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O erro médico stricto sensu ou culpa médica, como visto, supõe uma conduta profissional inadequada, associada à inobservância de regra técnica, potencialmente capaz

de produzir dano à vida ou agravamento do estado de saúde de outrem, mediante imprudência, imperícia e negligência.508

Pode-se dizer, destarte, que a culpa médica é a falta de um dever preexistente que não teria sido cometida por um médico diligente nas mesmas circunstâncias do autor do dano. A culpa médica decorre, então, da ação ou omissão do facultativo, imprudente, imperita ou negligente.509

3.14.1 Imprudência médica

A prudência é uma das mais importantes virtudes das pessoas e significa cautela, moderação, sensatez, discernimento e bom juízo.510 Os bons médico exercem sua arte de forma prudente. São aqueles que, segundo João Monteiro de Castro, conhecendo os resultados da experiência, agem antevendo o evento que decorre daquela ação e tomam as medidas acautelatórias necessárias a evitar o insucesso.511

Maria Helena Diniz entende que a imprudência tem lugar quando o médico, por ação ou omissão, vem a assumir procedimentos de risco sem respaldo na ciência médica ou sem prestar as devidas informações ao doente ou a quem de direito. É um atuar sem respaldo ou suporte científico; é um ato positivo, o médico faz o que não deveria ser feito.512

Destaca a autora que “a imprudência repousa sobre a negligência”, uma vez que é imprudente o médico que age sem a devida cautela. Por sua vez, Miguel Kfouri Neto afirma que “a imprudência sempre deriva da imperícia, pois o médico, mesmo consciente de não possuir suficiente preparação, nem capacidade profissional necessária, não detém sua ação”.513

508 João Monteiro de Castro, Responsabilidade civil do médico, cit., p. 141. 509 Daniela Lenza Navarrete, Responsabilidade civil dos médicos, cit., p. 144. 510 Rafael Aguiar-Guevara, Tratado de derecho médico, cit., p. 296.

511 João Monteiro de Castro, Responsabilidade civil do médico, cit., p. 142. 512 Maria Helena Diniz, O estado atual do biodireito, cit., p. 619.

Muitas vezes, conforme a doutrina do autor, a imprudência está à ligada a negligência ou à imperícia. No entanto, há situações em que o médico age com diligência e perícia, mas lhe falta prudência, como no caso de um cirurgião que decide por vaidade aplicar uma técnica nova, sem comprovada eficiência. No ato cirúrgico, o médico age com toda a perícia, pois conhece melhor do que ninguém aquele procedimento e redobra sua atenção, sendo totalmente diligente. Todavia, é imprudente, pois não foi sensato na sua escolha ao optar por um procedimento perigoso em detrimento de um seguro.514

3.14.2 Negligência médica

A negligência é basicamente o não fazer, o deixar de fazer algo devido. Para Maria Helena Diniz, a negligência consiste no fato de o facultativo não fazer o que deveria ser feito. É uma atitude negativa por parte do médico, que não se empenha no tratamento do paciente, não age com a devida diligência. Configura-se, portanto, com um ato omissivo.515

A negligência, em conjunto com a imprudência, pode ser exemplificada da seguinte forma: submeter um paciente a tratamento por via parenteral (imprudência) sem fazer previamente o teste para averiguar se o paciente era alérgico (negligência).516

3.14.3 Imperícia médica

De acordo com Genival Veloso França, imperícia é a falta de observação das normas, por despreparo prático ou por insuficiência de conhecimentos técnicos. É a carência de aptidão, prática ou teórica, para o desempenho de uma tarefa técnica. Acrescenta o autor: “Chama-se ainda imperícia a incapacidade ou inabilitação para exercer determinado ofício, por falta de habilidade ou pela ausência dos conhecimentos rudimentares exigidos numa profissão.”517

514 Miguel Kfouri Neto, Responsabilidade civil do médico, cit., p. 93. 515 Maria Helena Diniz, O estado atual do biodireito, cit., p. 619.

516 João Monteiro de Castro, Responsabilidade civil do médico, cit., p. 143. 517 Genival Veloso França, Direito médico, cit., p. 244.

Destaca Miguel Kfouri Neto que não se deve confundir a imperícia com a negligência. Se um médico injeta no paciente soro tetânico sem o necessário teste, será negligente, mas se o faz porque não sabe que deve realizar o referido teste, é imperito.

Ademais, é possível que haja a conjugação de imperícia, imprudência e negligência. Seria o caso de um médico, ao fazer uma raspagem, produzir três perfurações no intestino de uma jovem menor de idade (imperícia); em seguida, não cuidar do seu estado nem avisar os seus pais, para que o fizessem (negligência); e, finalmente, conceder autorização para que a menor abondone o hospital, baseado na melhora por ela alegada, constituindo-a juiz de seu próprio estado (imprudência).518

Em suma, as condutas médicas em desacordo com a prudência, a diligência e a perícia podem ocasionar erros de diagnóstico, de tratamento ou de dosagem de medicamento, que, se causarem dano ao paciente, deverão ser indenizados.

3.15 Culpa concorrente

No momento da análise das excludentes de responsabilidade no Código de Defesa do Consumidor, verificou-se que a regra é que apenas a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro pode afastar o dever de ressarcimento. Isso se dá em razão da natureza objetiva da responsabilidade civil adotada pelo microssistema do consumidor. A culpa exclusiva da vítima tem o condão de rechaçar o nexo de causalidade entre a conduta e o dano, afastando, assim, a responsabilidade objetiva.

Todavia, como mencionado anteriormente, o dever de indenizar do médico é baseado na culpa, consistindo na única exceção à regra geral do Código de Defesa do Consumidor. Seria possível, desta feita, na responsabilidade civil do médico, falar em culpa concorrente?

A resposta há de ser positiva. Justifica-se esse entendimento a partir da análise da inaplicabilidade da responsabilidade objetiva. Nela não há que se falar em culpa

concorrente, tendo em vista que ela independe de culpa, só incidindo a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, porque essas rompem o nexo de causalidade, pressuposto do dever de indenizar.

Na responsabilidade subjetiva, por outro lado, a análise da culpa do agente é fundamental, sendo ela pré-requisito do dever de ressarcir. Dessa forma, se o dano decorre do comportamento culposo de mais de uma pessoa, ambos devem ser levados em consideração no momento de fixação da responsabilidade.

Evoca-se, ainda, o diálogo das fontes para justificar esse posicionamento. Nesse ponto, o Código Civil é compatível com o microssistema do Código de Defesa do Consumidor, sendo possível a aplicação do artigo 945 do Código Civil, que dispõe: “Se a vítima houver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano.”

No mesmo diapasão, João Monteiro de Castro afirma: “Na discussão do dano advindo da culpa do médico, essa questão reveste-se de especial relevância, tendo em vista que há atitudes e comportamentos da vítima do erro médico culposo a conduzirem à diminuição do papel da culpa do facultativo, ou até mesmo isentá-lo de indenizar, rompendo inteiramente com o nexo de causalidade. É o caso, por exemplo, de paciente que não segue as prescrições do médico, não toma os remédios receitados ou mesmo que abandona o tratamento ou os próprios cuidados do médico. Não é razoável permitir que o profissional se veja prejudicado pelo desinteresse, desleixo ou inércia do paciente, que acaba por desempenhar papel ativo nos danos que vem a sofrer, cuja importância será avaliada pelo juiz, quando da fixação da indenização.”519

Caberá outrossim ao médico fazer a prova da culpa concorrente da vítima, ficando a cargo do juiz, diante das provas carreadas aos autos, reconhecer se houve a culpa concorrente ou exclusiva da vítima, atenuando a responsabilidade do médico.520

519 João Monteiro de Castro, Responsabilidade civil do médico, cit., p. 147. 520 Daniela Lenza Navarrete, Responsabilidade civil dos médicos, cit., p. 158.

3.16 Dano médico

Como já mencionado, o objetivo jurídico da indenização é o ressarcimento dos danos suportados pela vítima do eventum damni, devendo abranger não só aquilo que o ofendido efetivamente perdeu (dano emergente), como também tudo aquilo que ele deixou de auferir (lucros cessantes), segundo o artigo 402 do Código Civil.

Os danos médicos indenizáveis podem ocasionar os danos geralmente admitidos para qualquer modalidade de responsabilidade civil521. Assim, eles podem ser materiais ou morais.522

No mesmo tom, João Álvaro Dias, ao tratar do dano decorrente da atividade médica, afirma que “não parece haver razões sérias e decisivas que aconselhem a rejeição da clássica distinção danos morais/danos patrimoniais”. E conclui o autor: “A determinação das categorias de danos indemnizáveis não apresenta qualquer característica peculiar à actividade médica.”523

No que concerne aos danos materiais ou patrimoniais decorrentes do erro médico, em sua maioria são conseqüências de danos físicos524 sofridos pelo paciente525, tais como despesas médico-hospitalares, gastos com medicamentos, tratamento, funeral e lucros cessantes.

Ademais, se da atividade médica resultar um dano pelo qual a vítima não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou tenha sua capacidade laborativa diminuída, a indenização incluirá, além das despesas com tratamento e lucros cessantes até o fim da convalescença, pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou ou da depreciação que ele sofreu (art. 950 do CC).

521 Miguel Kfouri Neto, Responsabilidade civil do médico, cit., p. 102.

522 Incluem-se nessas duas espécies de danos os prejuízos advindos dos danos à imagem e dos danos

estéticos.

523 João Álvaro Dias, Procriação assistida e responsabilidade médica, cit., p. 385. 524 Miguel Kfouri Neto, Responsabilidade civil do médico, cit., p. 103.

525 Em matéria de ressarcimento dos prejuízos advindos da atividade médica, importante ressaltar o conteúdo

do artigo 951 do Código Civil: “O disposto nos artigos 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.”

Sobrevindo a morte de um paciente, o artigo 948, inciso II do Código Civil determina que seja paga uma prestação de alimentos às pessoas a quem o falecido devia, tomando-se em conta a duração provável da vida da vítima. Impõe-se destacar que o Código Civil deixou a critério do julgador fazer uma estimativa da provável duração de vida da vítima. O Superior Tribunal de Justiça526 indica como estimativa média de vida do brasileiro 65 anos de idade.527

Não se pode olvidar que é necessário considerar não apenas a expectativa de vida do paciente, mas também as circunstâncias do caso concreto na determinação do prazo de duração da pensão alimentícia devida pelo médico. Se um paciente jovem se encontrava num estágio terminal de alguma doença e, em decorrência de um erro médico, vem a óbito um pouco antes do esperado, não parece razoável que se imponha ao facultativo o dever de pagar a pensão com base na expectativa média dos brasileiros, uma vez que está provado que aquele paciente não viveria até alcançar uma idade mais avançada.528

As maiores dificuldades na fixação do montante devido pelo médico surgem na hora de reparar o dano moral. A falta de critérios matemáticos nesses casos dificulta o estabelecimento de um valor pré-determinado. O juiz deve basear-se no seu prudente arbítrio, na eqüidade, e ser norteado pela dignidade da pessoa humana, pela proporcionalidade e pela razoabilidade.

Não se entende possível, em nome de uma segurança jurídica, tarifar valores, pois, como já estudado, é direito do paciente a efetiva reparação dos danos sofridos (art. 6°, VI do CDC). Contudo, no momento de fixação do montante devido, não se deve deixar de lado a dignidade do autor do dano. Não se afigura razoável que o julgador imponha um dever ao médico que venha a tirar-lhe sua dignidade. A atividade do juiz tem que ser

526 “Agravo regimental, Pensionamento, Expectativa de vida. 65 anos. Limitação ao pedido. Honorários

advocatícios. Adequação ao provimento do recurso especial. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, para fins de pensionamento decorrente de acidente automobilístico, ainda considera 65 (sessenta e cinco) anos como expectativa média de vida do brasileiro. Nossa Corte Especial já definiu que os honorários advocatícios não incidem sobre o capital constituído para garantir o pagamento das prestações vincendas do pensionamento. Nessas situações, a verba honorária relativa às prestações vincendas é fixada consoantem apreciação eqüitativa na forma do artigo 20, parágrafo 4º do Código de Processo Civil.” (STJ − AGR no RESP n. 805159/PR, 3ª Turma, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJU, de 31.10.2007, p. 323, disponível em: <http://www.stj.gov.br>, acesso em: 19 dez. 2007).

527 Daniela Lenza Navarrete, Responsabilidade civil dos médicos, cit., p. 190.

pautada na tábua axiológica529: dignidade da pessoa humana (art. 1°, inc. III da CF), solidariedade social (art. 3°, inc. III da CF) e igualdade substancial (arts. 3° e 5° da CF).

João Monteiro de Castro cita alguns critérios médico-legais que podem auxiliar o julgador no exercício de sua atividade na quantificação do dano oriundo do erro médico. São eles: “a) incapacidade temporária; b) incapacidade permanente, inclusive laborativa; c) o quantum doloris; d) dano estético; e) prejuízo de afirmação pessoal.”530

Assim, o paciente deve ser integralmente ressarcido pelos danos que vier a suportar, sem, todavia, na medida do possível, levar o médico a uma situação na qual venha a ser privado da sua própria dignidade. Para ser fixado o montante devido, o julgador deve, como mencionado, pautar-se na dignidade da pessoa humana, podendo ser auxiliado por alguns critérios, como a incapacidade permanente para o trabalho.

É de se frisar que o artigo 944 do Código Civil, que determina que a indenização se mede pela extensão do dano, e prevê no seu parágrafo único a redução eqüitativa da indenização, se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, não pode ser aplicado nas relações de consumo, por ir de encontro ao princípio da efetiva reparação.531