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Responsabilidade civil dos hospitais e das clínicas médicas

uma vez que ao facultativo incumbe, em regra, uma obrigação de meio, e não de resultado. Destarte, o médico assume a obrigação de empregar todos os meios possíveis para obtenção da cura do paciente ou da solução do seu problema de forma satisfatória, não de obtenção desses resultados. Levando-se em consideração que os hospitais e clínicas também prestam serviços de saúde, a questão que se impõe é saber se os nosocômios e

560 No original: “Esta responsabilidad hoy en día es concebida como una responsabilidad objetiva con

fundamento en la idea de garantía, pues han quedado mayoritariamente descartadas las tesis de la culpa in eligendo o in vigilando. De ahí que estando reunidos los requisitos de procedencia de esta responsabilidad, al principal le resulte insuficiente la prueba de su no culpa. En todo caso, el comitente deberá demostrar el casus interruptivo de la relación causal, o bien la falta de los requisitos de procedencia de su responsabilidad indirecta.” (Roberto Vázquez Ferreyra, Daños y perjuicios en el ejercicio de la medicina, cit., p. 89, nossa tradução).

561 No original: “En la actualidad, reiteramos, se entiende con total acierto que la responsabilidad del

comitente es inexcusable” (Alberto J. Bueres, Responsabilidad civil de los médicos, cit., p. 440 − nossa tradução). Essa é a orientação do artigo 1.384 do Código Civil francês, do artigo 2.049 do Código Civil italiano e do artigo 1.113 do Código Civil argentino.

562 Essa responsabilidade também é denominada de transubjetiva (Silvio Neves Baptista, Teoria geral do

clínicas, em razão da natureza do serviço prestado, são responsáveis subjetiva ou objetivamente.

Conforme os ensinamentos de Sérgio Cavalieri Filho, doutrina e jurisprudência enquadravam a responsabilidade dos estabelecimentos hospitalares no artigo 1.521, IV do Código Civil de 1916 (art. 932, IV do CC de 2002), que disciplinava a responsabilidade, com presunção de culpa, dos hotéis e hospedarias. Contudo, diz o autor, esse fundamento perdeu sua razão de ser em face do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, que disciplina a matéria.563

Cabe razão ao autor carioca, como restou demonstrado neste trabalho, no sentido de que a regra do artigo 14, parágrafo 4° do Código de Defesa do Consumidor não pretende privilegiar o tipo de serviço, e sim a pessoa (física) do profissional liberal, in

casu, o médico. Isso se dá em razão da natureza intuitu personae do contrato fixado entre facultativo e paciente, fundado na confiança.

Não se deve olvidar, ademais, que o dispositivo excepcional supõe a contratação de um profissional liberal que, autonomamente, desempenha seu ofício no mercado de trabalho. Trata-se, portanto, de disciplina dos contratos negociados, e não dos contratos de adesão564, a condições gerais.565

Desse modo, a responsabilidade civil do hospital é objetiva566, fundada no risco do empreendimento, conforme o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, pois não

563 Sergio Cavalieri Filho, Programa de responsabilidade civil, cit., p. 380.

564 Nos contratos negociados, há discussão, pelas partes, sobre o conteúdo do futuro contrato. O contrato de

adesão, por outro lado, é aquele “cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo” (art. 54 do CDC). Os contratos de adesão são a concretização das cláusulas contratuais gerais. Essas, por sua vez, são as cláusulas preestabelecidas pelo fornecedor, que têm os atributos da unilateralidade da estipulação, rigidez e abstração (Nelson Nery Junior, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto: da proteção contratual, cit., p. 461).

565 Zelmo Denari, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto: da

qualidade de produtos e serviços, da prevenção e da reparação dos danos, cit., p. 176.

566 “Responsabilidade Civil. Hospital. Parto por cesariana. Queimaduras abdominais graves por uso indevido

do eletrocautério. Código de Defesa do Consumidor. Responsabilidade objetiva. Fato do serviço. Prova do dano e do nexo de causalidade. Minoração das verbas indenizatórias por danos e estéticos. O hospital, enquanto entidade prestadora de serviços de saúde, a responsabilidade é objetiva, conforme o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. O valor da indenização fixado conforme parâmetros da Câmara. Juros e correção monetária, incidentes a partir da data da decisão que fixa o quantum. Deram parcial provimento aos apelos. Unânime.” (TJRS − AC n. 70013390141, 9ª Câmara Cível, rel. Luís Augusto Coelho Braga, j.

há que se falar em contrato intuitu personae e, em regra, os contratos fixados entre pacientes e hospitais são contratos de adesão.

No mesmo diapasão, Carlos Roberto Gonçalves afirma que o Código de Defesa do Consumidor é claro ao fixar que apenas a “responsabilidade pessoal” dos profissionais liberais é alicerçada em culpa. Logo, doutrina o autor, o hospital responderá objetivamente.567

É de se frisar que se o médico tem vínculo empregatício com o hospital, integrando a sua equipe médica, ou se presta serviço para o nosocômio, subordinando-se ao mesmo, responde objetivamente a casa de saúde. No entanto, se o profissional apenas utiliza o hospital para internar os seus pacientes particulares, responde com exclusividade de forma subjetiva568 pelos seus erros, afastada a responsabilidade do estabelecimento.569

Da mesma maneira, as clínicas médicas respondem de forma objetiva pelos serviços prestados, salvo os casos em que o paciente dirija-se a determinada clínica desejando ser atendido por um médico específico e realize com este um contrato de natureza intuitu personae, situação em que a responsabilidade do facultativo será subjetiva.

24.10.2007). “Responsabilidade civil. Hospital. Paciente que contrai infecção hospitalar. Despesas do tratamento da infecção. Inexigibilidade. Aplicação do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Responsabilidade objetiva. Violação ao dever de cuidado. Defeito do serviço. Danos morais. Ocorrência. Os estabelecimentos hospitalares respondem objetivamente pelos danos causados aos pacientes em decorrência da prestação de serviço defeituoso, tudo de acordo com o artigo 14 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Hipótese em que o paciente submetido à intervenção cirúrgica para o implante de haste na coluna vertebral, contrai grave infecção, a ponto de ser necessária nova internação para tratamento da infecção. Demonstrada a falha na prestação dos serviços, mostra-se despropositada a pretensão do estabelecimento hospitalar de exigir que o paciente arque os custos do tratamento da infecção. A aplicação da sanção prevista no artigo 940 do Código Civil de 2002 pressupõe que (i) tenha havido pagamento e que haja (ii) má-fé ou dolo do credor, o que não se verifica no caso concreto. Para a caracterização do dano moral, impõe-se seja a parte vítima de uma situação tal que a impinja verdadeira dor e sofrimento, sentimentos esses capazes de lhe incutir transtorno psicológico de grau relevante ou, no mínimo, abalo que exceda a normalidade. O vexame, humilhação ou frustração devem interferir de forma intensa no âmago do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar, o que se verifica nas circunstâncias, tendo a situação vivenciada pelos apelantes transbordado em muito a esfera dos dissabores inerentes à vida em sociedade. Consideradas a repercussão do dano e as condições econômicas dos litigantes, mostra-se razoável o arbitramento de indenização no montante de R$ 10.000,00, porquanto indeniza satisfatoriamente os apelantes, sem, contudo, provocar seu locupletamento indevido. De outra parte, não causa onerosidade excessiva à apelada. Provimento em parte do apelo.” (TJRS −AC n. 70021430632, 5ª Câmara Cível, rel. Paulo Sérgio Scarparo, j. 10.10.2007, disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/resultado.php>, acesso em: 04 dez. 2007).

567 Carlos Roberto Gonçalves, Responsabilidade civil, cit., p. 370. 568 O contrato volta a ter o caráter intuitu personae.

Anote-se que a responsabilidade civil dos hospitais públicos será estabelecida de acordo com o artigo 37, parágrafo 6° da Constituição Federal570, que determina a responsabilidade objetiva do Estado por danos decorrentes da prestação de serviços públicos, por pessoas jurídicas de direito público ou de direito privado, praticados por seus agentes, nessa qualidade571. Cabe ação de regresso do Estado em face do agente que agiu com dolo ou culpa.

3.21 Responsabilidade civil das clínicas de reprodução humana