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Da década perdida à guinada institucional: a terceira fase da RIOAB (1871-1888)

11%Primeira Parte: Doutrina

4.1.3 Da década perdida à guinada institucional: a terceira fase da RIOAB (1871-1888)

As mudanças promovidas a partir de 1867 representaram, à primeira vista, o início de um futuro alvissareiro e longevo para o periódico, que pouco a pouco começava a se consolidar no mercado editorial a ponto de, ante os hiatos em sua periodicidade, receber cobranças para que voltasse a ser publicado542. Todavia, esse promissor horizonte foi novamente interrompido, desta vez por um período muito mais longo, em razão das vicissitudes internas do Instituto, recuperando fôlego somente quando a Instituição passa por uma reconfiguração geral interna, após dez anos sem que a Revista fosse a prelo (afinal, o número correspondente ao período de 1871-1880 foi impresso somente em 1881).

Em que pese já se tenha afirmado que a publicação não é imediato reflexo das alterações no Instituto, é interessante perceber algumas coincidências. Ao fim e ao cabo, cada uma das fases da Revista aqui identificadas corresponderam ao mandato de um dos três Presidentes que se sucederam no arco temporal de 26 anos escolhido como o recorte para a presente pesquisa: Agostinho Marques Perdigão Malheiros esteve à frente do Instituto (1861- 1866) no período correspondente à primeira fase (1862-1865); a gestão de José Thomaz Nabuco de Araújo (1866-1873) abarcou a segunda fase (1867-1871); e a direção de Joaquim Saldanha Marinho (1873-1892) abrangeu majoritariamente a terceira fase (1871-1888).

542 Na conferência de 25 de maio de 1870, Luiz Alvares de Azevedo, que acabava de ter deixado o cargo de

Secretário, declara ter sido abordado por algumas pessoas que, acreditando ser ele ainda o Secretári do Instituto, reclamaram a publicação de novos exemplares da revista, notícia que compartilha ao Plenário sugerindo a conveniência de que “o Institute trate de publicar os números, como prometem os Estatutos. O Sr. Presidente chama a attenção da comissão de redação para a moção do Sr. Dr. Luiz Alvares”. Cf. RIOAB, v. 6, n. 1, 1771- 1880. p. 144.

Perdigão543 assumira o cargo evocando a já explicitada bandeira de reforçar a vocação acadêmica do Instituto – e assim o fizera, dentre outras medidas, impulsionando a criação da

Revista. Thomaz Nabuco de Araujo544, eleito muito em razão da posição política que ocupava àquela altura – o cargo de Conselheiro de Estado – e das vantagens que potencialmente poderia obter com a sua influência pessoal ante ao Governo Imperial, chega imprimindo novo ritmo à associação (já no seu segundo mês como Presidente distribui 23 questões aos associados para que fossem transformadas em trabalhos a serem publicados na Revista)545 que se reflete em fôlego renovado ao periódico. Joaquim Saldanha Marinho, por sua vez, sem o mesmo trânsito facilitado com a Coroa – afinal, era um dos líderes do movimento republicano e primeiro signatário do Manifesto de 1870, também imprimiu sua marca ao Instituto, cuja renovação acabou por redefinir também a Revista.

Em sua primeira re-eleição para o biênio que começava em 1873, Saldanha Marinho reforçava o propósito – que já revelara quando sequer ocupava a cadeira de Presidente546 – de pugnar pela regulamentação da profissão de advogado e pela desejada reserva de mercado, anseios que se prestavam a elevar o prestígio do Instituto, garantindo que ele pudesse “curar dos reparos de que o nosso direito necessita”547 e evitando que se reduzisse “a uma palestra sem importancia, onde as causas perdidas, ou as pretenções (sic) desarrazoadas venham procurar amparo ou desabafo”548. Para tanto, reconhecia ser “necessidade indeclinável”549 uma reforma nos Estatutos da casa.

543 Da leitura de um seu biógrafo, amigo com quem convivera e seu contemporâneo, colhem-se notícias de sua

vocação acadêmica, cultivada desde que exerceu o cargo de bibliotecário da faculdade depois de formado, até o seu doutoramento, no ano de 1849, na Faculdade de São Paulo. O colega atribui, entretanto, à sua aprovação simples, sem menções honrosas, o desgosto que o fizera desistir de retirar o diploma e receber o título, para seguir na carreira. Isso não o afastou de todo modo do cultivo das letras, o que o levou a produzir a obra O Indice

chronologico dos fatos mais notaveis da historia do Brazil desde seu descobrimento em 1500 até 1849, sua

primeira produção literária, que o habilitou a ingressar no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Em paralelo ao exercício da advocacia, nos anos seguintes, escreveu outras obras de cunho mais dogmático, para além do estudo que mais o destacou na campanha –lida com reservas, como se verá a seguir – pela abolição: A escravidão

no Brasil: ensaio historico-juridico-social (1866). Cf. AZEVEDO CASTRO, José Antonio. Dr. Agostinho Marques Perdigão Malheiro. Estudo bio-bibliographico. Typ. de Pinheiro: Rio de Janeiro, 1883.

544 Nabuco teve uma carreira política muito mais destacada que o seu antecessor, tendo já ocupado os cargos de

Deputado Geral, Presidente de Província, Ministro da Justiça, Senador do Império e membro do Conselho de Estado, antes mesmo de assumir a Presidência do IAB. Sua biografia completa, ainda que bastante romantizada, é oferecida por seu filho, Joaquim Nabuco e encontra-se em: NABUCO, 1997.

545 Cf. Ata da conferência de 13 de dezembro de 1866, em RIOAB, v. 7, n. 1, 1871. pp. 149-154.

546 Cf. Ata da conferência de 22 de março de 1871, em que Saldanha Marinho pondera: “que os Estatutos do

Instituto não satisfazem ao seu fim, e que por defeito da lei orgânica não tem o Instituto chega á altura a que tem direito, nem gozado do prestigio que deu rodear suas opiniões”, sugerindo que o Instituto tomasse providência sobre a reforma dos Estatutos. Cf. RIOAB, v. 8, n. 1, 1871-1880. p. 184.

547 Cf. Ivi, p. 299 548 Cf. Id. 549 Cf. Ivi, p. 300.

Para além de tomar por garantido o apoio da administração Imperial – ainda que ele próprio àquela altura se encontrasse nas primeiras fileiras da oposição à Monarquia – afirmando que “o governo do Estado tem obrigação de coadjuvar-nos e conto que o que dele depende, não nos será negado”550, o orador cita outra medida fundamental para elevação do Instituto: o fortalecimento do seu periódico. Citava como dever fundamental a necessidade de “dar mais amplas proporções á Revista do Instituto, onde são publicadas as nossas deliberações e as discussões dos pontos de direito de que nos ocupamos”. Conclamava, então, que “os mais hábeis do Instituto tomem a seu cargo a direção dessa Revista”551.

Todavia, esses membros mais destacados demoraram a se reunir em prol da publicação, de modo que boa parte da história desta terceira fase é uma narrativa da ausência e do fato de que por muito tempo não foi publicada. Apesar de no arco temporal da presente pesquisa corresponder à fase mais extensa, durando quase o quíntuplo das anteriores, não contabilizou tantos volumes a mais publicados, mesmo que haja diversos registros, nas atas do período, de que as despesas com a sua publicação tenham sido autorizadas, como demonstram as anotações em conferências de 1873552 e 1878553.

De um pronunciamento do associado e ex-Secretário do IAB, Octaviano de Almeida Rosa, em reunião de 1875, fica clara a preocupação de justificar esse hiato afirmando que a

Revista não era uma folha com caráter mercantil, mas “antes um archivo de opiniões criticas e

mesmo sobre vários pontos de nosso direito” 554. Por isso afirmava pouco importar a periodicidade da publicação, “comtanto que todos os anos publique um volume regular, o que não será difícil desde que os membros do Instituto tomem o compromisso de escrever sobre os diferentes pontos que merecem discussão” 555. Na contramão do que vinha sinalizando a Revista até poucos anos antes com a adoção de várias medidas voltadas a consolidá-la comum produto sólido e viável no mercado editorial, o orador voltava a defendê-la como mero arquivo institucional.

Mas esse mais parecia um recurso defensivo para justificar a falta de êxito em publicá- la nos quatro anos anteriores, pois o mesmo orador, um mês depois, afirma que a Revista deveria ser publicada mensal, trimestral, semestral ou anualmente conforme as forças do Instituto o

550 Cf. Id. 551 Cf. Id.

552 Cf. Ata da conferência de 1 de maio de 1873, onde se autoriza “o preciso despendio ara a impressão da Revista

do Instituto”. RIOAB, v. 8, n. 1, 1871-1880. p. 217.

553 Cf. Ata da conferência de 3 de junho de 1878, onde se autorizam “as necessárias despesas para publicação da

Revista do Instituto e dos debates do instituto em uma das folhas diárias”. Cf. RIOAB, v. 9, n. 1, 1881-1882, p. 91.

554 Cf. Ata da conferência de 18 de outubro de 1875 em RIOAB, v. 8, n. 1, 1871-1880. p. 303. 555 Id.

permitissem (demonstrando, assim, que a periodicidade afinal importava), devendo conter “as actas dos nossos trabalhos; as memorias que forem lidas em sessão e cuja publicação for autorizada; noticias dos projectos de lei, que mais interessarem, com o resumo das discussões das camaras e analyse de suas vantagens e desvantagens; noticia da legislação estrangeira cuja adopção nos convenha; e uma bibliografia jurídica”556. Era o desenho de um periódico jurídico completo, que ultrapassava a mera divulgação dos atos e documentos internos.

No que se referia ao modo prático de concretizar essa intenção, lembrava a conveniência de “estabelecer-se uma redação disposta a trabalhar”, e que cada membro do Conselho se comprometesse a distribuir um certo numero de assinaturas, além da remessa de circulares a todos os juízes de direito e municipais advogados – estratégias de divulgação que demonstram a preocupação pouco antes rejeitada de torná-la novamente um produto mercantil. Uma possível explicação para as dificuldades em colocar esses planos em prática é a reclamação, naquela mesma conferência e por parte do mesmo Sr. Octaviano, quanto à carência de uma casa própria do Instituto onde pudesse celebrar suas sessões, manter sua biblioteca e que servisse de ponto de encontro regular entre os associados. Após ter transitado entre sedes precárias e emprestadas pelo Poder Público, mais de 30 anos após sua fundação o Instituto ainda não contava com uma instalação própria557 – obstáculo material que evidentemente acabava por atrapalhar qualquer tipo de empreendimento mais ambicioso, como a própria edição da revista.

De todo modo, quando a Revista volta a ser publicada, no ano de 1881 com a impressão dos fascículos referentes aos anos de 1871 a 1880, reaparece após quase dez anos sem qualquer explicação ou satisfação ao leitor quanto ao período de interrupção, seguindo boa parte do formato que já era adotado desde 1867, sem rupturas drásticas nesse novo renascer. O periódico é retomado sem um novo editorial, sem a inclusão de revolucionárias alterações na face visual externa, com o frontispício praticamente inalterado – à exceção do título, alteração que será melhor explorada –, permanecendo o anúncio da divisão em seções, a assinatura da redação e o moto em latim. Quanto à sistemática interna, manteve-se basicamente igual, salvo a parte secundária que passou a se chamar boletim; além da ausência de qualquer esforço de

556 Cf. Ata da sessão de 15 de novembro de 1875. Ivi, p. 306.

557 Cf. Ata da sessão de 1 de maio de 1873, onde Conselheiro Tito Franco defende que o Instituto não podia

continuar a celebrar suas sessões em uma casa do Governo, como a Secretaria de Estado onde se encontravam, pois ressentia-se de “um certo constrangimento, que não póde deixar de acanhar os membros do Instituto. Entende que o Instituto deve ter casa propria, celebrar suas sessões nos dias e horas que lhe parecer melhor”. O associado foi imediatamente replicado por Silva Costa, Secretário da Casa, que afirma nunca ter se acanhado nas discussões em que tomara parte em razão de funcionar o Instituto em uma casa do Governo, crendo que o mesmo acontecia com os demais membros do Instituto. Até considerava positivo que o Instituto pudesse ter um prédio alugado onde pudesse celebrar suas sessões e tivesse sua biblioteca, mas o estado financeiro do Instituto não o permita. É aprovado o parecer do Secretário. Cf. RIOAB, v. 8, n. 1, 1871-1880. p. 217.

classificação do material jurisprudencial e legislativo em ramos do direito, como se vinha apresentando nos fascículos anteriores, o que acena para uma simplificação ou até descuido por parte da comissão redatora.

Em que pese não tenha se querido marcar a ruptura optando-se por manter todos esses traços de continuidade na face externa, evitando metamorfoses tão pungentes quanto as que marcaram a transição precedente, um olhar mais demorado sobre os bastidores é capaz de revelar algumas alterações mais sutis, que não podem ser lidas em apartado à saga de aprovação dos novos Estatutos, que se inicia em setembro de 1876558, mês em que é apresentado o primeiro projeto de reforma. Desde os primeiros debates já previa a supressão da palavra “Ordem” da designação oficial do Instituto. No primeiro periódico publicado nesta terceira fase esta será a alteração visual mais marcante, que passa a se chamar somente “Revista do Instituto dos Advogados Brazileiros”. Em que pese haja registros de que já houvessem recursos designados para a impressão da Revista mesmo antes do início da discussão dos Estatutos, fato é que o longo processo que se seguiu de formalização dessas alterações acabou tomando muita energia da Instituição, que termina optando por reapresentar seu produto editorial somente com a nova faceta.

Além disso, o Instituto, ao longo desses dez anos, passou por muitas outras discussões longas e polêmicas, que se estenderam por várias sessões, cujo produto não podia ser imediatamente transformado em material para a publicação após a deliberação em “sim ou não” por “X votos a Y” como eram a maior parte das decisões publicadas nas primeiras fases. Debates acalorados como os que envolveram (a) a denúncia sobre a má conduta de um juiz municipal e membro honorário do Instituto antes advogados associados (1871-1872); (b) a discussão sobre a separação entre Estado e Igreja (1871-1873); (c) o projeto de casamento civil (1874-1877) e (d) o próprio projeto de reorganização do Instituto (1876-1879) – todos assuntos que serão ainda escrutinados na seção que analisa qualitativamente alguns temas selecionados – ocuparam boa parte das conferências entre 1871 e 1879. Tendo em vista que os seus resultados deviam ser muito depurados antes de irem a prelo e publicados Revista, servem também de possível explicação para o interregno prolongado.

De todo modo, o périplo que culminou com a aprovação dos Estatutos, iniciado com aquele projeto proposto em 1876, enfrentou obstáculos externos consideráveis, como o retorno negativo do Ministério da Justiça em 1879. O Instituto prefere adiar sua aprovação em razão das objeções “manifestamente inadmissíveis” que lhe foram apresentadas, “quer perante a