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CAPÍTULO 3 – APROXIMAÇÃO ENTRE CULTURA E EDUCAÇÃO

3.1 CULTURA

Ao se falar de Cultura, é comum ouvirmos uma expressão bastante ambígua, vaga, imprecisa, mas bem intencionada que é a de se “levar a Cultura ao povo”. Contra isso, a priori, nada se pode dizer. Temos que levar sim, não só a Cultura, mas também a Erudição, que é o conhecimento da cultura dos outros: a ninguém fará nenhum mal o contato com as peças de Shakespereare e Moliére que infelizmente não eram brasileiros, os quadros de Velásquez e Van Goh, as sonoridades de Mozart e Beethoven.

Nós não devemos, porém – jamais! – esquecer que o povo tem sua própria Cultura. O povo também é artista, porque essa é a condição humana: somos os únicos habitantes da Terra capazes de criarmos Metáforas, e a arte é sempre uma Metáfora. (BOAL, 2005)18

O termo cultura tem dois sentidos iniciais. Segundo Chauí (2010), o primeiro vem do verbo latino colere (“cultivar”, “criar”, “tomar conta”, “cuidar”), que significava o aprimoramento da natureza humana pela educação em

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sentido amplo, isto é, como formação das crianças não só pela alfabetização, mas também pela iniciação à vida na coletividade por meio do aprendizado da dança, da ginástica e de exercícios mentais; com o aprendizado de gramática, poesia, oratória ou eloquência, história, ciências e filosofia. Portanto, culta era a pessoa fisicamente bem preparada, moralmente virtuosa, politicamente consciente e participante, intelectualmente desenvolvida pelo conhecimento das ciências, das artes e da filosofia.

O segundo sentido está relacionado à civilização, ou seja, como resultados e consequências da formação ou da educação dos seres humanos, expressos em obras, feitos, ações e instituições que se manifestam nas formas de organização da vida social e política ou na vida civil, de cidadão. Nesse momento se dá a separação entre natureza e cultura, ou seja, entre homem e a natureza há uma diferença essencial: o homem age por escolha de acordo com valores e fins estabelecidos por ele próprio. A natureza seria o campo da necessidade causal e de efeitos que operam por si mesmos, sem depender da vontade de algum agente. Assim, a cultura é

o campo instituído pela ação dos homens, que agem escolhendo livremente seus atos, dando a eles sentido, finalidade e valor porque instituem as distinções entre bom e mau, verdadeiro e falso, legítimo e ilegítimo, possível e impossível, sagrado e profano. (CHAUÍ, 2010, p. 227).

A autora apresenta outros sentidos para o termo cultura:

a) a palavra cultura como sinônimo de história, que passa a ter esse sentido quando “a relação que os seres humanos socialmente organizados estabelecem com o tempo e com o espaço, com os outros seres humanos e com a natureza, relações que se transformam no tempo e variam conforme as condições do meio ambiente” ( p. 227);

b) a transformação da natureza pela ação do trabalho humano, ou seja, “os seres humanos produzem objetos inexistentes na natureza, organizam-se socialmente para realizá-lo, dividindo as tarefas, daí surgem a invenção do comércio e a classes sociais e, consequentemente, os conflitos gerados pelo poder.”(p. 228);

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c) como ordem simbólica, ou seja, “a capacidade de dar às coisas um sentido que está além de sua presença material, isto é, a capacidade de atribuir significações e valores às coisas e aos homens, distinguindo entre bem e mal, verdade ou falsidade, beleza e feiura; determinando se uma coisa ou uma ação é justa ou injusta, legítima ou ilegítima, possível ou impossível.”(p. 229).

Outro aspecto que se torna pertinente quando se trata dos sentidos da palavra cultura é a de ter menos ou mais cultura, relacionada à posse de conhecimentos. Por isso é um fator positivo ser culto. Outro sentido está relacionado ao fato de se estar habilitado para exercer certa função ou posição. Portanto, nesses dois sentidos, cultura sugere prestígio e respeito, como destaca Chauí (2010, p. 224).

Gruman (2010) manifesta concordância com Chauí no que diz respeito à palavra cultura significar prestígio, quando cita Da Matta:

[...] quando alguém não tem cultura, a referência é à sofisticação, sabedoria, de educação no sentido restrito do termo. Ou seja, pressupõe-se que o volume de leituras, controle de informações e títulos universitários equivalem à „inteligência‟. A cultura em seu sentido antropológico, por outro lado, transcende a noção de refinamento intelectual (cujo adjetivo é „culto‟, e não „cultural‟). A cultura permite traduzir melhor a diferença entre nós e os outros e, assim fazendo, resgatar a nossa humanidade no outro e a do outro em nós mesmos. (DA MATTA, 1981, apud GRUMAN, 2010).

Afirma Gruman que, “ao seguirmos esta perspectiva, tornamo-nos mais respeitosos com relação ao outro porque este outro nada é do que nosso espelho, refletindo a unidade na diversidade. Para além da tolerância, perseguimos a convivência e a harmonia.” (GRUMAN, 2010)19.

Libâneo (2011) propõe a ideia de cultura a partir da visão psicológica, voltada para a escola. Para o autor, existe uma cultura organizacional na escola: os indivíduos e sua subjetividade interferem nas

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Discurso proferido como representante ministerial no Encontro Ibero-Americano de Educação Artística e Cultura, México/2010

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formas de organização e de gestão escolar, pois têm como uma das características básicas a relação interpessoal, tendo em vista a realização de objetivos comuns. Portanto, a bagagem cultural dos indivíduos contribui para definir a cultura organizacional da instituição da qual fazem parte. Isso significa que as organizações – a escola, a família, a empresa, o hospital, a prisão, etc. – vão formando uma cultura própria, de modo que os valores, as crenças, os modos de agir dos indivíduos e sua subjetividade são elementos essenciais para compreender a dinâmica interna delas. (IBIDEM, p. 319)

Na escola é a cultura organizacional que explica o comportamento de cada indivíduo diante da aceitação ou não aceitação de mudanças, nas palavras de Fourquin (1993):

A escola é, também, um mundo social, que tem suas características de vida próprias, seus ritmos e seus ritos, sua linguagem, seu imaginário, seus modos próprios de regulação e de transgressão, seu regime próprio de produção e de gestão de símbolos. (apud LIBÂNEO, 2011, p.320)

Cultura organizacional pode, então,

[...] ser definida como o conjunto de fatores sociais, culturais e psicológicos que influenciam os modos de agir da organização como um todo e o comportamento das pessoas em particular. Isso significa que, além daquelas diretrizes, normas, procedimentos operacionais e rotinas administrativas que identificam as escolas, há aspectos de natureza cultural que as diferenciam umas das outras, não sendo a maior parte deles nem claramente perceptíveis nem explícitos. Esses aspectos têm sido denominados frequentemente de „currículo oculto‟, o qual, embora recôndito, atua de forma poderosa nos modos de funcionar das escolas e na prática dos professores. Tanto é verdade, que os mesmos professores tendem a agir de forma diferente em cada escola em que trabalham. (LIBÂNEO, 2011, p.320)

A palavra cultura se transforma em ações com outras significações quando se relaciona a espaços culturais, como:

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[...] a) fazer da cultura um espetáculo, pago ou gratuito; b) através da cultura tirar os jovens das ruas e da violência e oferecer-lhes uma alternativa para a TV; c) confusão entre “cultura e educação ao tornar o teatro, o cinema, a biblioteca ou centro de cultura em substitutivos para um sistema educacional falido (COELHO, 2006, p.10).

No entanto, a cultura prolifera. Mas que cultura está sendo multiplicada?

Aquela cultura que expressa o senso comum que estaria ligado ao campo artístico e às atividades do lazer. Então, a cultura seria uma espécie de entretenimento, algo a que as pessoas se dedicam no seu tempo livre, fora de seus trabalhos cotidianos, no tempo em que podem relaxar. Nesse ponto vista, a vida cultural estaria ligada ao complexo de produtos e atividades, acessórios, secundários, com algum valor de mercado.(FERREIRA, 2010)

Também Coelho (2006, p.10) menciona que a abertura de teatros e museus “ao povo” quase nunca é pensada para proporcionar uma situação para o povo chegar à criação, mas apenas para aumentar o número de novos espectadores e admiradores, quer dizer, novos consumidores. Isso ocorre, na opinião do autor, pelo fato de que os centros, os espaços culturais, utilizam, no geral, em seu programa de ação, a fabricação cultural como meio de realizá-lo.

A fabricação cultural “é um processo com um início determinado, um fim previsto e etapas estipuladas que devem levar ao fim preestabelecido” (IBIDEM, p.12).

Já a ação cultural ou arte-ação é o “processo com início claro e armado, mas sem fim especificado e, portanto, sem etapas ou estações intermediárias pelas quais se deva necessariamente passar – já que não há um ponto terminal ao qual se pretenda ou espere chegar”. (IBIDEM, p.12)

Há dois propósitos diferentes entre a fabricação e a ação cultural, ou seja, na fabricação, “o sujeito produz um objeto, como um marceneiro faz um pé torneado e, na ação, o agente gera o processo, não um objeto. Por isso,

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o objeto na ação cultural não seria algo programado ou previsto, não existe o controle quando se desencadeia o processo” (IBIDEM, p.12).

Nas palavras do autor, “a cultura é o que move o indivíduo, o grupo, para longe da indiferença, da indistinção; é uma construção que só pode proceder pela diferenciação. Seu oposto é a diluição” (IBIDEM, p.21). Daí a necessidade de que, nos espaços onde ocorra a expressão das várias manifestações artísticas, haja e seja desenvolvida em seu programa de ação a prática da “arte-ação”, para se diferenciar e se destacar em relação a outras existentes, visando a transformação da sociedade.

Nessa perspectiva, espaço de cultura poderá contribuir com a escola na formação do estudante para que este deixe de ser apenas consumidor da produção cultural.

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