mulheres como consumidoras irracionais ao tirarem vantagem desta tendência. Quanto mais as mensagens se encaixam nos ideais e nos valores da empresa, mais eficaz vai ser a conexão com os consumidores. É necessário que as empresas pensem além da mensagem usada nos anúncios publicitários (Fineman, 2014).

As mulheres, agora mais do que nunca, têm um grande poder de compra, facto que agora está a ser redescoberto por muitas empresas. A publicidade para as mulheres faz sentido, uma vez que, tradicionalmente, estas são ligadas às despesas da família sendo responsáveis pela maioria das decisões de compra (Davidson, 2015). Ao apelar tão abertamente ao poder desse grupo para vender mais produtos, as marcas correm o risco de não escolherem a melhor forma de atingir o público-alvo (Fineman, 2014).

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Alguns produtos não se prestam à causa da emancipação das mulheres e muitas campanhas publicitárias não combatem os estereótipos negativos levantos pelos anúncios, uma vez que a mensagem que as marcas tentam transmitir estão muitas vezes em desacordo com o produto vendido, nomeadamente quando se tratam de empresas que vendem produtos de beleza (Fineman, 2014). Para além disso, adotar o femvertising poderá ser um movimento arriscado para as marcas porque grande parte destas campanhas publicitárias não divulgam nenhum produto em concreto, o que poderá ser confuso para o consumidor. O marketing existe, em parte, para ajudar os consumidores a compreender os benefícios de determinados produtos e serviços para que eles possam fazer escolhas informadas (Williamson, 1978; Jhally, 1987). Quando as empresas se esquecem de comunicar as potencialidades e a capacitação dos seus produtos, as audiências não possuem as informações necessárias para fazer escolhas, o que se torna uma tática muito arriscada para as marcas. As empresas que fazem ambos - informar e capacitar - estão melhor posicionadas para apoiar a causa e para satisfazer as necessidades do consumidor (Hunley e Boyer, 2015).

Comprovado pelas entrevistas conduzidas pela SheKnows que o femvertising pode ter uma influência positiva nas vendas devido à ligação emocional que as marcas estabelecem com os consumidores (Hunley e Boyer, 2015), muitos autores levantam questões acerca da genuinidade das preocupações das marcas em relação à identidade de género, alertam para o perigo desta tendência para o movimento feminista e referem riscos para as empresas nomeadamente o desacordo entre o produto vendido e a mensagem da campanha e o desconhecimento das potencialidades dos produtos pelos consumidores. Estas especificidades discutidas na literatura e outras que se revelaram relevantes vão servir de base para compreender as perceções e atitudes dos consumidores face ao empowerment feminino na publicidade e responder aos objetivos propostos inicialmente. A perceção ocorre quando uma pessoa é confrontada por um estímulo e consiste em interpretar e organizar uma sensação para posteriormente produzir uma experiência do mundo (Lindsay e Norman, 1977). Por atitude compreende-se o conhecimento e desenvolvimento de sentimentos positivos ou negativos sobre um objeto ou atividade (Pride e Ferrell, 1991) e pode ser vista como uma avaliação global que exprime o quanto nós gostamos de um assunto, pessoa, objeto ou ação (Petty et al., 1991). As atitudes são uma tendência psicológica que se expressa através da avaliação de um objeto ou comportamento em particular com algum grau de favor ou desfavor (Eagly e Chaiken,1993).

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3 METODOLOGIA

3.1 Descrição

Tal como foi observado na revisão de literatura, o empowerment feminino na publicidade é um recurso cada vez mais usado pelas marcas, no entanto, a crescente utilização da tendência fez com que surgissem inúmeras críticas e dúvidas em relação à autenticidade e eficácia das mensagens. Desta forma, o objetivo desta pesquisa é avaliar as perceções e as atitudes dos consumidores face ao empowerment feminino na publicidade.

Tendo em conta os objetivos propostos e as questões a que se pretende responder, optou-se por dividir a recolha de dados em dois processos. Inicialmente foi feita uma análise de conteúdo de comentários do Youtube, correspondentes a quatro campanhas publicitárias pro-mulher de 2014/2015. Apesar de as campanhas selecionadas não terem sido transmitidas na televisão em Portugal, tornaram-se virais através das redes sociais o que permitiu iniciar o debate acerca do femvertising. Uma das ferramentas utilizadas na discussão entre os consumidores foi o Youtube. No Youtube, os vídeos acumulam milhões de visualizações e muitos comentários que constituem uma fonte rica de informação (Madden et al., 2012) acerca da perceção e das atitudes dos consumidores face ao empowerment feminino na publicidade. A segunda fase da recolha de dados foi feita através de um focus group. O focus group permitiu validar estas perceções e atitudes identificadas na revisão de literatura e na análise dos comentários do Youtube bem como aprofundar e discutir as mesmas. A análise de conteúdo dos comentários do Youtube e o focus group complementaram-se e seguiram os mesmos tópicos de análise elaborados através da revisão de literatura.

Tendo em conta os métodos usados, trata-te assim de uma pesquisa de natureza qualitativa que tem como objetivo interpretar fenómenos em termos dos significados que as pessoas dão aos mesmos (Denzin e Lincoln, 2005) bem como descrever e explicar experiências, comportamentos e crenças. O facto de o femvertising ser um fenómeno recente e pouco investigado, faz desta uma investigação de cariz exploratório.

Através da figura 11 é possível identificar os passos da componente metodológica.

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3.2 Unidade de análise

O primeiro processo da componente empírica baseou-se na análise de comentários do Youtube de quatro campanhas publicitárias de 2014 e de 2015 que se enquadram no femvertising ou no empowerment feminino: “#LikeAGirl” da marca Always; “Choose Beautiful” da marca Dove. “Not Sorry | #ShineStrong” da marca Pantene; “#Useyourand” da marca Gillette Venus.

A escolha das campanhas publicitárias teve como principal critério a sua popularidade nas redes sociais, mais especificamente no Youtube. A popularidade das mesmas fornece um maior número de comentários para análise e um leque de opiniões mais diversificadas. Três das marcas selecionadas vendem produtos de beleza que, segundo a revisão de literatura, são as marcas mais propensas a falharem na mensagem que pretendem transmitir aos consumidores. Dessa forma, torna-se relevante analisar quais as perceções e atitudes dos consumidores perante as mesmas.

Revisão de Literatura Identificação das Categorias Categorização dos comentários do Youtube Constução do guião do focus group e respetiva realização Perceções e atitudes dos consumidores face ao empowerment feminino na Publicidade

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Always #LikeAGirl

A Always é uma marca de produtos higiénicos femininos. Lançaram uma campanha publicitária em 2015 com o título “Like a Girl”.

Na campanha, a marca tenta transformar a frase "como uma rapariga", que geralmente é encarada como um insulto, numa frase de empowerment. O conceito da campanha surgiu a partir da ideia de que as adolescentes sofrem um declínio da confiança durante o período da puberdade. Surgiu assim o objetivo da campanha que passava por motivar as meninas durante este tempo em que a sua confiança está a diminuir. A etapa seguinte foi construída em torno de um experimento social que representa o impacto que a frase "como uma rapariga" tem na sociedade - especialmente em meninas pré e pós- puberdade. O vídeo constituiu a peça central e capturou a forma como as pessoas de todas as faixas etárias interpretam a frase "como uma rapariga". A campanha produzida por Lauren Greenfield revelou que, entre a puberdade e a idade adulta, muitas mulheres encaram a frase como um sinónimo de fraqueza e vaidade. O objetivo passou por transformar a expressão “como uma rapariga” numa declaração poderosa e motivadora.

Neste anúncio publicitário são usadas técnicas simples por parte da marca para se conectarem com o público-alvo. De forma a aumentar a credibilidade e a autenticidade do experimento social, as filmagens mostram o cenário dos bastidores dando a sensação que o vídeo não foi editado e que a campanha é improvisada (Simonsen, 2015).

O vídeo #LikeAGirl foi publicado no Youtube no dia 26 de junho de 2014 e

conta com mais de 60 milhões de visualizações no YouTube.:

https://www.youtube.com/watch?v=XjJQBjWYDTs.

Dove: Choose Beautiful

A Dove oferece produtos de cuidados para a pele, cabelo, loções para o corpo, cremes para as mãos, banho, sabonete e desodorizante.

O anúncio publicitário da Dove “Choose Beautiful” é o mais recente anúncio de empowerment feminino depois da campanha Real Beauty. A marca colocou, em 5 cidades ao redor do mundo (Xangai, São Francisco, Londres, São Paulo e Delhi), dois sinais ao lado um do outro, cada um correspondente a uma porta. A uma porta correspondia o sinal “bonita” e a outra correspondia o sinal “normal”. Através de

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filmagens, era observada a forma como as mulheres reagiam às portas e qual era a escolha das mesmas.

A grande maioria das mulheres atravessa a porta “normal”. Os resultados revelaram uma mensagem poderosa sobre a perceção de beleza que as mulheres têm delas mesmas. O objetivo da campanha foi ajudar as mulheres a tomarem a decisão consciente de abraçar a sua beleza e a reconhecê-la perante o mundo.

O vídeo foi publicado no Youtube no dia 7 de Abril de 2015 e conta com mais de 6 milhões de visualizações: https://www.youtube.com/watch?v=7DdM-4siaQw.

Not Sorry | #ShineStrong Pantene

A Pantene é uma marca de produtos para cabelo.

Lançaram em 2014 uma campanha com o objetivo de capacitar as mulheres com o nome de “Sorry not Sorry”. Esta campanha chama a atenção para a regularidade do ato de pedir desculpa por parte das mulheres. É possível ver mulheres a pedirem desculpas no trabalho, em casa, a estranhos e a amigos. De seguida, essas mesmas mulheres ganham a convicção e a confiança para dizerem o que querem sem pedirem desculpas para que o seu ponto de vista seja levado mais a sério. Esta campanha publicitária tenta mostrar que os papéis de género fazem com que a autoridade seja uma característica negativa para a mulher. O objetivo é ajudar as mulheres a ultrapassar os obstáculos que comprometem a sua força pessoal.

O vídeo foi publicado no Youtube no dia 18 de Junho de 2014 e conta com mais de 16 milhões de visualizações: https://www.youtube.com/watch?v=rzL-vdQ3ObA.

Gillette Venus: #Useyourand

A Gillette Venus é uma marca de aparelhos de depilação feminina.

Lançaram em 2014 a campanha publicitária “#Useyourand”. A mensagem por detrás da mesma tem como objetivo incentivar as mulheres a quebrarem barreiras de género. No vídeo aparece um grupo diversificado de meninas a ler, a jogar futebol e a andar de skate como forma de incentivo para que todas as mulheres se libertem das “caixas” onde foram inseridas devido aos estereótipos de género. O vídeo também incentiva as mulheres a abraçarem todos os seus atributos, a ignorar rótulos e a desencadear todas as suas qualidades. Foi criado o hashtag #Useyourand para promover a campanha.

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O vídeo foi publicado no Youtube no dia 6 de Janeiro de 2015 e conta com mais de 21 milhões de visualizações: https://www.youtube.com/watch?v=VFEaj2rNknU