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BREVÍSSIMAS”: ACENOS FINAIS

53 A expressão vem destacada como remissão ao sentido atribuído por Massimo Severo Giannini, na sua introdução

2.2 ENTRE CIÊNCIA E DOUTRINA OU PRÁTICA E LEGISLAÇÃO: OS PERIÓDICOS JURÍDICOS DO SÉCULO XIX EM PERSPECTIVA COMPARADA

2.3.1 Nascimento da imprensa no Brasil

Por uma fatalidade Dessas que descem de além, O sec'lo, que viu Colombo, Viu Guttenberg também. Quando no tosco estaleiro

153 A observação é de CHORÃO, 2002, p. 28.

154 Fatores como o elevado índice de analfabetismo e a concentração dos postos de poder em sua grande maioria

nas mãos de bacharéis egressos das faculdades de Direito de Olinda e São Paulo – ressalvadas outras classes da elite intelectual como alguns médicos, engenheiros, clérigos e funcionários públicos – é um dado que aponta para o fato de que muitas vezes o grupo de leitores tanto da imprensa comum quanto a especializada fosse basicamente o mesmo. Cf. RAMOS, 2009, p. 15.

155 Abundante é a literatura que se dedica ao tema e à constatação de que o periodismo ocupou espaço decisivo na

formação cultural e intelectual do bacharel. Ao longo de todo o império, muitos peródicos foram criados em que juristas participaram como editores, redatores e colaboradores, que se aproveitavam dessa tribuna livre para o exercício da retórica, militância política e escoamento da produção literária. Não há como pensar o jornalismo brasileiro no Império sem considerar o protagonismo de engressos das faculdades de Direito, que conjugavam a linguagem empolada dos tribunais no embate das causas políticas que animaram aquele século. Limito-me a indicar, por ora: ADORNO, Sergio. Os aprendizes do poder: o bacharelismo liberal na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, especialmente pp. 157-178; WOLKMER, Antônio Carlos. História do direito no Brasil.

5a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, especialmente pp. 66-75; SIMÕES NETO, Teotônio. Os bacharéis na

política, a política dos bacharéis. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006, especialmente

pp. 269-270.

156 A título de exemplo, Henrique Barahona Ramos enumera periódicos como a Revista Popular, de 1860, editada

por Garnier, Lafayette Rodrigues Pereira, além de Saldanha Marinho e Zacarias de Góis, conhecidos juristas do Império; Rui Barbosa foi constante colaborar de diversos jornais, escrevendo com constância para O país e O

Radical; o rábula Luiz Gama diria O diabo coxo; José Nabuco, Bernardo de Souza Franco, Zacarias de Góis,

Chichorro da Gama, Paranaguá, Teófilo Ottoni e Francisco Ottaviano dirigiam A Reforma; Tavares Bastos redige em 1868 o Diário do Povo. Levando isso em conta, encara-se o periodismo jurídico na totalidade do movimento de imprensa oitocentista, ao mesmo tempo que se compreende sua especificidade pela linguagem comunicacional específica, bem como estratégias e conteúdos. Cf. RAMOS, 2009, p. 15.

Da Alemanha o velho obreiro A ave da imprensa gerou... O Genovês salta os mares... Busca um ninho entre os palmares E a pátria da imprensa achou...157

O poema do poeta baiano Antonio de Castro Alves, ao versejar sobre a relação entre

O livro e a América, revela a coincidência temporal entre a chegada do navegador italiano a

este continente e a criação da impressão por tipos móveis desenvolvida por Gutenberg. Dessa contingência não pode passar despercebido que os colonizadores espanhóis e portugueses chegaram ao “Novo Mundo” já com a bagagem das letras impressas em seus navios. Todavia, a política colonial portuguesa que se seguiu procurou consolidar a dependência das colônias não só a nível político e econômico, mas também – não de forma secundária – cultural.

Com esse propósito, setores estratégicos para a difusão de cultura – como a instrução e a imprensa – não foram desenvolvidos na América Portuguesa. Os motivos que atrasaram a criação da universidade foram os mesmos que retardaram o aparecimento da imprensa158. Esse cenário se revela especialmente alarmante quando comparada a experiência brasileira com aquela das colônias espanholas ou inglesas, que ainda nos séculos XVI e XVII conheceram tipografias e universidades159.

Durante mais de trezentos anos, a literatura impressa no Brasil foi mantida como um tesouro inacessível de que se tinha notícia somente do outro lado do Atlântico, sendo possível acessá-lo somente empreendendo essa travessia ou transpondo obstáculo igualmente difícil, obtendo-a a partir do acervo das ordens religiosas. O rígido controle da metrópole sobre a difusão das ideias através do livro fazia com que ele fosse visto como um instrumento potencialmente herético, admitido apenas para ofícios religiosos, para além do fato de que a própria Igreja Católica representava um entrave à medida que, na sua parceria com o projeto colonial, não lhe interessava divulgar outro meio de comunicação do conhecimento que não a própria catequese160.

157 Cf. na íntegra em: ALVES, Antônio de Castro. O livro e a América. In: Id. Espumas fluctuantes. Bahia, 1870. 158 Cf. SODRÉ, 1999, p. 10.

159 O México foi a porta de entrada à América das tipografias, 84 anos após ser inventada, local de publicação do

primeiro livro americano, em 1539. Ao longo do século XVII, a tipografia ingressou em diversos pontos da América Espanhola e da América Inglesa, ao passo que a América Portuguesa, à parte iniciativas pontuais e sufocadas de particulares corajosas, precisou aguardar o início do Oitocentos para que se inaugurassem efetivamente os prelos. RIZZINI, 1945, p. 94-99.

160 Não à toa Sodré utiliza expressões como “o pecado do livro” (pp. 9-16) e “o sacrilégio da imprensa” (pp. 16-

28) para se referir ao sufocamento da imprensa colonial e à contribuição da Igreja Católica para tanto. Sobre esse tipo de política do controle de pensamento também é um bom exemplo a célebre obra de Carlo Ginzburg, I

formaggi e i vermi, texto fundador da Micro-história italiana, e o caso do moleiro Menocchio. O infortunado, após

Contribuíram para esse quadro, portanto, um somatório entre falta de vontade política da Coroa, o rigor da Igreja, o peso da censura, mas também o próprio caráter mercantil capitalista da atividade de imprensa, que restava inviabilizada em um país analfabeto e escravocrata, carente de potenciais consumidores, sobre o qual pesava a natureza exploratória da colonização, a presença das populações indígenas, a ausência de urbanização, a precariedade da burocracia administrativa e a incipiência das atividades comerciais e industriais161.

Mesmo teoricamente proibidos, esses elementos subversivos que eram os livros de algum modo encontraram sua vida de entrada para os domínios americanos do Império- ultramarino português. A conjuntura política adversa à propagação da palavra escrita não obstou o ímpeto vanguardista de alguns habitantes da colônia de tentarem estabelecer gráficas clandestinas. Exemplo mais conhecido foi aquele do tipógrafo Antonio Isidoro da Fonseca, cuja tentativa de impressão no Rio de Janeiro, em 1747, custou-lhe a apreensão da tipografia e o exílio para Lisboa162.

da Itália, para defender sua teoria de que o mundo tinha se originado na putrefação, terminou executado pela Inquisição. Cf. GINZBURG, Carlo. I formaggi e i vermi: il cosmo di um mugnaio del ‘500. Einaudi: Torino, 1999. É interessante fazer menção, ainda, às pesquisas que indicaram a relação entre formação de um público leitor e as denominações protestantes, com sua bandeira da adoção da livre leitura e interpretação dos livros sagrados. O historiador inglês Peter Burke, no livro Cultura popular na Idade Moderna, aponta que a taxa de alfabetização era muito mais alta na Europa protestante do que na Europa católica ou ortodoxa, em que pese reconheça ser difícil dizer se essa taxa era causa ou consequência da Reforma, apostando que provavelmente concorreram os dois fatores. Cf. BURKE, Peter. Cultura popular na Idade Moderna: Europa (1500-1800). Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, especialmente nos trechos A cultura dos devotos (p. 299-312) e Os usos da alfabetização (p. 331-341). Vale destacar, por fim, no âmbito dessa discussão sobre formação de um público leitor por meio da religião, a remissão de Carlos Costa, no já mencionado livro Sobre as Revistas no século XIX, à famosa tese de Max Weber sobre o capitalismo e a ética protestante, que estabelece um paralelo entre a maior participação dos protestantes na propriedade do capital e nos postos de direção na economia moderna o que, em via reflexa, também se traduz no acesso às letras. Cf. COSTA, Carlos Roberto da. A revista no Brasil do século

XIX. São Paulo, 2007. 291 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Ciências da Computação,

Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, 2007. p. 40. A tese virou livro em 2013, publicado pela editora Alameda, todavia, pude consultá-la somente na versão disponibilizada no repositório institucional da Universidade.

161 Colhe-se o balanço de MARTINS, Ana Luiza; LUCA, Tânia Regina de. Imprensa e cidade. São Paulo: Unesp,

2006.

162 Apesar de ser texto historiográfico já bastante antigo, datado de 1862, um ano antes da publicação da Revista

objeto do presente trabalho – a ponto de quase ser considerado uma fonte primária – o relato de Azevedo é detalhado, com nome de obras, periódicos, redatores, editores e membros da burocracia governamental responsáveis pelos primeiros impulsos à imprensa no país - e farto de informações de quem vivera a época. Mesmo com a ressalva de que se trata de um modo antigo de fazer historiografia, sem cuidado com referências que indiquem de onde as informações foram tiradas, o livro de Azevedo traz importantes notícias sobre o nascimento da imprensa no Brasil. Sobre o episódio, conta Azevedo que Isidoro da Fonseca imprimiu alguns exemplares de maneira fraudulenta, como se tivessem sido impressos em Madrid ou em Lisboa, forjando no frontispício as licenças do Santo Ofício, do Ordinário e do Paço. Descoberto o embuste, mandou a Corte aboli-la e queimá-la, inibindo novos aventureiros. Azevedo registra o desfecho com pesar, afirmando que “ninguem seguiu o exemplo de Isidoro da Fonseca, tendo sido extincta a arte de Guttemberg na terra de Santa Cruz pela fogueira do despotismo; todos se receavam de ver arder suas casas se ousassem servir-se de typos da imprensa”. Cf. AZEVEDO, Manuel Duarte Moreira de. Origem e desenvolvimento da Imprensa no RJ. Revista do Instituto Histórico e Geográfico

Nesse cenário de hostilidade à difusão da palavra impressa, a própria divulgação de notícias de interesse da Metrópole e os registros das Câmaras na Colônia ficava a cargo dos “bandos” - emissários do rei responsáveis por ler as notícias em voz alta, nas praças públicas, após o rufar de tambores anunciativos, depois afixadas na porta da residência da mais alta autoridade local. Quanto aos registros das Câmaras, realizavam-se de forma manuscrita163. Isso até meados do século XIX, enquanto outros meios de comunicação já marcavam o cotidiano da Europa e mesmo alguns países da América.

Esse quadro permanece verdadeiro até a chegada da família real portuguesa no Brasil, em 1808. Imprensa, universidades e fábricas, setores estratégicos para a independência de qualquer país, foram monopolizados pelo colonizador até a vinda do Rei, que rompeu então com a exclusividade em cada um desses setores, estabelecendo a abertura dos portos, fábricas, instalação de impressores para os atos e notícias do governo e investindo, aos poucos, na criação de escolas superiores. A imprensa surgiria, finalmente, no Brasil – sob proteção e iniciativa oficial164.

Não só pela importação em terras brasileiras dos exemplares que compunham a sua própria Biblioteca Real – o que fazia com que livros entrassem pela primeira vez em caráter oficial no país – D. João traz nos porões de uma das naus de sua frota, a embarcação Meduza, um jogo de prelo junto aos seus pertences. Era uma tipografia completa encomendada na Inglaterra para servir à Secretaria de Estados dos Negócios Estrangeiros e da Guerra165.

Nos meses que se seguiram, D. João deu o impulso político e econômico que faltava à imprensa. O rompimento do isolamento em que vivia o Brasil – seja pela abertura dos portos às nações amigas, seja pelo estabelecimento da liberdade de comércio e de indústria, criação de diversas instituições, tribunais, Academias, magistraturas, Exército e Marinha – tornou

163 MARTINS; LUCA, 2006, p. 17.

164 Reproduz-se o decreto real, daquele mesmo ano, que estabeleceu a Impressão Régia: “Tendo-me constado, que

os prélos que se acham n’esta Capital, eram os destinados para a Secretaria de Estado dos Negocios Estrangeiros e da Guerra; e attendendo á necessidade que ha da officina de impressão nestes meus Estados, sou servido, que a casa, onde elles se estabeleceram, sirva interinamente de Impressão Regia, onde se imprimam exclusivamente toda a legislação e papeis diplomáticos que emanarem de qualquer repartição do meu real serviço, e se possam imprimir todas e quaesquer outras obras, ficando interinamente pertencendo o seu governo e a administração á mesma secretaria. D. Rodrigo de Sousa Coutinho, do meu conselho de estado, ministro e secretario de estado dos negócios estrangeiros e da guerra, o tenha assim entendido, e procurará dar ao emprego da officina a maior extensão, e lhe dará todás as instrucções e ordens necessarias, e participará a este respeito a todas as estações o que mais convier ao meu real serviço. Palacio do Rio de Janeiro em 13 de maio de 1808. Com a rubrica do Principe Regente Nosso Senhor”. BRASIL. Decreto de 13 de Maio de 1808. Crêa a Impressão Régia. Collecção das Leis do Brazil de

1808. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891. pp. 29-30.

165 MORAES, Rubens Borba de. A Impressão Régia do Rio de Janeiro: origens e produção. In: CAMARGO, Ana

Maria de Almeida Camargo. Bibliografia da Impressão Régia do Rio de Janeiro. v. 1. São Paulo: Kosmos, 1993. p. XVII-XXXII.

imprescindível a circulação de notícias por impressos, razão pela qual a criação da Imprensa Régia foi providenciada poucos meses após sua chegada.

O primeiro jornal impresso no Brasil, nesse movimento de incentivo ao progresso e à cultura, foi a Gazeta do Rio de Janeiro, criada naquele mesmo ano. Seguindo os moldes da

Gazeta de Lisboa, era uma espécie de folha oficial onde se publicavam os decretos e os fatos

relacionados à família real. Trazia também notícias internacionais, filtradas pelo crivo da Imprensa Régia, que não permitia que circulassem ideias revolucionárias entre os súditos. Essa, até 1821, foi a única publicação em forma de jornal impressa no país166.

Não havia, pois, liberdade de imprensa; quem desejasse imprimir qualquer folheto deveria entrar com um requerimento junto à Diretoria que avaliaria a adequação do conteúdo. Se o manuscrito dizia respeito à religião, à legislação, ou à política, era a junta autorizada a mandá-lo ser revisto por funcionários competentes, dirigindo-lhes para tanto ofício em nome de Sua Alteza Real, e exigindo o seu parecer positivo ou a recomendação de correções necessárias para a obtenção de licença da Secretaria de Estado167.

Em havendo uma única tipografia, cuja produção era severamente controlada, a impressão de qualquer periódico se tornava tarefa árdua, o que obrigou alguns empreendedores a divulgarem publicações voltadas ao público leitor brasileiro em países estrangeiros. Por isso circulava em Londres um importante concorrente à Gazeta do Rio de Janeiro frente ao público- leitor brasileiro: o Correio Braziliense168. Jornal na “forma de livro”169 criado na capital inglesa por Hipólito José Soares da Costa170. Pela perseguição sofrida em Portugal, onde fora estudar, mudou-se para Londres, de onde, mesmo cobrindo acontecimentos internacionais, escrevia as

166 MARTINS; LUCA, 2006, p. 18.

167 Tal era o receio que o governo tinha da imprensa, que o intendente geral da polícia Paulo Fernandes Vianna

mandou afixar edital em 30 de Maio de 1809, solicitando, por ser assunto de interessa da Polícia, que chegassem ao seu conhecimento todos os avisos, anúncios e notícias dos livros e obras que existiam à venda, estrangeiras ou nacionaes, proibindo que a partir de então fossem publicados quaisquer deles sem sua prévia vistoria, sob pena de prisão e multa pecuniária. Extrai-se a notícia de AZEVEDO, 1865, pp. 179-180.

168 Apenas como dado de curiosidade, cumpre esclarecer que no início do século XIX brasilianos os índios,

brasilienses os portugueses nascidos ou estabelecidos no Brasil e que se sentiam a ele vinculados como à sua pátria e brasileiros os comerciantes que aqui negociavam. Cf. LUSTOSA, Isabel. O nascimento da imprensa brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. p. 14.

169 A expressão remete à sua extensão, que atingia cerca de 100 páginas por edição, compostas de longos e densos

artigos onde a informação era oferecida de forma analítica e detalhada, em longos textos que às vezes se prolongavam por vários números. Ivi, p. 15. Não é de se estranhar essa pretensão megalomaníaca em um momento em que cabia à imprensa, com escritos jornalísticos, suprir a falta de escolas e de livros.

170 Nascido na colônia de Sacramento na Cisplatina, então parte do Brasil, em 1774, exerceu em Portugal diversos

empregos, mas, após sofrer intensa perseguição da Inquisição lusitana, mudou-se para Londres, onde dedicou-se ao ensino de línguas estrangeiras e colaborou com diversos jornais ingleses. Proclamada a Independência foi chamado pelo primeiro Imperador para ocupar empregos no Brasil, porém não quis abandonar a Inglaterra, e lá mesmo recebeu de D. Pedro honras e uma pensão pecuniária, que lhe foi paga até 11 de setembro de 1823, época de sua morte. Para essas notícias, cf. AZEVEDO, 1865, p. 181.

notícias no Correio tendo como público-alvo a audiência da Colônia. É aclamado pela historiografia como o primeiro jornalista do Brasil, pois iniciou essa empreitada em 1o de junho de 1808171, antes mesmo da Gazeta, cujo primeiro número sairia quase três meses mais tarde. Circulou até dezembro de 1822 e teve o mérito de conseguir circular em solo brasileiro sem a censura da imprensa, gozando da liberdade de imprimir para o Brasil, mesmo que não partindo do Brasil172.

O aparente êxito incentivou outras ações de particulares, que se aventuraram nos negócios de impressos, provindo o mais importante deles da Bahia, no ano de 1811, por iniciativa de Manuel Antonio da Silva Serva, cuja gráfica publicou a revista Idade D’Ouro do

Brasil até 1819. No Recife, por volta de 1815, Rodrigo Catanho importava uma tipografia que

serviria à Revolução Pernambucana, deflagrada dois anos depois. Essas raras manifestações registradas na Colônia ocorreram nas poucas cidades que constituíam centros administrativos e possuíam minimamente sua demanda por informação e impressos, o que justificava a existência de uma publicação, seja pelas necessidades do governo (como a Gazeta do Rio de Janeiro), propaganda política (como o Correio Braziliense), negócio gráfico (Idade D’Ouro em Salvador) ou instrumento político (Gráfica de Rodrigo Catanho em Recife)173.

Citam-se esses poucos exemplares apenas para pontuar o desenvolvimento tardio da imprensa no Brasil, e ainda bastante limitada pela censura régia e pelo restrito acesso às letras na então Colônia, em que pese, como já observado, tratar-se de narrativa referente ao século XIX, momento em que, ao contrário, na Europa, nos EUA, e até em países vizinhos latino- americanos, não só a liberdade de imprensa, mas a difusão dos escritos – impulsionados pelo desenvolvimento das novas tecnologias de impressão e demandas de crescente público-leitor – já tivesse atingido patamares bem mais elevados.

O que se percebe da leitura da historiografia, portanto, é que a imprensa nasce censurada e subsidiada, não somente pela repressão política, mas pelas limitações de tecnologia,

171 Carlos Costa direciona crítica áspera a esse consenso, afirmando que há um anacronismo na posição ufanista

de acadêmicos e jornalistas que apresentam Hipólito da Costa como o primeiro jornalista brasileiro e que acabaram por influenciar, em 1999, no governo de Fernando Henrique, e sob iniciativa do deputado gaúcho Nelson Marchesan, a troca do dia da imprensa, de 10 de setembro (data de aparecimento do jornal Gazeta do Rio de Janeiro, em 1808) para 1o de junho (lançamento do Correio Braziliense). A crítica se baseia no fato de que nem

Hipólito era brasileiro, tampouco o era o Correio. Era uma revista editada em Londres por um funcionário português de carreira sob patrocínio da maçonaria para informar as elites do Império português. Cf. COSTA, 2007, p. 88.

172 Na Colônia o periódico foi lido sem reservas até no próprio Paço do Rei, sendo após francamente admitido,

com a permissão de sua venda e leitura. Em Portugual, ao invés, foi vedada mais de uma vez a circulação do periódico, datando a primeira proibição foi em 17 de setembro de 1811, a segunda de 2 de Março de 1812 e a terceira de 25 de junho de 1817. Cf. AZEVEDO, 1865, p. 181.

de público-leitor e dos próprios recursos humanos para produzir os escritos. É por isso que a imprensa, quando aqui nasce, precisará dos mesmos braços para escrever, ler e ocupar funções públicas. Os trezentos anos de colonização iletrada certamente refletiram no desenvolvimento de toda a imprensa brasileira – seja ela política, literária, mas também, como se discutirá