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Responsabilidade civil na prestação de serviços

Primeiramente, é necessário estabelecer a diferença existente entre vício e defeito, uma vez que do Código de Defesa do Consumidor prevê, no seu artigo 14362, a responsabilidade pelo fato do serviço (defeitos), e, no seu artigo 20363, a responsabilidade pelo vício do serviço.

Luiz Antonio Rizzatto Nunes, ao estudar os vícios, afirma que eles são as características de qualidade ou quantidade que tornam produtos ou serviços impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam e também que lhes diminuem o valor. Da mesma forma, destaca o autor, são considerados vícios os decorrentes da disparidade havida em relação às indicações constantes do recipiente, embalagem, rotulagem, oferta ou mensagem publicitária. Ensina ainda que o defeito pressupõe o vício; sendo assim, há vício sem defeito, mas não há defeito sem vício.364

362 “Artigo 14 - O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação

dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. § 1° - O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I - o modo de seu fornecimento; II - os resultados e os riscos que razoavelmente deles se esperam; III - a época em que foi fornecido. § 2° - O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas. § 3° - O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor. § 4° - A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.”

363“Artigo 20 - O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao

consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decurrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I - a reexecução do serviço, sem custo adicional e quando cabíviel; II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III - o abatimento proporcional do preço. § 1° - A reexecução dos serviços poderá ser confiada a terceiros devidamente capacitados, por conta e risco do fornecedor. § 2° - São impróprios os serviços que se mortem inadecuados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares de prestabilidade.”

364 Luiz Antonio Rizzatto Nunes, Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, São Paulo: Saraiva, p.

Enquanto o vício é uma característica inerente, intrínseca do produto ou serviço em si, o defeito é acrescido de um problema extra, que causa um dano maior que simplesmente o mau funcionamento, o não-funcionamento, a quantidade errada, a perda do valor pago. O defeito causa, além desse dano do vício, outro ou outros danos ao patrimônio jurídico material e/ou moral do consumidor.365

Cláudia Lima Marques, Antônio Herman V. Benjamin e Bruno Miragem adotam a teoria da qualidade, ao tratar da responsabilização no Código de Defesa do Consumidor, pela qual há no Código duas exigências: de qualidade-adequação, de um lado, e de

qualidade-segurança, do outro. Nesse sentido, haveria vícios de qualidade por

inadequação (arts. 18 e ss.) e vícios de qualidade por insegurança (arts. 12 a 17).366

Partindo dessa premissa, considera-se fato do serviço todo e qualquer acidente decorrente da sua prestação que causar dano à saúde ou à segurança do consumidor, ou de terceiros367, vítimas do evento (art. 17 do CDC368). A responsabilidade, nesse caso, advém dos denominados acidentes de consumo, e tem natureza mais grave que a decorrente de vícios, que por sua vez geram apenas danos inerentes ao próprio serviço, tornando-o inadequado ou lhe diminuindo o valor.

Na prestação de serviços médicos, que tem por objeto a saúde do paciente, não cabe falar em responsabilidade pelo vício, e sim pelo fato do serviço, pois a sua execução de forma inadequada colocará em risco a saúde e a segurança do consumidor ou de terceiros que por eles sejam atingidos. Desta feita, restringe-se este trabalho à análise da responsabilidade pelo fato do serviço.

365 Luiz Antonio Rizzatto Nunes, Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, cit., p. 214.

366 Cláudia Lima Marques; Antônio Herman V. Benjamin; Bruno Miragem, Comentários ao Código de

Defesa do Consumidor, cit., p. 225.

367 Zelmo Denari, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto: da

qualidade de produtos e serviços, da prevenção e da reparação dos danos, in Ada Pellegrini Grinover et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, 7. ed., São Paulo: Forense, 2001, cap. 4.

368 São os denominados by standers, aquelas pessoas equiparadas aos consumidores por terem sido vítimas

A responsabilidade pelo fato do serviço, como já ressalvado, tem como regra a natureza objetiva (art. 14 do CDC), sendo responsáveis todos aqueles que integram a cadeia de consumo de forma solidária (arts. 7°, parágrafo único e 25, § 1° do CDC). Informações insuficientes ou inadequadas sobre a fruição e riscos dos serviços prestados também fazem nascer o dever de ressarcimento pelo causador dos danos delas advindos.369

Traz o artigo 14, em seu parágrafo 4º, a única exceção ao sistema da responsabilidade civil objetiva presente no microssistema do Código de Defesa do Consumidor: a responsabilidade subjetiva atribuída aos profissionais liberais, no caso de defeito da prestação de serviços. Tratando-se de situação caracterizada como vício, os profissionais liberais continuam regulados pela regra geral do artigo 20 do Código de Defesa do Consumidor, com sua responsabilidade objetiva.370

Deseja-se privilegiar com a regra do artigo 14, parágrafo 4° do Código de Defesa do Consumidor, não o tipo de serviço prestado, e sim a pessoa (física) do profissional liberal371. A diversidade de tratamento encontra seu fundamento na natureza intuitu

personae dos serviços prestados por esses profissionais. O contrato fixado entre um profissional liberal e um cliente – é o caso de médicos e pacientes – é constituído com base na confiança.372

Ressalte-se, ainda, que a responsabilidade somente será subjetiva quando a obrigação assumida pelo profissional liberal for de meio, e não de resultado373. Na obrigação de resultado, a responsabilidade seguirá a regra geral do microssistema do consumidor, sendo, assim, objetiva.

369 A responsabilidade civil decorrente do dever de informar será analisada de forma detalhada no tópico em

que se estudará o consentimento informado.

370 Cláudia Lima Marques; Antônio Herman V. Benjamin; Bruno Miragem, Comentários ao Código de

Defesa do Consumidor, cit., p. 249.

371 Cláudia Lima Marques; Antônio Herman V. Benjamin; Bruno Miragem, Comentários ao Código de

Defesa do Consumidor, cit., p. 249.

372 Zelmo Denari, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto: da

qualidade de produtos e serviços, da prevenção e da reparação dos danos, cit., p. 176.

373 Será feita uma abordagem mais detalhada das obrigações de meio e de resultado ao se estudar a natureza