• Nenhum resultado encontrado

Um novo paradigma pedagógico começou a surgir no início da década de 60, com as ideias do educador pernambucano Paulo Freire14, que pôs em prática um autêntico trabalho de educação que identifica a alfabetização com um processo de conscientização humana. No entender de Paiva (2003) o pensamento de Paulo Freire “parece ter sido o que maior influência exerceu sobre os profissionais da Educação em geral, consolidando a reintrodução da reflexão sobre o social nos meios pedagógicos esboçada desde o início da década” (p. 279). Desse modo, a educação de adultos passou a ser percebida, não apenas

_____________

13

Nesse período encontramos vários programas e campanhas no campo da educação de adultos, dentre os quais podemos citar: A Campanha Nacional de Educação Rural, em 1952 e A Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo, em 1958, sendo as duas, proposta pelo Ministério da Educação e Cultura, o Movimento De Educação de Base, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, em 1961, que tinha como patrocinador o Governo Federal; o Movimento de Cultura Popular do Recife, em 1961; os Centros Populares de Cultura, órgãos culturais da UNE; a Campanha de Pé no Chão também se Aprende a Ler, da Secretaria Municipal de Natal; o Movimento de Cultura Popular do Recife.

14

A descrição dos métodos empregados por Paulo Freire, juntamente com uma síntese dos seus fundamentos, pode ser encontrada no livro “O que é o método Paulo Freire”, de Carlos Rodrigues Brandão (2ª Ed., Coleção Primeiros Passos, São Paulo, Brasiliense, 1981).

como uma problemática educacional, mas como um problema de ordem social e política, propondo uma ação educativa pautada na cultura do sujeito e baseada no diálogo.

Segundo Paiva (2003), o método proposto por esse educador propiciava que o analfabeto passasse a se perceber como sujeito e não como objeto, portador de cultura e conhecimento. No entanto, esse método rejeitava as cartilhas, sendo necessária uma adequada preparação dos coordenadores, pois eram confeccionados os materiais didáticos e utilizados cartazes e slides, e, a partir da realidade dos educandos e de seu universo vocabular, o alfabetizador em contato com o grupo de alunos, listava as palavras do vocabulário mais usadas pelos indivíduos, devendo essas ser selecionadas pela riqueza fonêmica, nascendo palavras geradoras, que serviriam como ponto de partida para decomposição das famílias fonêmicas que correspondiam àqueles vocábulos.

O pensamento pedagógico de Paulo Freire direcionou diversas experiências de educação de adultos e, em 1964, com a organização de um Programa Nacional de Alfabetização de Adultos, foi convidado pelo Ministro da Educação, Paulo de Tarso Santos, a repensar a alfabetização de adultos, num âmbito nacional. Esse período foi marcado por uma diretriz totalmente oposta àquela vivida pelos movimentos de educação e cultura popular, mas a conscientização proposta por Freire passou a ser vista como ameaça à ordem instalada. Assim, em decorrência do golpe militar em 1964, esse e outros programas de educação popular foram reprimidos, extinguindo-se, inclusive, o debate educacional.

O analfabetismo ainda se caracterizava como um grave problema para o país. Paiva (2003) assevera que o Censo escolar realizado em 1964 indicava que “44,2% dos professores do ensino elementar não possuíam qualificação para a docência” (p. 160); portanto, o problema referente à questão dos professores leigos, que se arrastava desde a década de 20, ainda persistia, sendo objeto de preocupação a falta de qualidade do ensino e a baixa qualificação do professor.

Diante dessa problemática, o Governo assumiu o controle da alfabetização de adultos e criou o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL)15, através

da lei 5.379, de 15 de dezembro de 1967.

Caberia ao MOBRAL promover a educação dos adultos analfabetos, cooperando com Comissões espalhadas pelos municípios brasileiros, que se encarregavam de providenciar as salas de aula e os professores. O Mobral expandiu-se em todo território nacional, configurando-se como um dos programas mais representativos do Governo Militar. Foi criado o Programa de Educação Integrada (PEI), equivalente às quatro primeiras séries do ensino fundamental, sendo concedida ao MOBRAL a expedição de certificados, mediante o referendo das Secretarias Municipais ou Estaduais de Educação; mais tarde, tais referendos passaram a ser desnecessários, quando o PEI passou a firmar convênios com instituições particulares.

Quanto à produção dos materiais didáticos, esses foram entregues a empresas privadas que reuniram equipes pedagógicas e produziram um material de caráter nacional, desconsiderando a diversidade de perfis das regiões brasileiras. Baseado na decomposição de palavras geradoras, não refletiam o modo de vida da população, tendo em vista que cada região do país possuía suas características peculiares, ficando evidente a concepção da imposição proposta pelo programa, focando apenas seus interesses. O alfabetizador recebia o Manual do Professor que, assim como o currículo, deveria ser seguidos à risca.

No entender de Paiva quanto à organização do Mobral, este foi

Organizado a partir de uma logística militar, de maneira a chegar a quase todos os municípios do país, ele deveria atestar às classes populares o interesse do governo pela educação do povo, devendo contribuir não apenas para o fortalecimento eleitoral do partido governista, mas também para neutralizar eventual apoio da população aos movimentos de contestação do regime, armados ou não. (Paiva, 2002, pg. 337).

_____________

15

Dois bons estudos sobre o Mobral merecem destaque: são os livros de Celso Rui Beisegel, Estado e Educação Popular (São Paulo, Pioneira, 1974) e os estudos de Paiva (1981e1982) publicado em quatro etapas pela revista Síntese.

Com o processo de abertura política do país ganham impulsos as experiências paralelas de alfabetização que eram desenvolvidas de um modo mais crítico. Desacreditado nos meios políticos e educacionais, a imagem do Mobral estava atrelada à ideologia e às práticas dos governos militares, sendo o programa alvo de várias críticas, tanto as que dirimiam os critérios empregados na verificação de aprendizagem, como questionamentos relacionados à real redução dos índices de analfabetismo: pouco tempo destinado à alfabetização, falta de supervisão dos cursos oferecidos, altos custos financeiros e despreparo dos educadores.

Com relação ao corpo docente do Mobral, Paiva (2003) assevera que a precária aprendizagem resultava, entre outros fatores, da “precária qualidade do ensino oferecido” (p. 367). Segundo Paiva (2003), o corpo docente compõe-se de elementos com escassa preparação escolar: na região Nordeste 23,4% dos alfabetizadores consultados haviam concluído a 3ª série, e 26,6% dos quais haviam concluído a 4ª série. Em relação à região Sudeste 22,9% havia terminado a 4ª série e outros 26,6% iniciaram outras séries, sendo que não foram entrevistados professores com menos de quatro anos de estudo. Na região Nordeste, em relação ao treinamento, 1,8% dos entrevistados afirmou não ter recebido treinamento algum, e 30% afirmaram nunca ter recebido qualquer espécie de supervisão. Na região Sudeste, 40% dos professores afirmaram ter recebido treinamento, e 30% afirmaram não ter recebido supervisão.

Podemos perceber o descrédito por parte desse programa, nas palavras do professor Flexa Ribeiro, ex-diretor geral de Educação da UNESCO16

O Mobral seria quando muito, um ‘vendedor de ilusões’. Ilusão para o adulto que ignora a precariedade do adestramento que recebe e principalmente’ vendedor de ilusões’ para anestesiar a consciência da classe letrada do país... Ninguém ignora que o diplomado do Mobral permanece irmão gêmeo do Analfabeto. (FLEXA RIBEIRO, depoimento na CPI do Mobral. Diário do Congresso Nacional, Seção II, 16/3/1976, p.344, apud Paiva, 2003, p. 335)

_____________

16

A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) foi criada em 16 de novembro de 1945, com o objetivo de garantir a paz por meio da cooperação intelectual entre as nações, acompanhando o desenvolvimento mundial e auxiliando os Estados-Membros na busca de soluções para os problemas que desafiam nossas sociedades, atuando nas áreas da Educação, Ciências Naturais, Ciências Humanas e Sociais, Cultura e Comunicação e Informação. (disponível em http://www.onu.org.br/onu-no-brasil/unesco/, acesso em 10 jul. 2012)

No início do governo Sarney, através do Decreto 91.980, de 25 de novembro de 1985, o Mobral foi extinto e em seu lugar instituiu-se a Fundação Nacional para Educação de Jovens e Adultos (EDUCAR). Segundo Haddad e Di Pierro (2000) se, em muitos aspectos, a Fundação Educar configurou-se como extensão do Mobral, mantendo os funcionários, as estruturas burocráticas, e práticas político-pedagógicas, podemos levar em conta algumas mudanças significativas, dentre as quais merece destaque a sua subordinação à estrutura do Ministério de Educação e Cultura transformando em órgão de fomento e apoio técnico, ao invés de instituição de execução direta. Houve uma descentralização das suas atividades, e a Fundação passou a apoiar iniciativas de Educação Básica de jovens e adultos.