• Nenhum resultado encontrado

3.4 CUSTOMIZAÇÃO EM MASSA DE INFORMAÇÃO

3.4.2 Explorando a ideia do jornal personalizado

Diferente do jornal tradicional onde o conteúdo é selecionado pelo editor, no jornal personalizado o conteúdo é selecionado pela audiência ou por algoritmos de computador que predizem as preferências de conteúdo dos usuários (CROSBIE, 2009b; SCHODER; PUTZKE; FISCHBACH, 2010; THURMAN, 2011). Apesar de Vandevanter (2009a) afirmar que a ideia do jornal personalizado teve início em meados de 1930, tentativas de entrega customizada de notícias apareceram ao longo da história das notícias (BRIGGS; BURKE, 2006; RAMÍREZ, 2005). A adaptação de conteúdo36 é anterior ao

36 Segundo a Future Exploration Network (2007), a adaptação de conteúdo

(notícias e informações) e publicidade praticada (ou não) pelas indústrias de comunicação é classificada conforme o grau de adaptação em: a)

aparecimento da mídia digital, que tornou possível aos editores dar à audiência um grau de controle maior sobre a informação consumida e como essa informação pode ser entregue e apresentada (SUNDAR; MARATHE, 2010; THURMAN, 2011).

No século 16, graças à flexibilidade da forma manuscrita cartas noticiosas manuscritas eram enviadas para assinantes na Europa, segundo seus interesses e necessidades individuais (BRIGGS; BURKE, 2006). Disponível só para indivíduos ricos, esse serviço ainda encontrou mercado após o aparecimento dos noticiosos impressos, pelo menos até 1671 (BRIGGS; BURKE 2006). Por um período, os boletins informativos manuscritos e impressos existiram lado a lado (ALBERT; TERROU, 1990; RIZZINI, 1977). No começo do século 17, os jornais manuscritos apresentavam algumas vantagens em relação aos jornais impressos, entre as quais, a possibilidade de ser customizados para os interesses de um leitor específico (KING, 2010).

Com a popularização da imprensa de Gutenberg, que deu início a prática editorial de criar uma edição de jornal para todos os leitores, este serviço de envio de notícias se tornou economicamente pouco atraente. No entanto, não foi abandonado completamente. Tentativas de envio de jornais individualizados via fac-símile tem início na primeira metade do século 20 (RAMÍREZ, 2005; SAGLAM, 2008; VANDEVANTER, 2009a). Segundo Vandevanter (2009a), em 1936, 300 lares americanos imprimiram reportagens via fac-símile usando ondas de transmissão de rádio AM, primeiro, em Nova York, depois, em Chicago e Cincinnati. Mais tarde, em 1947, John S. Knight ofereceu centenas de edições do jornal Miami Herald através da estação de rádio WQAM-FM. Uma terceira tentativa, conforme o autor supracitado, é realizada na década de 1960 no Japão, quando foi oferecido um jornal impresso via fac-símile através de ondas não utilizadas pela TV. Por volta de 1985, o serviço de informação empresarial Knight Ridder disponibilizou mais de 30 jornais personalização nula, a maior parte do conteúdo e da propaganda não é personalizada; b) personalização de conteúdo, direcionamento de conteúdo para públicos específicos, permite publicidade personalizada; c) personalização demográfica, publicidade e conteúdo podem ser personalizados segundo dados demográficos do público, exige que se combine o indivíduo com um perfil, que pode ser gerado, por exemplo, por

cookies ou endereços IP; d) personalização individual, dirigida para um

indivíduo, exige perfis de usuário, possivelmente gerados por meio de um processo de registro, e habilidade de identificação individual de cada membro do público. Observa-se que na personalização de conteúdo ocorre segmentação, não individualização de notícias e publicidade.

totalmente via VU/Text, o mais conhecido exemplo de sistema de transmissão de texto completo para impressão em impressora doméstica através de um computador pessoal (VANDEVANTER, 2009a).

Nos anos 1980, uma série de jornais americanos passou a oferecer resumos, notícias e serviços de informação por meio de fac- símiles como tentativa de apresentar conteúdo customizado aos assinantes (SILVA JR, 2000). No entanto, o uso de tais aparelhos como “impressora” de edições pessoais de jornais não teve uso generalizado devido ao custo das telecomunicações e de manutenção e insumos dos aparelhos (FIDLER, 1998). Não é à toa, que as tentativas de transmissão por fac-símile falharam, sendo gradativamente substituídas pela transmissão digital (VANDEVANTER, 2009a).

Não se pode negar que os jornais tiveram que aguardar o amadurecimento da internet para suportar o processo de customização: a distribuição de jornais personalizados para usuários individuais (DAVIS, 1990; SHAPIRO; VARIAN, 1999). O processo para a personalização do jornal começou algumas décadas antes, a partir de 1970, quando os editores começaram a converter suas tecnologias de mão de obra intensivas da Era Industrial para sistemas digitais (FIDLER, 1998). Como resultado, o processo de produção do jornal se tornou digital.

Nos anos 1980, a digitalização da informação na indústria dos jornais transformou as formas de transmissão, os suportes e a própria estrutura dos meios de comunicação (ROJO VILLADA, 2008; SAGLAM, 2008) Em face disso, Rojo Villada (2008, p. 28-29, tradução minha) aposta que no futuro os conteúdos e serviços serão inteligentes e estarão adaptados ao perfil de cada usuário, que poderá acessá-los por meio de aplicações inteligentes. John Solomon (2009, apud HARPER, 2009), ex-diretor executivo do jornal The Washington Post, por seu turno, vê como grande desafio para a indústria dos jornais o desenvolvimento de novas plataformas de distribuição de conteúdo segundo o que os usuários querem, quando eles querem e onde eles querem. Ambos apostam na individualização como novo modelo de negócio dos jornais porque no futuro as organizações jornalísticas tendem a contar com menos receitas dos anunciantes. A oferta de notícias customizadas é uma forma de aumentar as receitas (PICARD, 2010b).

Para Sundar e Marathe (2010), a verdadeira inovação funcional subjacente à revolução da customização não está na adaptação de conteúdo, mas na capacidade de o receptor adaptar seu próprio conteúdo, isto é, moldar a natureza e o curso do conteúdo que consome.

Isto vai ao encontro do que diz Picard (2000): a revolução não está no conteúdo, está em softwares, equipamentos e infraestrutura e em suas capacidades para apresentar e disseminar conteúdo. As novas tecnologias permitiram mais flexibilidade de uso, possibilitaram ao indivíduo mais controle e escolha de conteúdo, consequentemente, diferentes formas de participação e recebimento de conteúdo (PICARD, 2000).

O significativo declínio de leitura dos jornais37 impressos e de recursos publicitários, e o número crescente de indivíduos que leem notícias on-line, conforme mencionado no capítulo 1, fomenta o debate sobre a customização de notícias e seu sucesso (GUNTER, 2003; HAUSER, 2009; SCHODER; PUTZLE; FISCHBACH, 2010). Pois, ao mesmo tempo em que a internet impôs um conjunto de desafios para os jornais, abriu novas oportunidade de produção e distribuição de notícias e informações. Este cenário obriga os publicadores de jornais e seus editores a planejar estratégias para tirar o máximo de vantagens do ambiente digital que oferece novas possibilidades de empacotamento, apresentação e consumo de notícias (GUNTER, 2003).

A filtragem de conteúdo não é ruim nem nova, pois ao longo da história os leitores fizeram escolhas, consciente ou não (HARPER, 2009). O simples ato de ler ou ignorar uma notícia ou seção no jornal -a maioria dos indivíduos lê sempre as mesmas seções dos jornais (SCHODER, 2007; THURMAN, 2011) -, de trocar canais de televisão ou de sintonizar uma estação de rádio consiste na escolha do que se vai consumir. Os jornais produzidos em massa oferecem algum material desejado para todos os membros da audiência porque apresentam grande variedade de artigos e seções, todavia, apresentam muito material não desejado, pois os leitores de jornais não leem três quartos do material apresentado (PICARD, 2010b). Em algum grau, o consumidor sempre consome algumas notícias e informações segundo seus interesses e ocupações e ignora o resto (PARISER, 2011).

A individualização de conteúdo também é motivo de debate na mídia impressa. Em 2008, foi lançado o jornal PersonalNews. Em sua fase experimental, o jornal permitia aos leitores criar seu próprio jornal individualizado através de um portal de internet e receber o jornal em formato impresso (SCHMITT, 2010). Segundo Dorsch (2009), buscava-

37 A popularização da internet, a oferta de jornais gratuitos, a deserção dos

leitores jovens e a queda nas receitas publicitárias contribuíram para o declínio dos jornais na primeira década do século 21 (ROJO VILLADA, 2008).

se com o PersonalNews aumentar a circulação do jornal impresso, reconquistar leitores que haviam migrado para as novas mídias e coletar dados do indivíduo e de seu comportamento de uso, só para citar alguns objetivos. Na conferência Personalize Media, realizada em 2007, vários projetos individualizados no formato impresso e digital foram apresentados (SCHMITT, 2010).

Nos últimos anos, muitos serviços personalizados de notícias têm aparecido na internet, tecnologia que favoreceu o desenvolvimento de ferramentas que tornaram o processo de adaptação de conteúdo mais amplo, fácil e melhor estruturado (HAUSER, 2009; SAGLAM, 2008). Se antes a audiência dependia de um filtro humano para selecionar notícias, agora programas de computador podem oferecer a cada e a todos os indivíduos o que eles desejam, desde que conheçam suas preferências (DEUZE, 1999; FRÍAS CASTILLO; REY MARTÍN, 2009). A personalização é sempre dependente da aquisição e criação de perfis de usuários, que neste início de século, inicialmente, foi percebida como um entrave para o desenvolvimento de jornais personalizados (BILLSUS; PAZZANI, 2007; SUNDAR; MARATHE, 2010; TURPEINEN, 2000).

As notícias transmitidas via web se beneficiam das vantagens do conteúdo digital, isto é, possibilidade de divisão em módulos e ausência de interfaces físicas, e da interatividade possibilitada pelo meio para o recebimento e o processamento de dados dos usuários para as propostas de customização (RAUSCHER; THALLMAYER; HEES, 2007). Segundo Gunter (2003), a CNN se viu forçada e liderou o caminho na oferta de serviços personalizados de notícias por e-mail, pagers, telefones móveis por volta dos anos 2000. Em seguida, jornais tradicionais, como Times e The Wall Street Journal tentam juntar-se nesta corrida através da experimentação de serviços personalizados de notícias em suas edições on-line (GUNTER, 2003).

Antes de Negroponte (1995), cuja obra é de mais relevância sobre o assunto (RAMÍREZ, 2005), Pine II (1994) já imagina que o avanço tecnologia faria emergir jornais personalizados, isto sem mencionar Toffler (2007). Pine II (1994) anteviu que as tecnologias permitiriam armazenar o perfil dos usuários para entregar notícias por computador que se ajustassem às necessidades do usuário.

Negroponte vislumbrou que os fornecedores de notícias conheceriam cada indivíduo o suficiente para fornecer edições completamente personalizadas (FIDLER, 1998). Para isto, contariam com “[...] um sistema totalmente computadorizado, que selecionaria material automaticamente – sem ajuda de editores humanos – de todas

as fontes informativas disponíveis, baseado em um perfil dinâmico dos interesses de seus leitores” (FIDLER, 1998, p. 361, tradução minha). Negroponte (1994) imaginava um jornal personalizado em que o indivíduo poderia ligar e desligar o botão de personalização, isto é, um jornal que, dependendo da disponibilidade de tempo do usuário, de seu humor e da hora do dia, teria um grau maior ou menor de personalização.

Negroponte (1995) não defendia a ideia de um jornal totalmente personalizado, assim como Bharat, Kamba e Albers (1995, 1998) que conceberam o Krakatoa Chronicle. Bharat, Kamba e Albers (1998) acreditavam que um jornal totalmente personalizado era inadequado, uma vez que o usuário não seria exposto a desenvolvimentos importantes nem seria incentivado a ter novos interesses. Na atualidade, o agregador de notícias Google News oferece o botão de ligar e desligar a personalização, imaginado por Negroponte (1994). Na base da homepage, uma vez logado no site o usuário pode optar por visualizar sua edição personalizada e a edição padrão.

Na internet, a audiência pode estar buscando mais conteúdo, mas somente que notícias e informações de interesse (ROJO VILLADA, 2008). Por isso, o serviço de informação de um site de notícias torna-se mais valioso se a informação puder ser filtrada e classificada. Assim, o usuário interessado em determinados assuntos receberá menos informação, mas com mais valor (SHAPIRO; VARIAN, 1999).

Quando escreveu Mediamorphosis: understanding new media em 1997, Fidler (1998) imaginava que versões do Daily Me seriam uma realidade antes de 2010, graças ao desenvolvimento de microprocessadores mais poderosos e bandas de telecomunicação mais largas. A história mostra que eles apareceram antes da data prevista pelo autor.

No ambiente digital, “o universo de consumo/recepção mostra-se mais complexo, visto que o indivíduo pode se movimentar de acordo com seu interesse, buscando a gratificação/satisfação para suas demandas.” (DALMONTE, 2008, p. 13). Em 1997, ao estudar a teoria dos Usos e Gratificações aplicada no contexto dos jornais on-line, dentro da perspectiva da audiência, Mings (1997) observou, por meio de seu estudo empírico, que sites com características de personalização foram mais bem avaliados do que aqueles sem tais características. Pode- se argumentar que tal avaliação deve-se ao fato que a adaptação de conteúdo, respeita as motivações e as escolhas do indivíduo.

Nos jornais on-line, dados e informações sobre os usuários podem ser coletados de forma implícita ou explícita (SCHMITT;

OLIVEIRA, 2009; VESANEN, 2007). Entre os dois métodos, Shapiro e Varian (1999) recomendam o método explícito de coleta de dados, pois, para os autores (1999, p. 71), “as melhores informações sobre os clientes vêm diretamente deles, como quando eles comunicam suas necessidades e indicam os produtos que gostariam de ver ou as categorias de informação que lhes interessam.” Este método, como se verá no capítulo seguinte, não é o mais recomendado pela comunidade da área computacional, pois demanda esforço por parte do usuário.

Para os autores contra a ideia do jornal personalizado, entre os quais, cita-se Sunstein (2007), Lasica (2002) tranquiliza dizendo que o uso de estratégias de personalização não significa que os jornalistas vão perder seu papel de classificar, filtrar, priorizar e dar sentido as notícias, significa que as necessidades dos usuários devem ser trazidas dentro do processo de uma maneira direta e significativa. Essa opinião é compartilhada também por Wolton (2010, p. 71) que salienta: “Não há informação-notícia sem jornalistas para produzi-las e, principalmente, para dar-lhes legitimidade.” O que se imagina é: parte das decisões editoriais será tomada pelo julgamento de uma classe editorial profissional, parte, por algoritmos, que devem promover o que os usuários gostam de ler (PARISER, 2011).

A tendência é que os donos de jornais tratem os consumidores de notícias como os merceeiros do século 20 tratavam seus clientes: vão saber seus nomes, suas preferências e seus hábitos de consumo e compra. Enfim, vão personalizar a experiência de acordo com cada assinante ou consumidor de notícias (TAPSCOTT; TICOLL; LOWY, 2000) e, assim, gerar vantagem competitiva, além de oportunizar a criação de conhecimento organizacional.

3.5 CUSTOMIZAÇÃO EM MASSA COMO ESTRATÉGIA