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CAPÍTULO 3 – APROXIMAÇÃO ENTRE CULTURA E EDUCAÇÃO

3.2 ESCOLA E ESPAÇO DE CULTURA PARA QUÊ?

A educação pode ser uma modalidade da cultura, mas o universo desta será sempre mais amplo que o campo daquela, de modo que aceitar fazer da ação cultural uma ação educativa é conformar-se em ficar aquém do possível. A ação cultural não se contenta com limitações.

COELHO, 2006, p.32

Os acontecimentos do mundo atual afetam a educação escolar de várias maneiras, como destaca Libâneo (2011):

a) exigem um novo tipo de trabalhador, ou seja, mais flexível e polivalente, o que provoca certa valorização da educação formadora de novas habilidades cognitivas e de competências sociais e pessoais; b) levam o capitalismo a estabelecer, para a escola, finalidades mais compatíveis com os interesses do mercado; c) modificam os objetivos e as prioridades da escola; d) produzem modificação nos interesses, nas necessidades e nos valores escolares; e) forçam a escola mudar suas práticas por causa do avanço tecnológico dos meios de comunicação e da introdução à informática; f) induzem alteração na atitude do professor e no trabalho docente, uma vez que os meios de

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comunicação e os demais recursos tecnológicos são muito motivadores (p.52).

A sociedade atual é denominada por estudiosos como sociedade do conhecimento, sociedade técnico-informacional, cuja ênfase está no saber e na ciência. A consequência disso é as pessoas aprenderem na fábrica, com a televisão, na rua, nos centros de informação, nos vídeos e no computador, ampliando-se, assim, os espaços de aprendizagem (IDEM).

Dessa forma, como já foi mencionado neste estudo, a escola deixa de ser o único lugar que ensina, ou seja,

a instituição escolar (...) já não é considerada o único meio ou o meio mais eficiente e ágil de socialização dos conhecimentos técnico-científicos e de desenvolvimento de habilidades cognitivas e de competências sociais requeridas para a vida prática (IDEM).

O autor, ao falar da importância da escola, relata que “a tensão em que a escola se encontra” não significa seu fim enquanto instituição social e educativa, mas indica um processo de reestruturação dos sistemas educativos e da instituição tal como é conhecida. A escola de hoje terá que conviver com outras modalidades de educação (não formal, informal e profissional) e articular-se e integrar-se a elas, a fim de formar cidadãos preparados para atuar no mundo. Por isso, o ensino escolar deve contribuir para:

a) formar indivíduos capazes de pensar e de aprender permanentemente (capacitação permanente) em um contexto de avanço das tecnologias de produção, de modificação da organização do trabalho, das relações contratuais capital- trabalho e dos tipos de emprego; b) desenvolver conhecimentos, capacidades e qualidades para o exercício autônomo, consciente e crítico da cidadania; c) formar cidadãos éticos e solidários (IBIDEM, p.52-53).

Percebe-se também, nas ações desenvolvidas pelo espaço cultural, a interferência da sociedade do conhecimento. Para Coelho (2006), existe a

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tensão entre produzir arte-ação e fabricação cultural no espaço cultural, sendo que a arte-ação se utiliza da ação cultural, que se baseia na cultura, e a fabricação cultural se apoia na ação educativa. Nas palavras do autor,

a falta de perceber a diferença entre o processo educativo do processo cultural é a principal responsável pelo aparecimento de centros culturais, ou de ação “cultural”, em geral, que são na verdade meros substitutos ou complementos de sistemas educacionais formais falidos (p.29) .

Ao optar pela educação, o centro de cultura busca o mais fácil, trazendo palestras, promovendo debates e cursos (de teatro, de cinema, de desenho, etc.), distanciando-se da arte-ação e da cultura.

Para o autor, existe diferença entre educação e cultura. Ele as coloca em situações distintas: “a educação é o estar, quer dizer, partir daqui para voltar aqui mesmo, permanecer, metaforicamente, preparar-se para o que está, para o que existe, integrar-se ao que existe” (p.29), enquanto “a cultura (como a arte) procura viabilizar o êxtase, o sair para fora de si, sair do contexto em que se está para ver outra coisa, para ver melhor, para ver além, para enxergar sobre, acima, por cima, para ver por dentro”(p.28-29). São projetos excludentes, no entender do autor: ou se desenvolve cultura ou se desenvolve educação nos espaços culturais.

Ao defender a ideia de arte-ação, que se apoia na definição de cultura, Coelho (2006) enfatiza que esta não deve focar no lazer alienante ou na recuperação social de pessoas, pois isso reforçaria a “ação dos aparelhos ideológicos do Estado criados para gerir a crise da cultura e produzir práticas novas em conformidade com essa lógica” (p.50). Existem os programas de TV, espaços culturais, produções de teatro, de dança, de música que não apresentam nada de inovador, por isso não leva a comunidade a pensar, a criticar sua realidade. Não é possível esperar que a sociedade, espontaneamente, financiará práticas que contestem e proponham transformações dela mesma, mas existe um movimento antagônico no seu

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interior capaz de provocar alterações de tempo em tempo, por meio da arte- ação.

Outro aspecto que preocupa o autor é a facilidade que o agente cultural pode ter em conseguir financiamentos para sua produção, e isso fazer com que ele se submeta aos procedimentos de reprodução cultural defendida em escolas, universidades, meios de comunicação de massa, publicidade, bem como “às tentativas constantes de fazer com que tudo se transforme, imediatamente, em dinheiro e lucro” (COELHO, 2006, p.51)

Embora a posição de Coelho traga uma crítica que parece desmerecer o trabalho de grupos que envolvam a cultura, há inúmeros grupos que, com muita dificuldade, conseguem se manter e ter um espaço para a apresentação e a divulgação de seu trabalho junto à comunidade.

Para relacionar-se com essa comunidade, o grupo tem de ser criativo, o que nem sempre é fácil, pois, no geral, a comunidade não se sente nem consumidora nem produtora de cultura. Para ela, o lazer está relacionado a não ir trabalhar, portanto o significado de diversão está em colocar uma música alta, reunir os amigos, umas bebidas e muita dança e muita conversa, dormir muito, ou assistir à TV. Ora, um ponto de cultura precisa inovar para ser mais atraente do que a televisão e a reunião a que as pessoas daquele local estão acostumadas, e, nesse movimento, trazer a arte-ação e cultura, e ao mesmo tempo atrair essas pessoas em torno desta proposta.

Na Bela vista há vários exemplos de grupos que atuam tendo em vista o princípio de arte-ação e cultura defendido por Coelho, como é o caso do grupo da Cia Espaço da Gioconda, do Literatura Suburbana, do Grupo do Teatro Oficina, comandado por José Celso, para citar alguns existentes no bairro.

Segundo Coelho (2006), promover lazer ao homem, que já é massificado por meio da TV, da música, de livros de jornais especializados em cultura; ou promover sua recuperação social, tanto em uma ação quanto e na outra não ocorre ação cultural ou arte-ação.

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É possível dizer que o espaço cultural não vai deixar de atuar nos vários bairros, até porque se espera que ele comece a agir nas comunidades com a intenção de promover a arte-ação, pois é nesse estágio que ele contribui verdadeiramente para que a escola supere a sua mesmice e supere a ação cultural no sentido defendido por Coelho (2006), transformando-se em uma comunidade de aprendizagem, como defende Torres (2003).

Em relação à contribuição que o ponto de cultura pode trazer para a formação do indivíduo, questão levantada inicialmente nesta pesquisa, Ferreira (2010) nos ajuda a refletir, quando afirma que a cultura deve ser

uma necessidade básica, como dormir, vestir e morar. Temos que entender que, sem uma radical mudança de valores, não há salvação para a vida do homem no planeta. Sem o que não haverá desenvolvimento sustentável. Carecemos de outra visão do que seja desenvolvimento da cultura. Os números e os fatos nos mostram que o atual modelo de desenvolvimento desta civilização exauriu-se (2010)

O mesmo poderia ser dito em relação à educação. O ideal é que ela seja uma ação cotidiana, como respirar, para que, a todo o momento, independentemente das modalidades e especificidades, os indivíduos pudessem produzir e ter acesso à produção artística e cultural da sociedade. A ideia de comunidade de aprendizagem pode ser uma alternativa para promover ações compartilhadas entre espaço de cultura e escola, como propõe Torres (2003), para quem a comunidade de aprendizagem é

uma comunidade humana organizada que constrói um projeto educativo e cultural próprio para educar a si própria, suas crianças, seus jovens e adultos, graças a um esforço endógeno, cooperativo e solidário, baseado em um diagnóstico não apenas de suas carências, mas, sobretudo, de suas forças para superar essas carências. (p.83).

Para ela,

assegurar educação e aprendizagem permanente, relevante e de qualidade para todos é fazer da educação uma necessidade e uma tarefa de todos, desenvolvendo e sincronizando os

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recursos e os esforços das comunidades local e nacional, com um forte apoio dos níveis intermediários e do nível central, a fim de assegurar condições de viabilidade, qualidade e equidade (p.83).

Afirma ainda que a comunidade de aprendizagem, não é

um modelo fechado, limitado ao âmbito local, mas uma proposta de política educativa, centrada em uma estratégia de desenvolvimento e transformação educativa e cultural em nível local e nacional, considerando como protagonista e tendo em vista o desenvolvimento humano. Estabelece alianças operacionais e estratégicas em nível micro (comunidade de aprendizagem) e macro (política educativa, social e econômica). Adota uma visão sistêmica do educativo, colocando no centro a necessidade e a cultura em sentido amplo e articulando educação formal/ não formal /informal, escola/comunidade, política educativa/social/econômica, educação e cultura, saber científico/saber comum, educação de crianças/educação de adultos, reforma/inovação, gestão administrativa/gestão pedagógica, os pobres, os grupos „desfavorecidos‟ ou „em situação de risco‟, o global/o local. (p.86)

Portanto, Torres nos traz a preocupação não só da educação permanente, mas também da aprendizagem permanente, que ocorreria na relação entre os vários polos culturais existentes no bairro. Daí a importância desses espaços manterem suas diferenças e especificidades para servirem como polos que participam de uma aprendizagem efetiva.

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