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Customização em massa nas indústrias de comunicação

3.4 CUSTOMIZAÇÃO EM MASSA DE INFORMAÇÃO

3.4.1 Customização em massa nas indústrias de comunicação

A customização em massa na indústria de comunicação é tratada, inicialmente por Toffler (2001, 2007) quando esse percebe, nos anos 1970, a necessidade cada vez menor do público de massa e a tendência à segmentação de mercados na mídia. No livro “O choque do futuro”, Toffler (2001) menciona o impulso em direção à diversidade, permitida pela afluência social e pelas tecnologias, que se manifestavam no cinema, no rádio e na mídia impressa da época. A televisão, naquela época, podia ainda estar homogeneizando gostos, mas, com o tempo, começaria “a fragmentar sua produção, e a cortejar, em vez de contrariar, a crescente diversidade do público consumidor.” (TOFFLER, 2001, p. 228).

Para Neuman (2001), as tecnologias de comunicação desempenhariam papel relevante, ou ao menos, aumentariam a capacidade de melhorar a comunicação e empoderar o indivíduo para controlar o processo de comunicação. Na sua visão, elas permitiriam o aumento da habilidade do usuário de selecionar, controlar e manipular o fluxo de informação.

Neste início de século, percebe-se que a tecnologia aumentou a habilidade de os indivíduos filtrarem o que eles querem ler, ver e ouvir (SUNSTEIN, 2007). Em razão disso, o mercado de notícias, entretenimento e informação tornou-se mais perfeito do ponto de vista da audiência.

em massa das organizações jornalísticas no livro “A terceira onda”, Toffler (2007) não imaginava a desmassificação na intensidade proporcionada pelas tecnologias atuais, evidentemente (BALOCH; KAREEM, 2007). Conjecturava que os meios de comunicação de massa na sociedade do conhecimento não expandiriam sua influência, todavia, seriam forçados a dividi-la, seriam repelidos em muitas frentes ao mesmo tempo. Com isso, deixariam de atuar no mercado de massa para se dedicar ao mercado de nicho, de públicos segmentados (TOFFLER, 2007). A definição mais precisa de audiência e o direcionamento de conteúdo para audiências cada vez mais específicas, chegando até mesmo no nível do indivíduo, é resultado do uso da tecnologia de computação em pesquisas de audiência nas indústrias de mídia (STRAUBHAAR; LAROSE, 2004).

Apenas uma década depois de Toffler (2001) comentar que a televisão também apresentaria conteúdo customizado, aparece a Cable

News Network (CNN), considerada por Pine II (1994), uma das primeiras, senão a primeira empresa de comunicação, a se aventurar no mercado de customização em massa. Lançada em 1980 por Ted Turner, a CNN, segundo o autor supracitado (1994, p. 176),

[...] era um serviço de notícias via cabo disponível 24 horas por dia – quando as pessoas quisessem notícias, elas poderiam simplesmente sintonizar a CNN. Eram ‘notícias sob encomenda’, que se ajustavam à programação de cada telespectador individualmente, mais do que da própria emissora. Turner logo enfocou também o fornecimento de notícias adequadas onde as pessoas quisessem, garantindo a colocação de seu serviço em redes a cabo por todo o país, e depois pelo mundo, através de conexões via satélite.

No terceiro estágio da segmentação (o primeiro foi baseado nas características demográficas; o segundo enfocou estilos de vida e interesses de lazer mais e mais específicos), algumas publicações e programas de rádio e televisão começaram a oferecer mensagens individualizadas aos assinantes em seus anúncios publicitários, bem como programação ajustada ao gosto de cada telespectador (STRAUBHAAR; LAROSE, 2004).

Toffler (2001) vislumbrava a oferta de conteúdos sob medida para os consumidores de informação. Para ele, o jornal do futuro seria muito peculiar, não ofereceria o mesmo conteúdo aos indivíduos. O

cenário imaginado pelo autor se baseava nas previsões de Joseph Naughton, matemático e especialista em computação da Universidade de Pittsburgh que, nos anos 1960, sugeriu o desenvolvimento de um sistema para armazenar o perfil individual da audiência -dados sobre a ocupação e os interesses dos indivíduos-, em um computador central. Em tal sistema, as máquinas deveriam pesquisar jornais, revistas,

videotapes, filmes e outros materiais; compará-los com o perfil de interesses do indivíduo e se algo fosse de potencial interesse do indivíduo, alertá-lo imediatamente. “O sistema poderia ser ligado a máquinas de facsímile [sic] e a transmissores de TV que exporiam ou imprimiriam esse material em sua própria sala de estar.” (TOFFLER, 2001, p. 229).

Mais recentemente, em 2001, Gunther Bottcher, então diretor de gestão do Ifra, organização internacional que representa as editoras e as empresas de tecnologia, disse no Ifra Trends 2001 que o futuro da mídia será um mercado de compradores dado que a audiência contará com um conjunto quase ilimitado de produtos e, desses, escolherá aqueles adaptados aos seus interesses e com qualidade de conteúdo (QUINN, 2002).

As mudanças de atitude no consumo de notícias foram impulsionadas nas últimas décadas por vários fatores, dos quais se destacam os culturais e os tecnológicos (ANDJELIC, 2008; SCHMITT; OLIVEIRA; FIALHO, 2008). Por isso, na sociedade do conhecimento, a audiência não pode ser vista como um ser passivo, mas como um sujeito interativo, um indivíduo que espera receber informações ajustadas aos seus gostos e necessidades (FIDLER, 1998).

Diferente da Era Industrial, os fornecedores não controlam mais ativamente o processo de comunicação, nem a audiência aceita passivamente esse controle, muito menos deixa o controle dos eventos e mensagens dos meios de difusão nas mãos dos produtores (FIDLER, 1998). No ambiente midiático atual, está emergindo um novo modelo comunicativo, um modelo baseado na participação do usuário, um modelo interativo (SCHMITT; FIALHO, 2007; STRAUBHAAR; LAROSE, 2004).

No modelo de comunicação de massa, a audiência tem participação limitada, com poucas oportunidades de comunicar-se de volta com a fonte (STRAUBHAAR; LAROSE, 2004). Quando sites solicitam que o usuário se registre e então passam a tratá-lo pelo nome ou a adaptar o conteúdo para suas preferências, adicionam uma dimensão pessoal para a comunicação de massa (STRAUBHAAR; LAROSE; DAVENPORT, 2009). No modelo de comunicação

interativa, o emissor e o receptor têm papel ativo no processo de comunicação (STRAUBHAAR; LAROSE, 2004). Este modelo está emergindo como consequência do aparecimento de novas tecnologias que permitem maior interatividade e valorização do indivíduo e de suas necessidades (DALMONTE, 2008).

Segundo Straubhaar, Larose e Davenport (2009), em sentido amplo, interatividade significa que o conteúdo de um sistema de mídia pode ser selecionável ou customizável pelo usuário. É a terceira forma de interatividade proporcionada na web, a primeira foi navegacional; a segunda, conversacional (THURMAN, 2011). Zeng e Li (2006) entendem interatividade como um tipo de personalização, pois o recebimento de conteúdo personalizado de um jornal requer interação entre os usuários e o conteúdo disponível no site. Nos jornais on-line que oferecem tal recurso, ao invés de o usuário ler o que o editor pensa que é notícia, ele lê uma seleção de notícias adaptada às suas necessidades e preferências (ZENG; LI, 2006), que podem ser aferidas mediante coleta explícita e implícita de dados dos usuários (SCHMITT; OLIVEIRA, 2009). Thurman (2011), ao contrário de Zeng e Li (2006), define personalização como uma forma distinta de interatividade, classificando-a em personalização explícita e personalização implícita. Alguns autores colocam a personalização dentro da interatividade (THURMAN, 2011), outros a consideram uma potencialidade autônoma (ZAMITH, 2009; KAWAMOTO, 2003). Os primeiros autores, a considerar a personalização como característica autônoma, foram Willians, Rice e Rogers (1998), que no texto original denominavam o controle do usuário sobre seu consumo de notícias de desmassificação.

Castells (2002, p. 422) acredita que

[...] o fato de a audiência não ser objeto passivo, mas sujeito interativo, abriu caminho para sua diferenciação e subseqüente transformação da mídia que, de comunicação de massa, passou a segmentação, adequação ao público e individualização, a partir do momento em que a tecnologia, empresas e instituições permitiram essas iniciativas.

Já se percebe uma remodelação da mídia para o atendimento das necessidades de maneira individualizada, uma vez que as possibilidades tecnológicas habilitaram entender a audiência de forma distinta (DALMONTE, 2008). No novo cenário de consumo, as empresas de

comunicação são forçadas a explorar novos modelos de negócio para extrair valor de seu mercado, simultaneamente, enfrentam a necessidade de desenvolver novas soluções estratégicas para entregar valor a audiência (ANDJELIC, 2008). Os principais ativos das organizações jornalísticas para sobreviver no futuro são a qualidade de relacionamento com os consumidores de notícias (novos e atuais) e a habilidade de produzir conteúdo que agrade à audiência (SAARI, 1998b).

A individualização de um produto informativo não é uma possibilidade tecnológica quase limitada, é uma realidade que está se concretizando através de técnicas cada vez mais avançadas (MARTIN BERNAL, 2004). Nos últimos anos, “a demanda do consumidor e a tecnologia estão mudando o caminho que as notícias são lidas e oferecidas” (KIRCHHOFF, 2009, p. 13, tradução minha).

Diferente da mídia impressa tradicional na qual os editores determinam a importância das notícias pela sua localização e distribuição na página (KNOBLOCH-WESTERWICK et al., 2005; KIRCHHOFF, 2009; JUNG, 2003), na web, pode-se usar softwares sofisticados ou tecnologias na tentativa de imitar o trabalho do editor (KIRCHHOFF, 2009). Tais programas podem compilar automaticamente links de conteúdos de jornais, agências de notícias, blogs e outras fontes (KIRCHHOFF, 2009). Indo além, sites podem incorporar sistemas de recomendação para que escolhas sejam feitas pelos e para os usuários, com o objetivo de entregar informações que melhor se adaptam as suas necessidades (SAGLAM, 2008) e que poderiam ser perdidas devido à sobrecarga de informação (BRUSILOVSKY; KOBSA; NEJDL, 2007). Nestes casos, o papel do editor ou dos jornalistas como filtro humano de informação (THURMAN, 2011) é exercido pelos programas e/ou usuários, já que o empacotamento das notícias é feito segundo o perfil de usuário armazenado em banco de dados (GAUCH et al. 2007; FRIAS CASTILLO; REY MARTÍN, 2009; SAGLAM, 2008). Os mecanismos de personalização permitem que decisões editorias sejam tomadas por algoritmos, que observam o que os usuários clicam, e pelos usuários finais, que decidem o que consomem (THURMAN, 2011). A internet não elimina os intermediários, mas troca quem eles são: os novos mediadores – os novos gatekeepers - são invisíveis (PARISER, 2011).

Se considerarmos que os editores fazem ideia do que interessa ao leitor, uma vez que publicam notícias mediante critérios de seleção de fatos e enfatizam a proeminência delas por meio de sua disposição nas páginas, tamanho de fonte ou acréscimo de fotos ou ilustrações, pode-se

dizer que tanto editores quanto sistemas computacionais apresentam notícias que podem interessar ou ser de valor para os usuários (KNOBLOCH-WESTERWICK et al., 2005; LAGE, 2001). Não se pode negar que individualização abre discussões sobre o poder editorial e a função de agendamento jornalístico (JUNG, 2003).

Embora existam ligeiras diferenças entre as indústrias e as empresas de mídia, a cadeia de valor básica envolve: a) adquirir e criar conteúdo; b) selecionar, organizar, empacotar e processar conteúdo; c) produzir/fabricar/transformar conteúdo em forma distribuída; d) distribuição; e) atividades de marketing, publicidade e promoção (PICARD, 2002). Conforme mostra a Figura 7, o processo de produção, em uma cadeia de valor genérica do setor midiático, envolve a produção, o empacotamento e a distribuição de conteúdo (RAUSCHER; THALLMAYER; HESS, 2007). Na produção, a customização é negligenciada devido aos custos de se criar serviços personalizados de informação para um único consumidor (RITZ, 2002b). No empacotamento, nível que se aplica a customização (RITZ, 2002b), os módulos de conteúdo (matérias jornalísticas e publicidade) podem ser reunidos e distribuídos individualmente (RAUSCHER; THALLMAYER; HESS, 2007).

Figura 7 - Customização dentro da cadeia de valor de empresas de mídia

Fonte: Traduzida de Rauscher, Thallmayer e Hess (2007, p. 53).

Para Ritz (2000), a modularidade ou produção por módulos, é um fator fundamental para a produção eficiente de produtos customizados. No caso do setor midiático, não há dúvidas disso. Bens de informação, tais como notícias e documentos em bibliotecas digitais são fáceis de customizar devido à sua modularidade de conteúdo (LIANG et al., 2008). Dentre os tipos de modularidade apresentadas por Pine II (1994), seccional, por compartilhamento, por permuta de componentes, por ajuste de componentes, por mix e, por bus, as empresas de comunicação utilizam o último (SAGLAM, 2008), que emprega uma estrutura capaz

de receber um número de diferentes tipos de componentes. Segundo Pine II (1994, p. 221),

O termo [bus] vem de computadores e outros equipamentos eletrônicos que podem usar um bus, ou plano posterior, que constitui o caminho principal da transferência de informação entre as unidades de processamento, memórias, disks- drive e outros componentes ligados a um bus. A revista Farm Journal, criada em 1877 para atender fazendeiros na Filadélfia é citada como exemplo deste tipo de modularidade por Pine II (1994). Com tiragem nacional no início, em 1952, ela começou a produzir versões regionais. A partir de 1980, foi progressivamente customizando suas edições ao montar um banco de dados com informações sobre as fazendas dos assinantes, contendo, por exemplo, dados sobre safra ou animais criados e número de acres dedicados a cada colheita. Naquela época, centenas de diferentes edições da revista foram enviadas aos assinantes, cada uma apresentando um núcleo editorial de aproximadamente 50 páginas, juntamente com artigos e propaganda individuais baseados nas informações armazenadas na base de dados (PINE II, 1994). A estrutura da revista e o processo pelo qual era criada forneciam o bus para que números diferentes de páginas editoriais, propagandas e artigos fossem anexados para assinantes individuais (PINE II, 1994).