• Nenhum resultado encontrado

Restou determinado que a natureza do contrato existente entre médico e paciente é

sui generis e reconhecido que a relação jurídica existente entre ambos é de consumo. Importa saber agora se a obrigação gerada pela avença é de resultado ou de meio.420

A distinção entre obrigação de meio e de resultado foi desenvolvida por René Demogue421. Nos Estados Unidos, ela não é utilizada. Há um entendimento predominante, no sentido de que o médico, salvo um contrato especial, não promete o êxito da operação ou tratamento. Ele apenas assegura que possui os conhecimentos necessários, conforme a média dos seus colegas, e que o aplicará cuidadosamente.422

Contudo, uma grande parte da doutrina entende aplicável essa distinção. Ela é majoritária na França, na Itália e na Espanha423. Da mesma forma no Brasil, como se extrai das obras de diversos autores.424

Segundo Rafael Aguiar-Guevara, as obrigações de meio são aquelas em que o caráter aleatório do resultado perseguido, especialmente na medicina, impede que se exija um desfecho específico a ser alcançado; cabe ao devedor empregar a diligência, a perícia e a prudência necessárias à execução da obrigação. Por sua vez, as obrigações de resultado são aquelas nas quais a prestação assumida pelo devedor é precisa, determinada, é um fim em si mesma, e a não consecução do resultado é prova suficiente do inadimplemento do devedor.425

419 Alberto J. Bueres, Responsabilidad civil de los médicos, cit., p. 119-125. 420 Sérgio Cavalieri Filho, Programa de responsabilidade civil, cit., p. 371.

421 Rafael Aguiar-Guevara, Tratado de derecho médico, Caracas: Legis Lec, 2001, p. 138. 422 Ricardo Luis Lorenzetti, Responsabilidad civil de los médicos, cit., v. 1, p. 470. 423 Ricardo Luis Lorenzetti, Responsabilidad civil de los médicos, cit., v. 1, p. 470.

424 Carlos Roberto Gonçalves, Responsabilidade civil, cit., p. 360; Sergio Cavalieri Filho, Programa de

responsabilidade civil, cit., p. 371; Miguel Kfouri Neto, Responsabilidade civil do médico, cit., p. 29.

As obrigações assumidas pelos médicos são, em regra, conforme a doutrina426 e jurisprudência427 majoritárias, de meio. Nas palavras de Alberto J. Bueres: “O médico, em geral, sobretudo quanto aos cuidados profissionais – atividade central – contrai uma obrigação de meios, posto que só promete a realização de um comportamento diligente para alcançar um resultado não garantido por ser aleatório”.428

Todavia, há situações em que o médico assume uma obrigação de resultado429. É o que ocorre, em geral, nas hipóteses dos exames laboratoriais que não oferecem riscos, intervenções cirúrgicas de notória simplicidade430 ou de cirúrgia estética.431

De acordo com Ricardo Luis Lorenzetti, os efeitos decorrentes da distinção entre obrigação de meio e de resultado variam conforme o autor. Para uns, o principal efeito é

426 Alberto J. Bueres, Responsabilidad civil de los médicos, cit., p. 489-509; Amélia do Rosário Motta de

Pádua, Responsabilidade civil na reprodução assistida, cit., p. 149; Edmilson de Almeida Barros Júnior, A responsabilidade civil do médico: uma abordagem constitucional, cit., p. 116; Genival Veloso França, Direito médico, 9. ed. rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 247; Ricardo Luis Lorenzetti, Responsabilidad civil de los médicos, cit., v. 1, p. 341-362.

427 “Civil. Cirurgias. Seqüelas. Reparação de danos. Indenização. Culpa. Presunção Impossibilidade. Segundo

doutrina dominante, a relação médico e paciente é contratual e encerra, de modo geral (salvo cirurgias plásticas embelezadoras), obrigação de meio e não de resultado.Em razão disso, no caso de danos e seqüelas porventura decorrentes da ação do médico, imprescindível se apresenta a demonstração de culpa do profissional, sendo descabida presumi-la à guisa de responsabilidade objetiva. Inteligência dos artigos 159 e 1.545 do Código Civil de 1916 e do artigo 14, parágrafo 4º do Código de Defesa do Consumidor. Recurso especial conhecido e provido para restabelecer a sentença.” (STJ − RESP n. 196306/SP, 4ª Turma, rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 03.08.2004, DJU, de 16.08.2004, p. 261).

428 No original: “Lo médico, en general, sobre todo en lo que hace a los cuidados profesionales – actividad

central – contrae una obligación de medios, puesto que sólo empeña la realización de un comportamiento diligente para alcanzar un resultado no afianzado por sua aleatoridad.” (Alberto J. Bueres, Responsabilidad civil de los médicos, cit., p. 469 − nossa tradução).

429 “Responsabilidade civil. Erro de diagnóstico. Exames radiológicos. Danos morais e materiais. O

diagnóstico inexato fornecido por laboratório radiológico levando a paciente a sofrimento que poderia ter sido evitado, dá direito à indenização. A obrigação da ré é de resultado, de natureza objetiva (art. 14 c.c. o art. 3º do CDC). Danos materiais devidos, tendo em vista que as despesas efetuadas com os exames posteriores ocorreram em razão do erro cometido no primeiro exame radiológico. Valor dos danos morais fixados em 200 salários mínimos, por se adequar melhor à hipótese dos autos. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.” (STJ − RESP n. 594962/RJ, 3ª Turma, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. 09.11.2004, DJU, de 17.12.2004, p. 534).

430 A álea na relação médico-paciente é o organismo deste. Assim, nesses dois casos em que, devido a

simplicidade do tratamento, não há que se falar numa interferência desse fator, o médico está obrigado a alcançar um resultado determinado.

431 Não é pacífico na doutrina o entendimento segundo o qual a obrigação assumida pelo médico na cirurgia

estética é de resultado. Contudo, a questão não será discutida neste trabalho, por não ter relevância com o seu desenvolvimento, pois aqui importa saber se a obrigação assumida nos contratos de reprodução humana assistida é de meio ou de resultado.

distribuir a carga da prova, enquanto que para outros é fixar a imputabilidade objetiva (resultado) ou subjetiva (meio).432

No Brasil, a doutrina majoritária defende que a distinção entre obrigação de meio e de resultado na prestação de serviços médicos é determinante para se fixar a carga probatória433. Nesse diapasão, doutrina José Carlos Maldonado de Carvalho: “A responsabilidade civil médica de profissionais liberais é sempre subjetiva: com culpa provada, quando assumem obrigações de meio, e com culpa presumida, quando assumem obrigações de resultado.”434

Em outro sentido, João Monteiro de Castro afirma que a natureza da obrigação resultante do contrato médico-paciente poderá objetivar-se quando as obrigações assumidas forem de resultado435. No mesmo tom, Ivelise Fonseca da Cruz destaca que nesses casos o médico responderá de forma objetiva, independentemente de culpa, se houver dano ou se não for alcançado o fim a que se propôs.436

Cabe razão à linha doutrinária que entende pela responsabilidade do médico objetivar-se quando ele assumir uma obrigação de resultado. Não haveria sentido, diante do Código de Defesa do Consumidor, que possibilita a inversão do ônus da prova (art. 6°, VIII), essa preocupação em distinguir entre obrigação de meio e de resultado para modificar a distribuição da carga probatória. Até mesmo porque, na prática, na maioria das vezes o juiz deverá fazê-lo, diante da hipossuficiência do consumidor ou da verossimilhança das suas alegações.437

432 Ricardo Luis Lorenzetti, Responsabilidad civil de los médicos, cit., v. 1, p. 469.

433 Sergio Cavalieri Filho, Programa de responsabilidade civil, cit., p. 369; Carlos Roberto Gonçalves,

Responsabilidade civil, cit., p. 356; Amélia do Rosário Motta de Pádua, Responsabilidade civil na reprodução assistida, cit., p. 154.

434 José Carlos Maldonado de Carvalho, Responsabilidade civil médica: acórdãos na íntegra dos tribunais

superiores, 2. ed. rev. ampl., Rio de Janeiro: Destaque, 2001, p. 51.

435 João Monteiro de Castro, Responsabilidade civil do médico, cit., p. 64.

436 Ivelise Fonseca da Cruz, A influência das técnicas da reprodução humana assistida no direito, cit., p. 125. 437 Ao comentar o parágrafo 4° do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, Zelmo Denari afirma: “Se

o dispositivo comentado afastou, na espécie sujeita, a responsabilidade objetiva, não chegou a abolir a aplicação do princípio da inversão do ônus da prova.” (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto: da qualidade de produtos e serviços, da prevenção e da reparação dos danos, cit., p. 176).

3.11 Obrigação de meio ou de resultado na reprodução humana