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2.2 O Empowerment Feminino na Publicidade

2.2.1 O Femvertising

2.2.1.1 Evolução do Feminismo na Publicidade

Os estudos feministas têm sido relevantes no estudo do comportamento do consumidor no que toca à representação da mulher na publicidade (Campbell, 1995).

É difícil definir feminismo pois não há apenas uma filosofia que defina o mesmo (Whelehan, 1995). Independentemente de todas as posições acerca do feminismo, todas elas concordam que as mulheres são injustiçadas socialmente devido ao seu género e procuram corrigir esse desequilíbrio entre o sexo masculino e o sexo feminino partilhando o objetivo de acabar com a subjugação social das mulheres (Jagger, 1983). O feminismo envolve a combinação da crítica social (fontes e impacto da assimetria entre géneros) e ação social (elucidar e melhorar a posição das mulheres) (Catterall et al., 2000). É uma política direcionada a mudar o poder existente entre as mulheres e os homens na sociedade. Estas relações de poder estão presentes em todas as áreas da vida, na família, na educação e bem-estar, no mundo de trabalho e na política, na cultura e lazer (Weedon, 1997). No entanto, existem diversificados pontos de vista com pressupostos muito diferentes que oferecem críticas sociais distintas (Fischer e Bristor 1994).

Tal como foi referido anteriormente, o género nem sempre é bem

Figura 6- She Knows Fem-vertising Survey, 2014 (628 respostas)

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conceptualizado na teoria e pesquisa de marketing. As variadas análises de representações de género não acompanhavam o aumento de informação sobre o mesmo incluindo os estudos desenvolvidos por feministas que trabalhavam noutras disciplinas (Catterall et al., 1999). Desde o início da década de 1960, muitas feministas (tais como Betty Friedan e Germaine Greer) desafiaram a sociedade tradicional dominada pelo homem começando por questionar as restrições sociais impostas às mulheres (Napoli e Murgolo-Poore, 2003). Betty Friedan culpou a sociedade do consumo pós-guerra e as representações estereotipadas da mulher na publicidade como sendo algumas das causas da infelicidade das mulheres naquele tempo (Craig, 1997). O marketing promove um sistema que foi tradicionalmente acusado pelas feministas de explorar as mulheres e perpetuar a ordem patriarcal (Catterall et al., 2013). Este fato tem sido alvo de muita crítica de outras disciplinas, tais como estudos de sociologia e culturais que vêm o marketing como uma forma de doping cultural (Ferguson, 1983; Winship, 1987; Wolf, 1991), que tende a estereotipar as mulheres. O patriarcado constitui qualquer tipo de sistema de organização cujas altas posições de hierarquia são ocupadas em grande parte por indivíduos do sexo masculino (Goldberg, 1977). Para Goldberg (1977), a biologia dita o patriarcado como a ordem natural. Os homens obtêm assim mais posições de poder no que toca, por exemplo, à política e aos negócios. Hooks (2004) define patriarcado como um sistema político-social que defende que o sexo masculino é o sexo dominante, superior a tudo e a todos. O sexo feminino é denominado de fraco. Este questiona o argumento biológico de Goldberg (1977) argumentando que as funções do patriarcado são puramente ideológicas igualmente suportadas por homens e mulheres apesar do sistema beneficiar os homens. Berger (1974) defende que o patriarcado está presente na cultura dos media através da subordinação sexual da mulher ao homem.

As perspetivas feministas desempenham um papel de destaque nos estudos de marketing e as suas críticas dão inúmeros insights sobre a natureza de género no marketing e o fenómeno do comportamento do consumidor (Maclaran, 2012). Dada a importância do género em marketing e na pesquisa do comportamento do consumidor, as perspetivas feministas tornam-se muito importantes na teoria da pesquisa do comportamento do consumidor. As descobertas feministas sobre as influências da identidade de género nos consumidores enriqueceram a pesquisa do comportamento do consumidor e o estudo da evolução da representação da identidade de género na publicidade bem como a forma como esta afeta o processamento de informação pelos

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consumidores (Gilly, 1988). O ativismo feminino começou a alterar o entendimento sobre o género e o consumo até a altura (Catterall et al., 2006).

Stern (1992), Bristor e Fischer (1993) e Hirschman (1993), foram os primeiros a ter em conta as perspetivas feministas na pesquisa do consumidor. Stern (1992) aplicou a teoria literária feminista à interpretação das campanhas/anúncios publicitários. Fischer e Bristor (1994) argumentaram que o discurso associado à relação entre comerciante e consumidor era paralela a noções de sedução e patriarcado entre o homem e a mulher. Hirschman (1993) examinou a ideologia articulada em artigos publicados entre 1980 e 1990 e concluiu que a ideologia dominante era a masculina.

Na indústria da publicidade, o feminismo e a feminilidade entram em variadas estratégias para atraírem inúmeros públicos-alvo. Desde o início de 1970, os publicitários têm tentado conectar o valor e o significado da emancipação feminina nos seus produtos (Goldman, 1991). O relacionamento entre o feminismo e marketing pode ser ilustrado pela campanha publicitária de Edward Bernays que usou o empowerment feminino para encorajar as mulheres a fumar (ver figura 7). Empregado pela empresa de cigarros Lucky Strike em 1928 para expandir as suas vendas, Bernays procurou superar um enorme tabu social do tempo que só permitia que as mulheres fumassem em espaços privados. Bernays consultou um psicanalista, o Dr. Brill, que aconselhou que, tendo em conta que os cigarros eram exclusivamente associados ao sexo masculino, estes deveriam ser vistos como "tochas de liberdade" para as mulheres. O objetivo de Barneys era conectar o cigarro aos sentimentos de independência feminina, desafiando o poder masculino. Desta forma, conseguiriam atingir as mulheres e consequentemente aumentar as vendas. Bernays persuadiu um grupo de debutantes para acenderem os cigarros durante o desfile de Páscoa de 1929 em New York City, garantindo a máxima publicidade para o evento que alcançou cobertura de notícias difundido através dos EUA, sob o título: Tochas da Liberdade. Esta campanha altamente bem-sucedida é vista como tendo um efeito duradouro sobre as mulheres fumadoras e sobre futuras campanhas publicitárias (Maclaran, 2012).

Em muitos aspetos, esta campanha está no centro dos debates entre feminismo e o marketing: é a exploração ou empowerment? Esta questão tem também gerado argumentos de longa data sobre o papel do marketing na causa do feminismo (Maclaran, 2012).

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O feminismo ocidental está dividido em três períodos (Whelehan, 1995; McRobbie, 2009): primeira – onda do feminismo que remete para 1840 (Hewitt, 2010); segunda – onda do feminismo a partir de 1960 até 1980 (Whelehan, 1995); a terceira – onda do feminismo desde 1990 (Levy, 2005). A primeira-onda surgiu através do movimento sufragista e os principais objetivos baseavam-se no direito ao voto e nos direitos de propriedade (McQuiston, 1997). A segunda onda focou-se essencialmente nos direitos materiais como o pagamento igualitário entre homens e mulheres (Faludi, 2006). A terceira onda do feminismo procurou corrigir as falhas das irmãs de primeira e segunda onda e as visões essencialistas de feminilidade (Bristor e Fischer, 1995)

As atitudes das mulheres face à publicidade parecem estar relacionadas com as mudanças ocorridas no feminismo (Maclaran, 2012). A segunda onda do feminismo critica fortemente a forma como a mulher é representada na cultura visual. A publicidade foi um tema predominante do período (Williamson, 1978; Winship, 1980). As feministas durante a última parte da década de 60 e ao longo dos anos 70 e 90 contestaram o mercado como um sistema patriarcal que se baseava na manipulação e no controle ideológico. Foi durante a segunda onda do feminismo que foi introduzida a noção de que o sexo e o género são entidades conceitualmente separadas. As feministas defenderam que não se nasce mulher, torna-se mulher (Maclaran, 2012).

Figura 7- Lucky Strike, 1928.

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A partir de 1970, as feministas e outros críticos contestaram contra as representações das mulheres na publicidade (Pollay, 1986; Aaker e Bruzzone, 1985). Entre os principais problemas estavam falhas em refletir as mudanças dos papéis das mulheres na publicidade, a não representação das mesmas no campo profissional e os retratos irrealistas (Tuchman, 1979) como a mulher doméstica feliz, incompetente (Courtney e Whiphelle, 1983; Ferguson, Kreskel e Tinkham, 1990) e objeto sexual (Boddewyn, 1991). Os profissionais de marketing foram acusados de manipular a consumidora feminina ao promover imagens publicitárias estereotipadas que contribuíam para relações de poder desequilibradas entre homens e mulheres (Catterall et al., 2010).

Friedan, ativista feminina do séc.XX, criticou os profissionais e as atividades de marketing. Ela centrou-se na família como uma estrutura patriarcal chave que confinava e controlava as mulheres através da domesticidade. Friedan olhava para os publicitários e profissionais de marketing como sendo cúmplices desta domesticidade ao perpetuarem estereótipos negativos de mulheres onde glorificavam o papel de dona de casa para garantir a continuidade da escravidão das mesmas ao consumismo (Maclaran, 2012). Em 1966, foi fundada por Friedan a Organização Nacional para as Mulheres (NOW) e uma das suas principais funções foi organizar um protesto acerca do impacto negativo das imagens publicitárias nas mulheres e o seu retrato limitado (Craig, 1997). Em Agosto de 1970, um grupo de mulheres juntaram-se em Washington para boicotar uma série de marcas de tabaco, líquido da loiça e produtos de higiene feminina devido à forma como estes representavam as mulheres nos anúncios publicitários (Valk, 2008). Esta foi apenas uma das muitas ocorrências do movimento de liberalização da mulher que culminou na aceitação do feminismo pela indústria publicitária (Blloshmi, 2013).

De maneira a corrigir o fosso cada vez maior entre a visão do mundo predominantemente masculina e as expectativas dos consumidores que eram maioritariamente mulheres, começaram a surgir as primeiras campanhas feministas (Mort, 2006). Estas incorporavam ideais feministas, abandonando métodos mais tradicionais de segmentação, e promoviam imagens de estilos de vida idealizados que prometiam uma vida melhor a uma sociedade cada vez mais consumista (Catterall et al., 2010). Com o aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho, nomeadamente na indústria da publicidade, muitas aliaram-se à causa feminista e começaram a trazer a sua influência para dentro das agências de publicidade. Os

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publicitários começaram a reconhecer que negligenciaram o seu principal público-alvo (mulheres de classe média) e novos tipos de imagens, lentamente, começaram a infiltrar-se na publicidade (Maclaran, 2012). Em finais de 1970 até finais de 1980, os publicitários reconheceram as mudanças sociais e capturaram as mulheres em papéis mais igualitários e começaram a incorporar regularmente muitos temas de libertação e de empowerment que ainda prevalecem nos dias de hoje (Betterton, 1987). Como exemplo temos as campanhas da Viriginia Slims. Phillip Morris lançou uma campanha para vender Virginia Slims, uma nova marca de cigarros destinados às mulheres, um produto novo direcionado unicamente ao sexo feminino (Rosen, 2013). A esta nova marca aliou-se um forte slogan: “We’ve come a long way baby. Virginia Slims... at least a cigarrette we call our own” (Talbot, 2000, p.180). A empresa promoveu a mensagem em outdoors por todo o país e colocou-a em anúncios de televisão que mostravam mulheres do início do século XX a serem punidas por fumar. Durante toda a campanha, o tabagismo foi igualado a um conjunto de características que tinham como objetivo capturar e a seduzir a essência de mulheres nesta nova era de igualdade – independência, glamour e libertação (Rosen, 2013) (ver figura 8).

Figura 8- Lucky Strike; "You've come a long way, baby", 1960.

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A Nike constitui um excelente exemplo uma vez que começou a atingir mulheres em finais de 1980 assumindo essa posição de pós-feminismo (Catterall et al., 2010). A campanha “Just Do It” teve como objetivo atingir mulheres orientadas para os valores feministas e desempenhou um papel crucial no sentido de incentivar as mulheres a serem mais ativas fisicamente (Scott, 1992). Representando o desporto como um fator emancipador para a mulher, a Nike referiu-se à atleta feminina como determinada e comprometida (Goldman e Papson, 1998). Esta visão foi recebida com ceticismo por muitas feministas (Catterall et al., 2010).

A terceira onda é caracterizada pela reconciliação do feminismo e do consumo, uma reconciliação que liga o empowerment da expressividade sexual e poder de compra (Maclaran, 2012). Abraça a sexualidade que é vista como um sinal de poder. Separa o homem da mulher e vê a mulher como o sexo dominante (Paglia, 1992). Esta onda defende as mulheres como fortes, sexuais e poderosas, capazes de se tornarem naquilo que quiserem. A mulher fica menos ofendida com representação da mesma como objeto sexual na publicidade (Ford et al., 1991). Há um casamento entre feminismo e feminilidade (Goldman, 1991). A sexualidade feminina é agora exibida como uma forma de poder feminino. Gill (2003) refere uma nova sexualização das mulheres na cultura contemporânea e nos meios de comunicação em que as mulheres passam da posição de objetificação sexual para subjetificação sexual. Em vez de estas serem vistas como objetos sexuais passivos para homens, as mulheres passam a ser representadas como sexualmente autónomas, ativas e desejadas (Gill, 2003). Esta mudança implica um novo significado do terreno sexual em que o termo exploração é agora entendido como empowerment para as mesmas. Esta sexualização das imagens nos media segue a lógica do post-feminism ou pós-feminismo que defende que toda a mulher é livre de fazer com o seu corpo aquilo que bem entender (Wolf, 1993).

Tudo desde vestidos a sapatos passa a ser visto como empowering para as mulheres. Surgiram as flappers, primeiras mulheres a mostrar as pernas, cortar o cabelo curto, entrar em bares para fumar ou beber e conduzir (Maclaran, 2012). Isto tornou-se quase omnipresente nas sociedades desenvolvidas e foi entendido como momento pós- feminista, em que as mulheres são convidadas a comprar tudo desde soutiens a cafés como sinais de seu poder e independência. A mudança deu-se sobretudo através do discurso de girl power (Kacen, 2000).

O sexismo e os estereótipos de género na publicidade receberam muita atenção em 1970 e 1980 e constituem ainda hoje um tema crítico das feministas (Falkner, 2000).

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Atualmente a sociedade reconsidera o feminismo e novas discussões emergem sobre a sexualização de jovens mulheres (Jeffries 2013).