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2.3. Contributos prévios para a metodologia do design

2.3.1. Métodos de design

Asimow

A primeira publicação sobre métodos de design de que há registo é a de Asimow (Asi- mow, 1962). Encontra-se numa monografia de introdução ao design, num capítulo de- nominado Morphology of design. A abordagem de Asimow (Figura 5), apesar de pro- fundamente descritiva, tem intenções declaradamente prescritivas (como pode ser verificado pela citação na introdução a este capítulo).

O método de Asimow é orientado para o design de produto, e tem a particulari- dade de ser construído em torno do ciclo de vida do produto. Este método consiste numa sequência de tarefas que começa com a definição de necessidades, seguida de dois blocos de tarefas: a fase do design preliminar (representada a amarelo na Figura 5, pág. 82) e a fase relacionada com o ciclo de produção e consumo do produto (represen- tada a azul na mesma figura). O primeiro bloco de tarefas (a fase de design preliminar) começa com o estudo de viabilidade, ao que se segue o design preliminar e o design de- talhado. O segundo bloco de tarefas consiste nas várias fases de planeamento para cada fase do ciclo de vida do produto.

Figura 6: Fluxogramas detalhados de todos os processos do método de Asimow (adaptado de Asimow, 1962)

O método de Asimow tem a particularidade de se apresentar como uma planifi- cação extremamente detalhada de todo o processo de projeto e desenvolvimento de um produto. Asimow vai ao ponto de descrever, através de fluxogramas detalhados, todos os inputs, processos e decisões para cada uma das fases (Figura 6). Verifica-se, no en- tanto, que a criação de conceitos (que se pode encontrar na fase inicial do estudo de via-

Valid ? Plausible? Pay ? Relevant ? Possible ? Money ? Market info Tech info Tech knowledge Finance factors Creative talent Economic factors Needs analysis Design concepts Economic analysis System identification Physical analysis Financial analysis Desired outputs Alternative solutions Worth while solutions Eng. statement of problem Realizable solutions Set of Useful solutions Step 1

Step 2: Design problem

Step 3: Synthesis

Step 5: Economic worth Step 4: Physical realizability

Step 6: Financial feasibility

Decision Info source Process

Iterative or feedback loop Outcome Phase I Feasibility Study Best ? Which ? Stable ? Time ? Work ? Valid ? Fit ? Best ? Perform ? Better ? Experience & techn. Eng. science Tech info Math Math Experience Math analysis Math & test Trends Math & test Selection of design concept Sensitivity analysis Stability analysis Projection into future Testing Mathematical archetypes Compatibility analysis Optimization Prediction of behavior Simplification Tentative selection Sensitive parameters Adjusted for stability Behavior over time Test results Analytical formulation Adjusted parameters Optimum Expected performance Accepted proposal Step 1 Step 2 Step 3 Step 5 Step 7 Step 9 Step 4 Step 6 Step 8 Step 10 Valid ? Good ? Fit ? Does it work? Better ? Good ? Good ? Producible ? Good ? Experience Techn. knowledge Techn. knowledge Shop Math Techn. knowledge Techn. exper Lab Techn. knowledge Preparation for design Description of components Assembly drawings Product test program Redesign Description of subsystems Description of parts Experimental construction Analysis & prediction Budget & organization Component concepts Complete descriptions Test data Improved design Subsystems concepts Specifications and drawings Prototype Detect flaws Step 1 Step 2 Step 3 Step 5 Step 7 Step 9 Step 4 Step 6 Step 8 Phase II

bilidade) é atribuída a uma única fonte de informação, designada por Creative talent (círculo contornado a vermelho na Figura 7).

Figura 7: Detalhe da fase inicial de estudo de viabilidade do modelo de Asimow (adaptado de Asimow, 1962)

Valid ? Plausible? Pay ? Relevant ? Possible ? Money ? Market info Tech info Tech knowledge Finance factors Creative talent Economic factors Needs analysis Design concepts Economic analysis System identification Physical analysis Financial analysis Desired outputs Alternative solutions Worth while solutions Eng. statement of problem Realizable solutions Set of Useful solutions Step 1

Step 2: Design problem

Step 3: Synthesis

Step 5: Economic worth Step 4: Physical realizability

Step 6: Financial feasibility

Phase I

Este método é um caso paradigmático na metodologia do design dos anos 1960, não só por constituir a primeira contribuição metodológica prescritiva formal, mas também por evidenciar as características metodológicas de uma visão positivista do pro- cesso de design, e por encapsular o "talento criativo" num simples passo discreto e desa- coplado de todos os restantes elementos intervenientes.

Archer

Quase em simultâneo com a publicação de Asimow, Bruce Archer apresentou um mode- lo também inspirado no método científico e na decomposição caracterizada pela aborda- gem análise/síntese (Archer, 1984).

Figura 8: Método de Archer (adaptado de Maldonado & Bonsiepe, 1964).

O modelo de Archer consiste em três etapas: analítica, criativa e executiva. Estas etapas dividem-se nas seguintes fases:

1. Programação / definição do problema

2. Recolha de dados e especificação de requisitos (que pode realimentar a fase anterior)

Fase analítica Observação

Medição Raciocínio indutivo

Fase executiva Descrição

Tradução Transmissão

Fase criativa Avaliação

Juízo Raciocínio dedutivo Programação Recolha de dados Análise Síntese Desenvolvimento Comunicação Treino Experiência Briefing Solução

3. Análise e síntese dos dados para desenvolver soluções 4. Desenvolvimento de protótipos

5. Desenvolvimentos de estudos que validem as soluções 6. Preparação de especificações para produção

Archer sublinha que esta estrutura é indicativa, e que na prática as etapas se so- brepõem, e que os resultados de umas podem realimentar outras.

Mesarovic

Mesarovic, professor de engenharia e de matemática, considerado um dos pioneiros da teoria dos sistemas, desenvolveu em 1964 um modelo do processo de design que é de certa forma uma abordagem sistémica, e ao mesmo tempo consiste num ponto de vista das teorias de resolução de problemas (Watts, 1966).

O objetivo de Mesarovic terá sido o de desenvolver um modelo matemático, que considera uma relação dinâmica entre o designer (∆) e o meio envolvente (E), que contém todo o espectro de conhecimento científico e tecnológico. Face a uma necessi- dade expressa, o designer repete um processo cíclico de análise, síntese e avaliação, no sentido de produzir uma ideia cada vez mais concreta.

O modelo de Mesarovic é fundamentalmente equivalente ao modelo de Asimow, excepto que a representação sugere um movimento contínuo em espiral (o que pode in- duzir uma interpretação errada, visto que o ciclo pode ser iterado sem que haja avanço para o nível seguinte).

Alexander

Um dos pioneiros dos métodos de design, e autor daquela que pode ser considerada a obra mais influente dentro deste domínio, Christopher Alexander (Alexander, 1964) foi desde sempre claro no seu intuito de racionalizar o processo projetual, falando de forma explícita na "necessidade de racionalidade" (subtítulo da introdução do seu próprio li- vro) e na necessidade de uma abordagem cartesiana à metodologia projetual, chegando ao ponto de citar Platão em epígrafe à sua obra:

First, the taking in of catered particulars under one Idea, so that everyone understands what is being talked about ... Second, the separation of the Idea into parts, by dividing it at the joints, as nature directs, not breaking any limb in

half as a bad carver might.24

Alexander concebeu o processo de design como a procura de um equilíbrio entre a forma e o contexto onde esta se insere. Segundo a metodologia que desenvolve em “Notes on the Synthesis of Form”, o trabalho do designer começa por identificar as va- riáveis “inadequadas” (misfit variables), que se configuram como vectores ou linhas de tensão entre requisitos contraditórios (por exemplo, viabilidade económica versus per-

24. Phaedrus, 265D, citado por Alexander (1964). Manteve-se aqui a referência original para que o compromisso de Alexander com estes princípios epistemológicos possa ser devidamente apreciado.

formance). O artefacto ou produto do design constitui a forma (i.e., o objecto da ação do designer) enquanto que o contexto é o conjunto de contingências exteriores que estão fora do controlo do designer:

The ultimate object of design is form.

(…) every design problem begins with an effort to achieve fitness between two entities: the form in question and its context. The form is the solution to the problem.

Alexander, 1964, p. 15

The form is a part of the world over which we have control, and which we decide to shape while leaving the rest of the world as it is. The context is that part of the world which puts demands on this form; anything in the world that makes demands of the form is context. Fitness is a relation of mutual acceptability between these two. In a problem of design we want to satisfy the mutual demands which the two make on one another. We want to put the context and the form into effortless contact or frictionless coexistence.

Alexander, 1964, pp. 18-19

A acção do designer assume-se como a imposição de um processo de adaptação da forma ao contexto, tendendo para uma espécie de equilíbrio ideal último entre am- bos. Alexander ressalva que esta adaptação é mútua, requerendo alguma forma de “cumplicidade” do próprio contexto:

(...) The basic principle of adaptation depends on the simple fact that the process toward equilibrium is irreversible. Misfit provides an incentive to change; good fit provides none. In theory the process is eventually bound to reach the equilibrium of wellfitting forms.

Alexander, 1964, p. 50

O trabalho de Alexander é particularmente interessante para o presente estudo por não se limitar a objetivos operacionais do método projetual, levando a sua análise a considerar a complexidade e a natureza eminentemente sistémica dos problemas de de-

ferentes magnitudes da criatividade já aqui abordado (cf. pág.32), estabelecendo duas categorias de processos projetuais: selfconscious e unselfconscious. Estas categorias são determinadas pela cultura da sociedade em que o indivíduo se insere, que se reflete na abordagem à atividade projetual e na forma como o conhecimento do domínio do de- sign25 gerado é criado e utilizado pelo próprio domínio.

Nas sociedades unselfconscious não existe uma presença consciente da ideia do design ou da arquitetura como domínios culturais em si mesmos. Existem tradições e formas “certas” ou “erradas” de fazer as coisas, de acordo com essas tradições, mas não há qualquer informação escrita sobre o assunto. Não há troca de conhecimento com ou- tras culturas, e não há registo algum (nem sequer diagramas ou desenhos de projetos an- teriores) que possa servir para acelerar a aprendizagem sobre o domínio e cada geração repete a mesma aprendizagem sem que haja qualquer avanço ou mudança de paradigma. Não existe a profissão de arquiteto ou de designer (nem há a perceção de que tal possa ter algum valor) e cada um constrói a sua própria casa, de acordo com a tradição. Desta forma, as probabilidades de que seja introduzida alguma variabilidade no processo pro- jetual são escassas. A tradição e o taboo guiam a praxis (Alexander, 1964, pp. 33-34), não há espaço para dúvidas ou para criatividade. E como também não há conhecimento de práticas de outras culturas, também não existem termos de comparação.

A outra categoria corresponde à sociedade em que vivemos. Esta é selfconscious porque existe a consciência do conceito de arquitetura, de design, e de atividade proje- tual. Existem profissionais e instituições, e o conhecimento produzido dentro deste domínio é partilhado através da aprendizagem e através de informação deliberadamente fixada para a posteridade (em linguagem escrita e em imagens). Existe também a parti- lha de informação com outras culturas, que permite a integração de ideias novas.

25. E da arquitetura. Os principais exemplos fornecidos por Alexander são provenientes da arquitetura, mas o seu trabalho é generalizável a todo o tipo de atividade projetual.

Figura 10: Os três processos de design possíveis, segundo Alexander (1964:76)

Partindo destas categorias, Alexander apresenta três modelos do processo de de- sign (Figura 10). Dois desses modelos têm correspondência direta com as categorias un-

selfconscious e selfconscious. O terceiro modelo é a proposta de Alexander, que consiste

numa alteração ao modelo selfconscious, recorrendo a uma representação exterior da imagem mental.

O processo unselfconscious consiste simplesmente na interação entre o designer e o mundo real. O designer não é propriamente um designer, uma vez que aje de forma reativa, adequando as variáveis como pode, mas sem impor um conceito sobre a forma. O processo selfconscious implica a criação de uma imagem mental do problema (C2), e Alexander afirma que esta imagem mental introduz um elemento problemático porque, ao contrário do processo unselfconscious em que o indivíduo atua diretamente sobre o mundo real, o designer selfconscious atua numa imagem mental — e há a possibilidade (e elevada probabilidade) de que a imagem mental não corresponda ao mundo real. Para minorar os efeitos desta discrepância, Alexander apresenta o terceiro modelo, em que a imagem mental do contexto (C2) é traduzida numa representação matemática (C3, ba- seada na teoria dos conjuntos), e a forma (F2) é precedida de uma representação formal (F3) da imagem mental.

Munari

Munari apresentou em 1968 o seu próprio modelo (Figura 11, pág. 92) na sua obra “De- sign e comunicação visual” (Munari, 2006). Este é um modelo muito linear e de cariz empírico, em que são evidenciados fatores muito práticos do design industrial, tais como imposições legais, restrições de tempo e de orçamento, adequação cultural do pro- duto ao mercado, ou ainda a disponibilidade de ferramentas e materiais adequados. Tal como em todos os outros modelos do processo de design, este modelo apresenta a “Criatividade” como uma caixa negra.

Broadbent

Uma das abordagens metodológicas mais abrangentes foi desenvolvida por Geoffrey Broadbent (Broadbent, 1973). O método de Broadbent foi concebido especificamente para o domínio da arquitetura e consiste em quatro tipos de abordagem projetual que formam uma taxonomia à qual o autor chegou no seguimento de um estudo da história da arquitetura e de uma análise das possíveis técnicas geradoras das soluções projetuais analisadas. O método de Broadbent está assim profundamente enraizado numa análise empírica que evidencia alguma falta de estrutura epistemológica, mas não deixa de ser útil e até aplicável em outros domínios da atividade projetual para além da arquitetura (Lawson, 2001, pp. 208-210). O método de Broadbent consiste em quatro técnicas gera- doras a que o autor chama pragmática, icónica, analógica e canónica.

O design pragmático será simplesmente a abordagem que recorre à utilização de métodos e materiais disponíveis, sem qualquer tipo de inovação. Este é o princípio da "cartilha", em que se preconizam práticas estabelecidas. É um método conservador, que segue as tradições estabelecidas, e como tal é uma abordagem de baixo risco. Por outro lado, é uma abordagem que nunca produz resultados inovadores e que muito difi- cilmente contribuirá para o avanço do domínio projetual em que é aplicada. Esta técnica é reminiscente do processo unselfconscious postulado por Alexander (1964).

O design icónico é uma abordagem ainda mais conservadora, que coloca o de- signer não só a aplicar fórmulas estabelecidas, mas até a copiar as soluções já existentes que são consideradas icónicas nesse domínio. Broadbent não identifica quem estabele- cerá este critério. Esta é uma omissão que já foi caracterizada como semelhante à omissão que o peixe faz em relação à água: o contexto em que estamos imersos é para nós invisível. Será no entanto evidente, no quadro do modelo sistémico da criatividade de Csikszentmihalyi (Csikszentmihalyi, 2006), que quem estabelece este critério são os agentes que constituem o "campo". Lawson refere que esta abordagem apresenta a van- tagem de que as soluções já existentes já foram copiosamente testadas, evitando-se as- sim erros elementares (Lawson, 2001, p. 209). Por outro lado, o inverso também pode ocorrer e perpetuar-se um erro. Também esta abordagem é semelhante ao processo un-

O design canónico é uma abordagem diferente, que não recorre a soluções com- pletas, mas sim a normas (tais como sistemas de proporções e grelhas) e metodologias já estabelecidas. Esta abordagem é notória, por exemplo, na arquitetura renascentista e na arquitetura modernista.

O design analógico é a abordagem mais interessante para o presente estudo, porque está relacionada com o exercício da analogia como técnica criativa. Funciona es- tabelecendo um paralelo entre o problema que se pretende resolver e outros campos e contextos. Uma fonte extremamente fértil de analogias é sem dúvida a natureza, onde se encontram formas orgânicas que têm vindo a ser utilizadas desde sempre como fonte de inspiração para as formas criadas pelo Homem.

Broadbent foi o primeiro a sugerir que, de entre as técnicas que propõe, a técnica baseada na analogia seja a mais promissora. Broadbent levanta ainda a questão muito pertinente de que, para além da utilização das técnicas em si mesmas, estas podem ser- vir para chegar a uma conclusão ou para gerar alternativas a ser combinadas entre si. A este respeito, Lawson (Lawson, 2001, p. 213) comenta que designers considerados bem sucedidos utilizam ambas as estratégias.