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4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

4.2 Genuinidade das preocupações éticas da marca

Apesar de, tal como referido anteriormente, o femvertising conseguir estabelecer uma ligação emocional entre a marca e os consumidores, há algumas especificidades que precisam ser tidas em conta quando as marcas adotam esta estratégia.

Nas campanhas analisadas, as marcas foram acusadas por alguns consumidores de não estarem completamente envolvidas no movimento da emancipação da mulher e de não serem genuínas em relação à mensagem que estão a tentar transmitir. Este ponto de vista já foi discutido na literatura por Stampler (2014) que constatou que a prática do

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femvertising é vista por alguns críticos como uma forma fácil de vender mais produtos de beleza para as consumidoras. Para analisar o que foi defendido por Stampler (2014), foi identificada a categoria “Capitalização da tendência”.

A campanha da Always e a campanha da Dove foram as campanhas que registaram um maior número de referências codificadas na categoria “Capitalização da tendência”. Para os consumidores, a campanha da Always tem como único objetivo aumentar a venda de produtos higiénicos às mulheres questionando a autenticidade das preocupações éticas da marca tal como é possível verificar pelo comentário: “I find this quite suspicious. Why would a corporation care how girls are viewed, isn't it the money that's important? I don't find this genuine at all” (A:1:Capitalização da tendência).

Na campanha B, que corresponde à campanha da Dove, dos 1023 comentários extraídos pelo Ncapture, foram codificadas 35 referências na categoria “Capitalização da tendência”, registando-se assim o maior número de referências codificadas na mesma em comparação com as restantes campanhas. Esta discrepância em relação às outras campanhas é retratada na figura 17 e pode ter explicação assente no facto de a Dove ser pioneira nos anúncios publicitários pro-mulher, com a campanha “Real Beauty”, o que a torna mais vulnerável às críticas por parte dos consumidores. Estes acusam a marca de utilizar o fenómeno do femvertising para aumentar os lucros, e tal como na campanha A, vender mais produtos de beleza às mulheres: “The part that really makes me sad... is the real agenda of this video and it is not about creating an awareness... but more like a market attempt to get women to subconsciously prefer Dove products.” (B:8:Capitalização da tendência). Muitos consumidores também questionaram o verdadeiro posicionamento da marca devido ao facto de esta pertencer à mesma empresa da Axe, a Univeler. Os produtos Axe são publicitados muitas vezes através da hipersexualização das mulheres. Esta diferença entre as mensagens da Dove e da Axe, apesar de pertencerem à mesma empresa, faz com que os consumidores duvidem da genuinidade das campanhas da Dove alegando que esta apenas capitaliza as tendências que vão agradar ao seu público-alvo que são as mulheres. Neste caso, a Axe utiliza a hipersexualização das mulheres para agradar ao seu público-alvo que é maioritariamente do sexo masculino enquanto que a Dove utiliza o empowerment feminino para agradar ao seu público-alvo que são as mulheres. Esta ligação à Axe fez com que os consumidores questionassem a verdadeira intenção da marca tal como é possível verificar no comentário: “Anyone else think that Dove is only using these as a backdrop for selling soap? I mean their Parent Corporation, Unilever, owns the Axe brand as

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well, and Axe commercials are almost the opposite of these. I think that the issue of having a good body image is important for everyone. There should be more videos with the same message as this one, but when companies capitalize on the way people think of themselves, it makes me sad.” (B:7:Capitalização da tendência).

As campanhas da Gillette Venus e da Pantene são as que menos referências têm codificadas na categoria “Capitalização da tendência” com apenas 9 e 2 referências respetivamente. Apesar de também serem acusadas de utilizar a emancipação feminina em nome de uma marca corporativa, as críticas às campanhas da Pantene e da Gillette Venus centraram-se noutras categorias. A campanha da Gillette Venus sendo a mais bem-sucedida em estabelecer uma conexão emocional com o consumidor justifica o facto de ser uma das campanhas menos acusadas de capitalizar a tendência do femvertising.

Figura 17- Frequência das referências para a categoria “Capitalização da tendência” nas quatro campanhas.

Fonte: Nvivo output.

Seguindo a lógica dos resultados da análise de conteúdo dos comentários do Youtube, foi questionado aos entrevistados no focus group acerca da autenticidade das marcas no que toca à defesa da igualdade de género. Logo no início da discussão os entrevistados atribuíram o aumento do empowerment feminino na publicidade ao facto

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do feminismo ser um tema cada vez mais divulgado por celebridades, de haver uma maior pressão por parte das mulheres no que toca à igualdade de género e referiram também a questão da conveniência por parte das marcas no que toca ao aumento das vendas. Apesar da dificuldade em avaliar ao autenticidade das campanhas analisadas, todos concordaram que a campanha da Gillette Venus, contrariamente ao apurado na análise de conteúdo do focus group, era a campanha que parecia menos genuína na sua luta pela igualdade de género devido à pouca relação da mensagem transmitida com o produto vendido pela marca. Este descontentamento foi justificado pelos participantes do focus group: “A campanha da Gillette Venus é a campanha menos genuína para mim. É uma campanha estranha. Estão constantemente a filmar as pernas da atriz. A Gillette não deveria ter usado o slogan dos “rótulos” quando a depilação é um “rótulo” imposto às mulheres.” (Entrevistado 2).

Os entrevistados realçaram a importância da igualdade de género na política de funcionamento das empresas que adotam este tipo de campanhas publicitárias pró- mulher: “Não sou contra uma campanha que tenha o objetivo da responsabilidade social e ao mesmo tempo vender. A questão que se impõe é: quais são os valores dentro da empresa? As mulheres são pagas de forma igualitária em relação aos homens? Essa é a verdadeira questão.” (Entrevistado 1). Apesar das críticas dos entrevistados, todos concordaram que não há nada de errado com uma campanha que tenha apenas como objetivo a venda de mais produtos às mulheres, desde que ao mesmo tempo impacte positivamente a sociedade.

Existem prós e contras ligados a este tipo de campanhas nomeadamente aspetos éticos que as empresas têm de ter em conta ao adotar esta tendência. Fineman (2014) defendeu a importância de tentar combater os estereótipos de género e o sexismo na publicidade, no entanto alertou para os riscos que o femvertising pode causar nas empresas se estas não forem genuínas em relação ao problema e adotarem o empowerment na publicidade com o único objetivo de vender mais produtos. O problema da genuinidade das preocupações éticas das empresas no que toca à igualdade de género surgiu em meados de 1928 quando Edward Bernays associou o cigarro à tocha da liberdade das mulheres de forma a gerar mais lucros para a empresa. Esta campanha, tal como foi referido na revisão de literatura, foi altamente bem-sucedida e influenciou outras campanhas publicitárias. Foi também responsável por iniciar o debate sobre o papel do marketing na igualdade de género bem como a genuinidade das

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preocupações éticas por parte das marcas relativamente à representação da mulher na publicidade.

Tal como foi mencionado no focus group, este tipo de campanhas não faz com que os consumidores se esqueçam das complicações éticas que existem nas empresas no que toca à igualdade salarial entre homens e mulheres. Os consumidores apelam para que as marcas olhem além de vídeos virais com ideais de igualdade e comecem a criar produtos e empresas com princípios de igualdade no que toca a práticas de contratação e igualdade salarial para assim contribuírem significativamente para uma mudança real na sociedade. Na análise de conteúdo dos comentários do Youtube foi possível verificar que, para alguns consumidores, estas campanhas não são eficazes no que toca à quebra dos estereótipos de género e que a igualdade de género não é alcançada através do consumo. As marcas são acusadas de destacarem as inseguranças e as desigualdades longe de as resolver, usando-as apenas para provocar uma resposta emocional e conseguir vender mais produtos. Qualquer marca que seja inautêntica na sua defesa da igualdade de género não irá conseguir envolver e fidelizar os consumidores.

Por outro lado, e apesar dos consumidores defenderem um falso ativismo das empresas no que toca à igualdade de género, muitos consideram que estas aumentaram a consciência da necessidade de uma mudança das representações de género na publicidade, mesmo que o grande objetivo passe por vender produtos.

Concluindo, é necessário que as marcas desenvolvam mensagens que estejam em acordo com a marca e com os valores da mesma e que a política da empresa reflita essa mesma mensagem. Seria também compensador para as marcas desenvolverem atividades para além das campanhas que confirmem o compromisso da marca com a igualdade de género. Desta forma, as campanhas vão envolver um maior número de consumidores em torno da marca.