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A organização dos conteúdos com base em uma concepção linear é apoiada na ideia da necessidade de pré-requisitos, na qual um “conteúdo serve de base para o que vem em seguida, embora nem sempre se faça uma relação entre eles, dando ao aluno a impressão de que cada um deles nada tem a ver com os anteriores” (BRASIL, 2002a, p. 126).

Figura 1: Organização Linear (BRASIL, 2002a, p. 126)

Pires (2000) expõe que a organização dos currículos de Matemática possui a presença marcante da linearidade e da acumulação, sendo esta representada “ora pela sucessão de conteúdos que devem ser dados numa certa ordem, ora pela definição de pré-requisitos” (p. 66). Desse modo, acredita-se que o conhecimento é passível de acumulação, sendo necessário que as informações sejam dominadas antes de se ter acesso a outros conceitos.

Desse modo, a autora corrobora as ideias de Machado, quando esse autor afirma que

De fato, internamente e no planejamento curricular, a forma de organização linear é amplamente predominante na organização do trabalho escolar, comprometendo-se muitas vezes desnecessariamente com uma fixação relativamente arbitrária de pré-requisitos e com uma seriação excessivamente rígida, que responde em grande parte pelos números inaceitáveis associados à repetência e à evasão escolares. De um modo geral, a organização linear perpassa o conjunto das disciplinas escolares, embora seja especialmente aguda associação no caso da Matemática. Aqui, talvez em consequência de uma direta entre linearidade e formalismo, entendido como a organização dos conteúdos curriculares sob a forma explícita ou disfarçada de teorias formais, parece certo e indiscutível que existe uma ordem necessária para a apresentação dos assuntos, sendo a ruptura da cadeia fatal para a aprendizagem. (MACHADO, 1995, p. 188).

Portanto, a linearidade acerca da apresentação dos conteúdos requer um encadeamento lógico e sequencial, e que, obrigatoriamente, requer pré-requisitos por parte do educando, para o estudo de outros conteúdos na sequência curricular. Pires (2000) expõe que

[...] nos currículos atuais, a ruptura da cadeia ainda parece ser algo fatal para a aprendizagem. Marcos temáticos são fixados e devem ser percorridos sequencialmente; é um caminho cujo percurso é composto de passos, cuja lei de sucessão é ir do mais simples para o mais complexo (ás vezes entendida como ir do mais concreto para o mais abstrato). Ao desenvolverem seu trabalho em sala de aula, tanto os elaboradores de currículo de Matemática quanto os professores se empenham em organizá-lo segundo uma “estrutura” lógica, linear: cada assunto (capitulo ou unidade) supõe conhecidos assuntos precedentes. Isso lhes parece absolutamente natural em se tratando de uma disciplina científica e essa suposta linearidade da aprendizagem acaba por descartar qualquer possibilidade de um trabalho autônomo por parte do aluno (p. 67).

Portanto, podemos inferir que, intrínseca à linearidade, está a ideia de acumulação, em que é sempre necessário um pré-requisito para passar para a etapa posterior.

Em contraposição ao modelo linear, encontramos à ideia de uma nova organização curricular para o ensino de Matemática, que superando o mito da linearidade e acumulação propõe a organização em rede. Na organização dos conteúdos em rede, o desenho curricular é composto por uma pluralidade de pontos interligados por ramificações e caminhos, como podemos observar na figura abaixo.

Nessa perspectiva, Pires (2000) considera que

No campo cognitivo, a ideia de rede comparece cada vez que se pretende demonstrar que a compreensão do tema é construída por meio de múltiplas relações, que podem ser estabelecidas entre ele e outros temas, estejam ou não as fontes de relação no âmbito de uma dada disciplina. Nesse contexto, o conhecimento é apresentado como uma rede cujos pontos vão se construindo em varias direções, em vários sentidos, cuja formação se altera e se reestrutura praticamente a cada vez que um “ponto” é incorporado a ela; é um sistema, enfim, que passa por momentos de caos e de alguma estabilidade. (PIRES, 2000, p. 117, grifo nosso)

A organização do currículo em rede propicia que a aprendizagem seja significativa ao aluno, pois, ao fazer conexões, amplia seu universo cognitivo, mediando o seu contato com a realidade de forma crítica e dinâmica. Em relação à educação de jovens e adultos, “uma organização de conteúdos em rede, além de propiciar uma abordagem desse tipo, permite também a otimização do tempo disponível e o tratamento, de forma equilibrada, dos diferentes campos matemáticos. (BRASIL, 2002b, p. 25)

A Proposta Curricular para a Educação de Jovens e Adultos considera que

A ideia subjacente é de que a aprendizagem de Matemática está ligada à compreensão, isto é, à atribuição e à apreensão de significado. E apreender o significado de um objeto ou acontecimento pressupõe identificar suas relações com outros objetos e acontecimentos. Isto

significa que o tratamento dos conteúdos em compartimentos estanques, numa rígida sucessão linear, deve dar lugar a uma abordagem em que as conexões sejam favorecidas e destacadas.

(BRASIL, 2002b, p. 25, grifo nosso)

Considerando o caminho que o aluno percorre na construção de seu saber, Pires (2000) com base na caracterização de Douady, faz uma comparação entre o saber matemático e o saber a ser ensinado em Matemática.

Quadro 1. Saber matemático e saber a ser ensinado em Matemática

O saber matemático O saber a ser ensinado em Matemática

O saber matemático é despersonalizado, descontextualizado (em termos das publicações), ordenado pelos problemas encontrados (ao nível do conhecimento dos pesquisadores), sincretizado (os saberes são ligados uns aos outros,

sempre ao nível do saber dos

pesquisadores.

O saber a ser ensinado em matemática é ordenado numa progressão de tempo; essa progressão é legal (definida pelos programas – há um tempo legal de aprendizagem) e lógica (o curso de Matemática se esforça por progredir segundo uma estrutura lógica, linear); por certo, a linearidade da aprendizagem torna o trabalho autônomo impossível. No saber matemático, a progressão é

comandada pelo encadeamento dos problemas sucessivamente resolvidos, ou seja, os problemas são o motor da evolução. O saber matemático é não linear.

No saber a ser ensinado em Matemática, ao contrário, há uma progressão no tempo a partir de uma contradição velho / novo; um capítulo elimina o outro e, no limite, o curso evacua completamente os problemas e progride linearmente em direção ao conhecimento.

Na fabricação do texto do saber a ser ensinado, o trabalho de transposição didática conduz a uma desintrincação do saber matemático: o objeto do saber é extraído de um campo de problemas a que estava ligado, como também das técnicas às quais estava associado.

Nos textos escolares, os objetos de ensino são introduzidos explicitamente por uma definição, seguida de uma lista de suas propriedades, que são objeto de demonstração a partir de um certo nível de escolaridade e, depois, vem o estudo sistemático de situações de emprego pelo aluno (aplicações). Assim, o que constituía o “entorno do objeto” é substituído por aquilo que vem antes (capítulo precedente) e pelo que vem depois (capítulo seguinte).

Fonte: (Pires, 2000, p. 164).

Com base nessas caracterizações, enquanto o saber matemático é não linear, o saber a ser ensinado em Matemática é caracterizado pela linearidade, e assim vem sendo praticado por vários anos. Desse modo, Pires assevera que “a questão que se coloca é se esse processo deve ocorrer, necessariamente, dessa maneira. Ao que tudo indica, a resposta é negativa e os fracassos acumulados estão aí para apoiar essa convicção” (p. 164).

Desse modo, ao entendermos que o currículo incorpora as transformações sociais, políticas, científicas e culturais, a ideia do currículo em rede possibilita a articulação das disciplinas no currículo, evidenciando que a concepção de conhecimentos em uma rede de significados é imprescindível para o bom andamento do processo.