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Em estudos sobre cenários de investigação e ambientes de aprendizagem, Skovsmose (2010) faz referência aos estudos de Tony Cotton22. Em suas observações de salas de aula, Cotton (1998) identificou que a aula de Matemática é dividida em duas partes: na primeira parte, o professor expõe suas ideias e técnicas referentes à disciplina; refere-se, portanto, à exposição do conteúdo. Na segunda parte, os alunos trabalham com os exercícios propostos. Cotton (1998), também explicita que algumas aulas são expositivas, e em outras os alunos passam grande parte da aula, envolvidos com a resolução dos exercícios. O autor também salienta que, como condição tradicional, configura-se o livro didático.

Nesse contexto, Skovsmose (2010) considera que a Educação Matemática se enquadra no paradigma do exercício, que possui a premissa central de que existe uma, e somente uma, resposta correta para questões, desafios e problemas. No entanto, contrapondo-se a esse paradigma, o autor propõe uma abordagem de investigação que se relaciona com a educação matemática crítica, no desenvolvimento da materacia.

Esse modo de pensar relaciona-se com a literacia do educador Paulo Freire. Para Skovsmose (2010) “a materacia não se refere apenas às habilidades matemáticas, mas também à competência de interpretar e agir numa situação social e política estruturada pela matemática” (p. 16). Nesse contexto, o autor considera que a educação matemática crítica deve ter uma dimensão democrática “implicando que as microssociedades de salas de aulas de matemática devem também mostrar aspectos de democracia” (SKOVSMOSE, 2010, p. 16).

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COTTON, T. Towards a mathematics education for social justice. Tese (Doutorado), Nottingham University. Nottingham, 1998.

O autor considera que as práticas de sala de aula, baseadas em um cenário para investigação, são aquelas em que o professor convida os alunos a fazerem investigações, explorar, formular questões e tirar conclusões. Quando o convite é aceito pelos alunos, estes se engajam no processo de exploração, passam a ser os responsáveis pelo processo e, desse modo, instaura-se um cenário para investigação.

Portanto, o professor desempenha um papel fundamental nesse processo, considerando que uma mesma situação pode ser desenvolvida tanto por meio do paradigma do exercício como pela da investigação, cabendo a ele mediar essa situação de aprendizagem. No entanto, o autor ressalta que um mesmo cenário de investigação pode não dar suporte para um outro grupo de alunos, mas esta situação só pode ser respondida através da prática das interações de sala de aula que envolve professores e alunos.

Nesse cenário de investigação, Skovsmose (2010) considera que existe distinção nas práticas de sala de aula, baseado em investigação e exercício, e considera que “a distinção entre elas tem a ver com as referências que visam levar os estudantes a produzir significados para atividades e conceitos matemáticos” (SKOVSMOSE, 2010, p. 22). Desse modo, o autor considera que existem diferentes tipos de referência

Primeiro, questões e atividades matemáticas podem se referir à matemática e somente a ela. Segundo, é possível se referir a uma semirrealidade – não se trata de uma realidade que de fato observamos, mas de uma realidade construída, por exemplo, por um autor de um livro didático de matemática. Finalmente, alunos e professores podem trabalhar tarefas com referências a situações da vida real. (SKOVSMOSE, 2010, p. 22)

Para esse autor ao combinar a distinção entre os dois paradigmas de práticas de sala de aula (exercícios e cenários para investigação), com os três tipos de referência (referências à matemática pura; referência à semirrealidade e referência à realidade), é possível obter uma matriz com seis tipos diferentes de ambientes de aprendizagem.

Quadro 2. Ambientes de aprendizagem

Exercícios Cenário para Investigação

Referências à Matemática pura (1) (2) Referências à semirrealidade (3) (4) Referências à realidade (5) (6) Fonte: (Skovsmose, 2010, p. 23).

Os ambientes (1), (3) e (5) referem-se ao paradigma do exercício com referência à Matemática pura, à semirrealidade e à realidade, respectivamente. Os ambientes (2), (4) e (6) encontram-se no cenário para investigação. Vamos agora tratar das especificidades de cada um deles.

O ambiente do tipo (1) é caracterizado por exercícios com referência à Matemática pura. Nas atividades propostas predominam exercícios com utilização de fórmulas, cujos enunciados são do tipo, calcule, resolva, efetue.

São exemplos desse ambiente:

1. (12 . 16) + (8 . 15) =

2. (16a + 12b) - (15a + 11b) + 6b =

O ambiente do tipo (2) estabelece um cenário de investigação em torno da Matemática pura. Esse ambiente envolve números e figuras geométricas, o que possibilita que o aluno investigue, argumente, explore. Um exemplo de uma situação nesse ambiente seria: “A partir da figura proposta determine e enumere quantos triângulos e quantos retângulos podemos encontrar”.

O ambiente de aprendizagem (3), envolve exercícios no contexto da semirrealidade. A situação proposta situa-se em torno de uma realidade artificial, portanto uma semi-irrealidade. Um exemplo de uma situação nesse ambiente é a seguinte: Em uma loja 120 carrinhos são vendidos a R$ 5,00 cada um e em outra loja são vendidos 100 carrinhos a R$ 4,00. Em qual loja o preço do carrinho é mais barato? Para resolver essa atividade não é necessário fazer uma pesquisa referente ao preço do carrinho em diferentes lojas, pois se trata de uma situação artificial, na qual os dados podem ser inventados dentro de uma semirrealidade.

No entanto, o autor pondera que trabalhar com exercícios nesse ambiente pressupõe uma convenção entre professor e aluno, entendendo que se trata de uma situação artificial, portanto,

A semi-irrealidade é totalmente descrita pelo texto do exercício; nenhuma outra informação é importante para a resolução do exercício; mais informações são totalmente irrelevantes; o único propósito de apresentar o exercício é resolvê-lo. Uma semirrealidade é um mundo sem impressões dos sentidos [...] de modo que somente as quantidades mensuradas são relevantes. (SKOVSMOSE, 2010, p. 25)

O ambiente de aprendizagem (4) convida os alunos a investigarem, permite explorações e justificativas que podem gerar outras questões e estratégias de solução. Reproduzimos aqui, uma situação que Skovsmose (2010) utiliza para representar esse tipo de ambiente de aprendizagem.

Considerando uma “corrida de grandes cavalos”, a pista de corrida é desenhada na lousa, e dois dados são jogados. De acordo com o valor da soma que sai no dado, marca-se uma cruz.

Figura 4. O terreno da corrida de cavalos

X

X X X

X X X X X X X X

2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

Ao observar a figura, percebemos que a soma 6 é a que aparece mais vezes, em relação às demais, portanto o cavalo 6 é o vencedor, seguido pelos cavalos 7 e 10. O autor sugere uma ampliação dessa atividade, à medida que pode se propor que os alunos se dividam em “duas agências de apostadores organizados na sala de aula, com um outro grupo de alunos controlando cada agência. Um outro grupo de alunos seria o dos jogadores que fazem suas apostas. Nesse contexto, a atividade se desenvolve dentro de uma semi- irrealidade, e embora seja uma situação que possivelmente não faça parte do cotidiano do aluno, este reconhece a sua existência.

O ambiente de aprendizagem (5) faz referencia à realidade, mas com práticas voltadas ao paradigma do exercício. Desse modo os exercícios são baseados na vida real, mas as questões que dele decorrem não são investigativas. Nesse ambiente, podem ser elaboradas atividades que partam de dados da vida real, podem ser utilizadas informações contidas em jornais, folhetos, revistas, sites, utilização de gráficos. Desse modo, nesse ambiente, o professor pode propor para que o aluno colete preços reais de um folheto de um supermercado e, de posse das informações dos preços contidos nesse folheto, calcular o custo unitário de alguns itens. Por exemplo, qual é o preço de um pote de 1 quilo de geleia de morango se o preço de 350 gramas é R$ 6,50?

O ambiente do tipo (6) faz referência à realidade com foco na investigação. Nesse ambiente, as atividades de investigação podem utilizar recursos tecnológicos, como calculadoras, softwares, computador, e materiais manipulativos. Os problemas são relacionados com o cotidiano dos alunos e podem ser propostos como projetos. Nesse ambiente de aprendizagem, o professor pode propor para que os alunos meçam alguns objetos da sala de aula, como a porta, as carteiras, e calculem sua área, seu perímetro. Nessa investigação, o conceito de área torna-se mais real, pois ao medir esses objetos, os conceitos não se restringem apenas aos cálculos envolvidos, mas a objetos reais.

Skovsmose (2010) considera que, tradicionalmente, as aulas de Matemática acontecem no paradigma do exercício, e qualquer cenário de investigação requer desafios para o professor e, desse modo,

A solução não é voltar para a zona de conforto do paradigma do exercício, mas ser hábil para atuar no novo ambiente. A tarefa é tornar possível que alunos e professor sejam capazes de intervir em cooperação dentro da zona de rico, fazendo dessa uma atividade produtiva e não uma experiência ameaçadora, o que muitas vezes pressupõe assumir riscos. (SKOVSMOSE, 2010, p. 37)

As ideias de Pires (2000) relativas à organização do currículo e os critérios para a seleção de conteúdos de Skovsmose (2010), fundamentam nosso trabalho e serviram de base na elaboração das categorias de análise.

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PERSPECTIVA DO CURRÍCULO DE MATEMÁTICA

O tema “Educação de pessoas jovens e adultas” não nos remete a uma questão de especificidade etária, mas, primordialmente, a uma questão de especificidade cultural. Isto é, apesar do corte por idade (jovens e adultos são basicamente “não crianças”), esse território da educação não diz respeito a reflexões e ações educativas dirigidas a qualquer jovem ou adulto, mas delimita um determinado grupo de pessoas relativamente homogêneo no interior da diversidade de grupos culturais da sociedade contemporânea. (OLIVEIRA, 1999:1)

Após apresentarmos alguns aspectos da trajetória da Educação de Jovens e Adultos no Brasil e seus imensos desafios no campo das políticas sociais, discorremos sobre a especificidade no tocante à formação docente e ao ensino de Matemática, levando em conta as especificidades da Educação de Jovens e Adultos.

Neste capítulo, iremos focalizar o currículo de Matemática sob uma perspectiva cultural, pois entendemos que, ao nos referir ao tema Educação de Jovens e Adultos, não devemos nos ater somente às questões específicas, relativas à faixa etária, mas ir muito além disso, por se tratar de uma questão de especificidade cultural.