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3.9. Cultura, saberes técnicos e saberes populares em saúde

A cultura é um conjunto de orientações, que os indivíduos herdam como membro de uma sociedade particular, as quais lhe dizem como ver o mundo, como experimenta- lo emocionalmente e como se comportar frente as outras pessoas, aos deuses e ao ambiente natural. Ela também aos indivíduos um modo de transmitir essas informações para outras gerações (HELMAN, p. 12, 2009).

Por certo, a saúde é um traço cultural que está ligada a valores e concepções que fazem parte do seu constructo. Está baseiada na cultura humana, e por tal, tem dentro do seu processo a formalização de instituições e organizações por onde as ações direcionadas são realizadas. Logo, o SUS, por exemplo é uma instituição que influencia no cuidar e produzir saúde por meio de regras culturais técnicas ou tradicionais (CAMPOS, 2002).

Estas proposições vêm sendo discutidas há tempos, com destaque para estudos da teoria do cuidado cultural, já referida. Suas bases envolvem diversos objetos de estudo que vão dos saberes, práticas e crenças ao cuidado à saúde (MELO, 2010). E, quando da percepção que a cultura é um dos determinantes no processo de saúde, não se pode desprender-se que essa afirmativa está relacionada a melhoria das condições de vida e saúde como citado no relatório do CNDSS (OPAS, 2011).

Neste sentido, entendendo que há pluralidades de atendimentos e diversidades sociais frente aos serviços de saúde deve-se considerar estes fatos dentro da realidade das redes de saúde (MELO, 2010). Por certo, atentar-se para as competências culturais neste cenário também é necessário, haja vista que inclui compreender o cuidado cultural, que é uma realidade

29 De acordo com o mesmo autor, foram envolvidos nestes processos o ciclo da borracha na Amazônia e

amazônica. No mais, quando do entendimento desta habilidade, se potencializa o cuidado à saúde reconhecendo as necessidades inerentes a questões regionais e étnicas e os itinerários que podem influenciar nisto (SOUZA et al., 2017).

Nesta direção, há de se pensar sobre os fazeres e saberes nestes cenários. Assim sendo, para a compreensão da importância do reconhecimento dos saberes populares medicinais frente à assistência à saúde, e considerando a conjuntura da Amazônia, permite-se primeiramente descrever a construção dos serviços de saúde frente a essa condição. Este delineamento é necessário para entender como foi disposta as ações e manejos da saúde das populações amazônicas. Mas sobretudo, é necessário demonstrar a sintonia dentro da diversidade cultural e do cuidado à saúde.

Para este percurso importa observar que às ações de educação em saúde no Brasil tem suas raízes nas primeiras décadas do século XX. Continuamente, ao longo dos anos foram realizadas efetivas campanhas sanitárias, sendo da primeira República os registros mais expressivos quanto da expansão da medicina preventiva para algumas regiões do país. Dados apontam que partir da década de 1940 foram realizadas no âmbito do Serviço Especial de Saúde Pública (SESP) ações pontuais na Amazônia. Estas se apresentavam por estratégias de educação em saúde autoritárias, tecnicistas e biológicas, onde as classes populares eram vistas e tratadas como passivas e incapazes de iniciativas próprias (VASCONCELOS, 2001).

Vale ressaltar, portanto, que essa configuração foi norteada na região amazônica pelo SESP com cooperação norte americana. O real objetivo desta parceria internacional ocorrera em detrimento da conservação da saúde dos trabalhadores que extraiam o látex das seringueiras. Esta circunstância foi permeada pelo do ciclo da borracha, assim como dos avanços da mineração nesta região (CAMPOS, 2006; CARVALHO, 2013).

Porém, por um outro ângulo, de acordo com Campos (2008) este serviço além de capacitar diversos profissionais, considerou a realidade (social e espacial) local em suas atividades. Tal fato revela por este certame a orientação do serviço nos aspectos sociais como descreve Lima e Maio (2010). Estes serviços parecem ter indo além dos interesses estratégicos citados por Campos (2006) e Carvalho (2013).

Iniciativas como estas e de educação popular no campo da saúde, se iniciaram concomitante no Brasil na década de 1970. É uma característica peculiar quando a educação popular expressivamente de inspiração freireana e de sua expansão. Por certo, a partir desta configuração começa a ser posta em prática tais ações educacionais como observada, abrangendo novos espaços por meio de entidades que vão além da ação escolar (BRANDÃO, 2001).

Nestes aspectos, Freire (1987) cita que ao investigar a cultura popular, além do entendimento, cria-se com os processos ali desenvolvidos desencadeamentos e construções que podem ampliar a compreensão de saúde. Mas, sobretudo, induz práticas humanizadas de saúde no serviço, além da formulação de políticas públicas com essa fundamentação. Todos esses aspectos foram primordiais para a gestão e avaliação contínua das políticas de saúde.

Nestes termos, há de se fazer reflexões por meio das assertivas de Barbosa, Teixeira e Pereira (2007) pelo qual se instiga que não se deve desconsiderar os critérios de racionalidade que dirigem a cultura das coletividades, pois, entende-se que estes direcionamentos são importantes. De todo modo, essa consideração é revelada pela prática de incorpora elementos populares, ampliando a abordagem profissional, não reduzindo a consulta de saúde a conhecimento científico. Avaliando por essa mesma ideia Cunha et al., (2009) além de compreender da importância da efetivação destes elementos, ainda considera realizá-los por meio de processos dinâmicos construídos pelas características culturais do indivíduo, expandindo também pelas suas subjetividades, contextualizações e experiências.

Portanto, como corroborado por vários autores, as práticas populares em saúde são expressividade das vivências dos indivíduos (BADKE et al., 2012; BADKE et al., 2011; GAMA, SOUSA, CASTRO, 2015). Por certo, práticas em saúde orientadas para conservação do conhecimento popular e efetivação de sua praticidade nos serviços de saúde devem inicialmente ser implementadas pelos profissionais de saúde e gestores (BADKE et al., 2011). É necessário, portanto, que os recursos humanos recebam qualificações dentro dessa orientação, para que seja efetivada (PINHEIRO, BITTAR, 2017).

As tomadas de decisão neste seguimento tem sido alvo de conflitos em algumas ocasiões. “O conhecimento científico algumas vezes tem entrado em conflito com o conhecimento popular, porém, em outras ocasiões tem-se buscado o diálogo entre ambos” (BITTENCOURT, CAPONI, FALKENBERG, 2002, p.89). Pfuetzenreiter (2001), entretanto, aponta que caminhos oportunos devem ser buscados para minimizar tais conflitos, sendo estes a comunicação funcional e efetiva entre os profissionais de saúde e os usuários do sistema. Por certo, é pertinente considerar a seguinte postura para esta orientação:

O aperfeiçoamento da relação profissional de saúde e paciente deve estar centrado principalmente sobre a educação desses profissionais. É durante o período de formação que eles aprendem a se tornar mediadores entre o conhecimento científico e o senso comum, para promover a saúde da população (PFUETZENREITER, 2001,

p.13).

Preza a comunhão de todos esses aperfeiçoamentos dado o contexto cultural da região amazônica, o que daria ao cuidado à saúde destas populações um (re) significado particular. É

sobremaneira muito pertinente quando pensado pela orientação do uso das plantas medicinais, haja vista que, ainda são pertinentemente usadas como tratamento dos agravos à população. A ocorrência deste fato ocorre pela confiabilidade de seu manuseio pelos usuários, assim como do baixo custo, considerando as taxas observadas nos fármacos industriais (FLOR, BARBOSA, 2015; GAMA et al., 2015).

Essa dimensão é bem particular da saúde coletiva, e valendo desta afirmativa, propostas que resgatem estes saberes, além das histórias de luta e resistência, permitem aproximações efetivas junto a comunidades (NASCIMENTO et al., 2014). Corroborando com estes fatos, e sobretudo como um instrumento de resistência de costumes populares, Paz et al., (2015, p. 34), explicita bem das relações multifacetadas observadas pela preservação da medicina popular:

(...) a medicina popular configura-se como um elemento importante para compreender as práticas de saúde e sua relação direta com a espiritualidade, à tradição e à sociobiodiversidade, podendo ainda ser considerada como importante elemento cultural, tendo seu escopo de conhecimentos sido incorporado por determinados grupos populacionais e sedimentados no cotidiano, perfazendo parte indissoluta do que definimos e conhecemos como sabedoria tradicional, regendo, em maior ou menor intensidade hábitos diários; crenças e a forma do indivíduo de encarar a busca pelo restabelecimento, frente uma enfermidade.

E ainda conforme Silva (2016, p. 420)

A prática dos benzimentos reflete vários aspectos de uma sociedade, em especial daquelas pessoas que a detém simbolicamente, perpassando pela necessidade de cura física, espiritual ou simplesmente proteção e benção, demonstrando características da cultura, religiosidade, saberes e imaginário daqueles que benzem e também das pessoas que os procuram. Seu objetivo fundamental está na obtenção de cura, porém em na história, o diálogo entre práticas não científicas de medicina e profissionais formados na área sempre causou embates e conflitos, exaltando as diferenças, forças e potencialidades de cada agente.

As resistências, portanto, como observado são várias, não cabendo somente entre a execução e aceite pelos serviços de saúde. Neste aspecto, para a sobrevivência e continuidade desta cultura ao longo do tempo o que se tem identificado é a reinvenção do cotidiano destes saberes por meio de novas estratégias que permitem a contínua transmissibilidade destas tradições (ALBUQUERQUE, FARO, 2012). Cabe, portanto, entender que as práticas tradicionais dentro destes contextos são pertinentes, ainda que exista uma crescente desvalorização do ofício em virtude da incorporação de novas configurações da medicina moderna (PAZ et al., 2015).

São condições inclusive muito bem afirmadas quando das discussões das DSS, que confirma que não há como diluir tais saberes da formação do indivíduo (BRASIL, 2008). De todo modo, vale atribuir também que o processo saúde-doença e todas as suas estruturas metodológicas e conceituais, tem se associado ao modo como a sociedade vem se organizando.

Tais configurações demonstram como vivências e experiências do cuidado à saúde estão intimamente correlacionadas dentro do arcabouço de uma comunidade (PAZ et al., 2015).