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Excludentes da responsabilidade pelo fato do serviço

3.6.1 Excludentes previstas expressamente no Código de Defesa

do Consumidor

Haverá situações em que, apesar da ocorrência de dano, ao agente não será imputada a obrigação de indenizá-lo, por ausência de nexo causal. Assim, o Código de Defesa do Consumidor previu expressamente algumas causas excludentes, ou seja, causas que elidem o dever de indenizar, de forma que o fornecedor não será responsabilizado quando provar que: a) tendo prestado o serviço, o defeito inexiste, b) a culpa é exclusiva da vítima ou de terceiro (art. 14, § 3° do CDC).

A primeira causa excludente da responsabilidade pelo fato do serviço prevista expressamente no Código é a prova de inexistência de defeito por parte do fornecedor. Por óbvio, se não houver defeito na prestação de serviço, o dano terá ocorrido em razão de outra causa, não imputável ao fornecedor. Cabe destacar que os defeitos a que alude a lei são os decorrentes de concepção, de produção, de prestação ou de informação.374

A culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro é, igualmente à hipótese anterior, causa de exclusão do nexo causal. Nas palavras de Sérgio Cavalieri Filho, “fala-se de culpa exclusiva da vítima quando a sua conduta se erige em causa direta e determinante do evento, de modo a não ser possível apontar qualquer defeito no produto ou no serviço como fato ensejador de sua ocorrência”.375

A culpa exclusiva não se confunde com a culpa concorrente. No primeiro caso, desaparece o liame existente entre a conduta e o dano; no segundo, a responsabilidade se atenua em razão da concorrência de culpa. Nessa segunda hipótese, os aplicadores da norma costumam condenar o autor do dano a ressarcir pela metade o prejuízo sofrido pela vítima.376

374 Sergio Cavalieri Filho, Programa de responsabilidade civil, cit., p. 482. 375 Sergio Cavalieri Filho, Programa de responsabilidade civil, cit., p. 483.

376 Zelmo Denari, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto: da

Todavia, é de se frisar que a culpa concorrente não se aplica no microssistema do Código377. Nesse mesmo tom, afirma Zelmo Denari que “a doutrina, contudo, sem vozes discordantes, tem sustentado o entendimento de que a lei pode eleger a culpa exclusiva como única excludente de responsabilidade, como fez o Código de Defesa do Consumidor nesta passagem”378. Dessa forma, para que o dever de indenizar seja elidido, é preciso que o fornecedor do serviço comprove a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

3.6.2 Caso fortuito e força maior

A possibilidade de se invocar o caso fortuito ou a força maior como excludentes da responsabilidade não é pacífica no âmbito das relações de consumo, pois essas causas não se encontram expressamente previstas no Código de Defesa do Consumidor.379

A discussão acerca dessas excludentes se inicia na sua conceituação. Para alguns, as expressões são sinônimas, sendo inútil distingui-las380. Para outros, como Sílvio de Salvo Venosa, o caso fortuito decorre das forças da natureza, tais como terremotos e inundações; e a força maior decorre de atos humanos, tais como guerras, revoluções e greves381. Por outro lado, Celso Antônio Bandeira de Mello define a força maior como sendo “força da natureza irreversível”, e o caso fortuito como “um acidente cuja raiz é tecnicamente desconhecida”.382

Não cabe aqui, contudo, um aprofundamento dessa questão, visto que a discussão mais relevante recai sobre a possibilidade ou não da sua incidência no microssistema do Código de Defesa do Consumidor. Alguns autores afastam a incidência do caso fortuito e da força maior, por não terem sido inseridos no rol das excludentes da responsabilidade do Código. É o caso de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery383. Todavia, esse

377 Carlos Roberto Gonçalves, Responsabilidade civil, cit., p. 398.

378 Zelmo Denari, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto: da

qualidade de produtos e serviços, da prevenção e da reparação dos danos, cit., p. 169.

379 Importante frisar que o Código Civil previu, no artigo 393, o caso fortuito e a força maior como

excludentes da responsabilidade.

380 Sergio Cavalieri Filho, Programa de responsabilidade civil, cit., p. 297. 381 Sílvio de Salvo Venosa, Direito civil: responsabilidade civil, cit., v. 4, p. 42. 382 Celso Antonio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, cit., p. 979.

383 Nelson Nery Junior; Rosa Maria de Andrade Nery, Código Civil comentado e legislação extravagante,

não parece ser o melhor entendimento para a questão. Cabe razão àqueles que aceitam a incidência dessas excludentes, desde que feita uma distinção entre a força maior e o caso fortuito internos e externos.

A força maior e o caso fortuito são tidos como internos quando ocorrem ainda dentro do processo produtivo ou da prestação de serviço. Não têm o condão de afastar a responsabilidade do fornecedor porque fazem parte da sua atividade. Estão ligados aos riscos do empreendimento, submetendo-se à noção geral de defeito de concepção do produto ou de formulação do serviço. De forma diversa, fala-se em força maior ou fortuito externos nos casos em que o fato não guarda nenhuma relação com a atividade do fornecedor384 e, dessa forma, elidem a responsabilidade.

Nesse sentido, Zelmo Denari afirma que se instalando essas causas na fase de concepção ou durante o processo produtivo, o fornecedor não pode invocá-las para se subtrair à responsabilidade por danos. Conclui que, em sentido contrário, “se o caso fortuito ou força maior se manifesta após a introdução do produto no mercado de consumo, ocorre uma ruptura do nexo de causalidade que liga o defeito ao evento danoso”.385

No mesmo diapasão, Sérgio Cavalieri Filho afirma que “o fortuito externo não guarda relação alguma com o produto, nem com o serviço, sendo, pois, imperioso admiti- lo como excludente da responsabilidade do fornecedor, sob pena de lhe impor uma responsabilidade objetiva fundada no risco integral, da qual o Código não cogitou”.386

Em consonância com esse entendimento, a Diretiva 85/374/CEE da União Européia adotou o caso fortuito e a força maior como dirimentes da responsabilidade, ao consagrar, no seu artigo 7°, não ser o produtor responsável se provar, tendo em vista as circunstâncias do caso, não existir o defeito causador do dano no momento em que o produto foi colocado em circulação, ou ter esse defeito surgido posteriormente.

384 Sérgio Cavalieri Filho, Programa de responsabilidade civil, cit., p. 487.

385 Zelmo Denari, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto: da

qualidade de produtos e serviços, da prevenção e da reparação dos danos, cit., p. 171.

Por fim, cabe destacar haver entendimento do Superior Tribunal de Justiça pela aplicação do caso fortuito e da força maior no âmbito do Código de Defesa do Consumidor: “O fato de o artigo 14, parágrafo 3° do Código de Defesa do Consumidor não se referir ao caso fortuito e à força maior, ao arrolar as causas de isenção de responsabilidade do fornecedor de serviços, não significa que, no sistema por ele instituído, não possam ser invocadas.”387

3.6.3 Risco de desenvolvimento

Há discussão de quem deva suportar os riscos de desenvolvimento388, vale dizer, os riscos que correm os fornecedores por defeitos que somente se tornam conhecidos em decorrência dos avanços científicos posteriores à colocação do produto ou serviço no mercado de consumo389. Seriam eles excludentes da responsabilidade do fornecedor ou não?

A Diretiva 85/374/CEE da União Européia aderiu à teoria dos riscos do desenvolvimento como eximente da responsabilidade, ao prever, no seu artigo 7°, que o produtor não é responsável se provar que o estado dos conhecimentos científicos e técnicos no momento em que o produto foi posto em circulação não permitia detectar a existência do defeito.

Forte setor da doutrina nacional afirma que o Código de Defesa do Consumidor, ao fixar, nos artigos 12, parágrafo 1°, III e 14, parágrafo 1°, III, que para os produtos ou serviços serem considerados defeituosos, há que se levar em consideração a época em que eles foram postos em circulação ou fornecidos, acolheu a teoria do risco de desenvolvimento.390

387 STJ

− RESP n. 120.647-SP, 3ª Turma, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJU, de 1505.2000, p. 156.

388 Aramy Dornelles da Luz, Código do Consumidor anotado, São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 32. 389 Zelmo Denari, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto: da

qualidade de produtos e serviços, da prevenção e da reparação dos danos, cit., p. 166.

390 Zelmo Denari, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto: da

No entanto, não se pode olvidar que o artigo 10 do Código veda a introdução, pelo fornecedor, de produto ou serviço no mercado de consumo, que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade391 à saúde ou segurança do consumidor. Dessa feita, para que o fornecedor possa alegar a teoria dos riscos do desenvolvimento em seu favor, há que demonstrar de forma inconteste que realizou todos os testes científicos disponíveis à época da colocação do produto ou serviço em circulação.

Ademais, como bem assevera Zelmo Denari, a adoção dessa teoria como excludente da responsabilidade deve se dar de forma muito criteriosa. Nas palavras do autor: “A nosso aviso, a dicção normativa do inciso III do artigo 12, parágrafo 1° do Código de Defesa do Consumidor está muito distante de significar a adoção da teoria dos

riscos de desenvolvimento, em nível legislativo, como propôs a Comunidade Econômica Européia. De resto, o exemplo da novidade de certas drogas, como a Talidomida, e da comoção social causada em todo o mundo em decorrência do seu poder de mutilação do gênero humano, nos dá a exata medida da inconsistência dos postulados dessa teoria para aferição da responsabilidade dos fabricantes. Quando estão em causa vidas humanas, as eximentes de responsabilidade devem ser recebidas pelo aplicador da norma com muita reserva e parcimônia.”392

Potanto, a adoção dessa teoria no âmbito do microssistema do Código de Defesa do Consumidor deve se dar de forma cautelosa, na análise do caso concreto pelo juiz, devendo ele ponderar os bens em jogo, com base nos postulados da proporcionalidade, da razoabilidade e da segurança jurídica. De forma que é no caso concreto que o julgador fixará o real alcance da teoria dos riscos do desenvolvimento.

Para finalizar a análise das excludentes da responsabilidade pelo fato do serviço no Código de Defesa do Consumidor, é de fundamental importância destacar que, em razão da responsabilidade dos profissionais liberais estar fundada na existência de culpa

391 Nocivo é o que causa dano, que prejudica, prejudicial. Perigoso é o que representa uma ameaça a

existência ou a integridade física de uma pessoa (Antônio Houaiss; Mauro de Salles Villar; Francisco Manoel de Mello Franco, Dicionário Hoauiss da língua portuguesa, Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 2.022 e 2.189).

392 Zelmo Denari, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto: da

(art. 14, § 3°), também poderão ser invocadas nesses casos as excludentes da responsabilidade subjetiva, como a ausência de culpa do agente e a culpa concorrente.393

3.7 Incidência do Código de Defesa do Consumidor nas relações