• Nenhum resultado encontrado

As origens do longo casamento entre associativismo e periodismo: o exemplo de Portugal

BREVÍSSIMAS”: ACENOS FINAIS

53 A expressão vem destacada como remissão ao sentido atribuído por Massimo Severo Giannini, na sua introdução

2.2 ENTRE CIÊNCIA E DOUTRINA OU PRÁTICA E LEGISLAÇÃO: OS PERIÓDICOS JURÍDICOS DO SÉCULO XIX EM PERSPECTIVA COMPARADA

2.2.5 As origens do longo casamento entre associativismo e periodismo: o exemplo de Portugal

O exemplo português é especialmente significativo para os fins deste trabalho por ser possível identificar nele muitas semelhanças com o itinerário brasileiro, não só pela evidente

134 Ivi, p. 30-31.

135 Basta lembrar de: La Escuela del Derecho (1863-185), de vida êfemera mas fecunda, oferecendo uma excelente

miscelânea de artigos doutrinais; a madrilena Revista de los Tribunales. Periodico de legislación, doctrina y

jursprudencia, na sua segunda fase, quando dirigida por Vicente Romero e à mudança no seu propósito originário

de atender às demandas da prática forense (1878-1894); ou a Revista General de Legislación y Jurisprudencia

(1883-1900) e a sua vocação ao direito comparado. Cf. PETIT, 2006, p. 263-338.

136 Contribui negativamente para esse juízo a falta de vocação da doutrina espanhola oitocentista para sequer

produzir um código civil. A esse respeito, cf. Cf. CLAVERO, Bartolomé. La gran dificultad: frustración de una ciência del derecho en la España del siglo XIX. Ius commune, v. 12, pp. 91-115, 1984; PETIT, 1995.

dependência cultural que o Brasil ainda mantinha com a antiga metrópole – cujas amarras coloniais, no que concerne ao ordenamento jurídico, não cessaram imediatamente após a declaração da Independência política138 – mas pela identificação da criação de periódicos homônimos e o semelhante vínculo de muitos deles com associações profissionais. Para não citar o fato de que muitas revistas jurídicas brasileiras republicavam artigos já impressos pelas congêneres portuguesas, ou a presença marcante de alguns articulistas lusitanos em suas páginas139.

O dado relativo ao nexo entre o periodismo jurídico português e o movimento associativo dos juristas, entretanto, é o primeiro elemento que importa destacar. A aurora da imprensa jurídica portuguesa está conectada por laços umbilicais às associações profissionais, tendo sido o pontapé inicial dado pela Sociedade Jurídica de Lisboa com a publicação dos

Annaes da Sociedade Jurídica (1835), seguida da Revista Jurídica (1836) pela Sociedade

Jurídica do Porto140. Essas organizações de juristas assumiram uma missão de modo pioneiro a louvável missão de consolidar e difundir cultura jurídica, sendo precursoras das próprias universidades na consolidação de saberes e disciplinas141.

A Associação dos Advogados de Lisboa, fundada em 1838 e considerada antecessora direta da Ordem dos Advogados portugueses, também consagrou entre suas primeiras intenções a criação de um periódico jurídico, plasmando-o como um propósito previsto em Estatuto.

138 A Independência política brasileira, declarada em 1822, não foi acompanhada de imediata autonomização do

ordenamento jurídico em relação à metrópole portuguesa. Isso porque, pouco mais de um ano após o simbólico “Grito do Ipiranga”, a Assembleia Geral e Constituinte, corroborada pelo Imperador e Defensor Perpétuo do Brazil, D. Pedro I, em 20 de outubro de 1823, decreta a recepção de boa parte da legislação portuguesa no ordenamento jurídico brasileiro com a lei de 20 de outubro de 1823. Cf. BRASIL. Lei de 20 de outubro de 1823.

Collecção das Leis do Imperio do Brazil. Poder Executivo: Rio de Janeiro. 20 out. 1823. Para além disso, a criação

tardia das faculdades de direito, apenas em 1827, também contribuiu para o prolongamento da dependência cultural em relação a Portugal, já que a maior parte dos bacharéis atuantes em terras brasileiras permaneceu por longo tempo composta por egressos das arcadas lusitanas. Sobre a educação jurídica no Império, Cf. VENÂNCIO FILHO, Alberto. Das arcadas ao bacharelismo: 150 anos de Ensino Jurídico no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1982. pp. 13-74.

139 Cf. FORMIGA, 2010, p. 38.

140 A história dos primeiros jornais jurídicos portugueses não pode dissociar-se da história das instituições que os

originaram, por isso convém aqui trazer alguns acenos. A Sociedade Jurídica de Lisboa foi fundada no mesmo ano de 1835, reunindo advogados, magistrados e bacharéis. O projeto de publicação dos Annaes já constava em seus Estatutos e foi concretizado no mesmo ano de sua fundação. O periódico foi mantido por 25 edições durante dois anos e dedicou-se, evidentemente, em grande medida a publicizar os atos da própria instituição, trazendo os resultados das discussões travadas entre os sócios, ou trabalhos produzidos por seus membros, além de estatísticas da justiça e jurisprudências. A Sociedade também se encerrou no mesmo da publicação do último número em 1837. A Sociedade Jurídica do Porto era muito semelhante à sua homônima lisboeta – o que também se aplica ao seu periódico – não tendo, tampouco, conseguido alcançar longevidade. Ainda assim, suas existências fugazes já servem de exemplo pródigo de uma tendência que permaneceria no movimento periodista português do século XIX. Cf. CHORÃO, 2002, pp. 73-74.

141 Exemplo disso é que as Sociedades Jurídicas se anteciparam às próprias Faculdades de Direito na

autonomização de domínios especializados do conhecimento jurídico, consagrando em seus estatutos comissões de direito comercial e de dirieto administrativo mesmo antes de esses ramos constarem nos planos de estudos universitários, o que só foi acontecer em 1836. Cf. Ivi, p. 51.

Enquanto esse intento não se concretizava, a Gazeta dos Tribunaes, fundada em 1841 por iniciativa de alguns advogados, tornou-se no ano seguinte órgão oficioso da instituição, que só na segunda metade do século editaria um jornal próprio, sob o título Annaes da Associação dos

Advogados de Lisboa (1857), posteriormente tornada Gazeta da Associação dos Advogados de Lisboa (1873)142. Para além da imprensa institucional e do caso particular da Gazeta dos

Tribunaes, o decurso do século XIX em Portugal foi marcado pelo aparecimento de vários

títulos fundados e dirigidos por advogados143.

Outro traço que marcou o periodismo jurídico português da década de 40 foi a necessidade de proporcionar uma difusão rápida das normas legais vigentes, daí o aparecimento de vários títulos da imprensa periódica cuja vocação originária era conferir suficiente publicidade aos muitos diplomas que o renovado fôlego legiferante do Estado ia produzindo144. Na virada para a segunda metade do século, entretanto, ainda estava por cumprir uma etapa essencial da legalização e estatização do ordenamento jurídico: a promulgação do Código Civil.

O advento desse monumento legislativo, no final da década de 60, renova a orientação da literatura jurídica, absorvendo nas décadas seguintes a atenção dos juristas, que se mobilizaram à tarefa de ler e explicar os novos dispositivos legais. No desempenho dessa incumbência o periodismo jurídico se renova, com exemplares como Revista de Legislação e

de Jurisprudência, que passa a contar com uma seção doutrinal robusta que trazia a proposta

de responder às consultas dos assinantes. Todavia, raramente esses questionamentos iam muito além da necessidade de aplainar dificuldades exegéticas145.

142 Periódico homônimo da prevista revista jurídica brasileira – aqui fundada dois anos depois, em janeiro de 1843

– teve vida muito mais longa do que a de sua congênere tupiniquim, estendendo-se por longos 27 anos, com regularidade impecável de três tiragens semanais. Em 1868, todavia, torna-se Gazeta da Relação de Lisboa

Continuação da Antiga Gazeta dos Tribunaes, assumindo o fim de divulgar o novo Código Civil, enquanto não

fossem criadas publicações específicas paratanto. Com esse nome, continua a ser pulicada até 1872. Cf. Ivi, pp. 105-115.

143 Dentre eles constam inclusive alguns dos títulos mais célebres e longevos do Oitocentos português, como a

Revista dos Tribunaes (1841), título criado em virtude de uma dissidência entre os redatores da Gazeta dos Tribunaes; O Direito – Revista de Legislação e Jurisprudência (1851), que também encontrou uma homônia

correspondente no Brasil a partir da década de 60; a Reivsta Jurídica (1856), outro título replicado no além-mar, voltada expressamente a servir ao jurisconsulto prático; a Revista de Jurisprudência (1857), a primeira, apesar do nome, a atingir nível científico considerável com a publicação de textos doutrinários e notícias diversas de periódicos estrangeiros; o Correio Jurídico (1892), outro periódico que se propôs a divulgar em Portugal o movimento científico estrangeiro; dentre outras. Cf. Ivi, pp. 53-54.

144 A notícia foi colhida em MARCOS, Rui de Figueiredo. A fundação do boletim da faculdade de Direito e o

periodismo jurídico em Coimbra. Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, v. comemorativo, pp. 11-43, 2003. Em que pese seu escopo seja o periodismo jurídico coimbrense, o autor oferece acenos úteis sobre o panorama nacional.

145 Criada em 1868, acabou beneficiando-se da demanda literária criada pela recente publicação do Código Civil,

promulgado em 1867, em virtude da necessidade de esclarecer o direito novo. Todavia, a publicação orgulhosamente declarava se abster de entrar em discussões de teorias, restringindo-se à vocação de interpretar dispositivos legais. Há a virtude, que merece ser destacada, de ter sido por razão de seu centenário inaugurada uma linha de estudos historiográficos do periodismo jurídico em Portugal com o livro de Guilherme Braga Cruz. Cf.

Com esse caldo cultural e as prementes demandas à prática profissional, a paisagem das revistas jurídicas lusitanas no Oitocentos foi esmagadoramente dominada pelos periódicos de interesse geral, não conseguindo florescer com grande êxito revistas especializadas. Tímidas iniciativas começam a partir do Direito administrativo146, mas que se revelam muito mais órgãos de notícias da administração pública e de tribunais administrativos, sem que se registrasse efetivamente revistas voltadas a consolidar estatutos científico-disciplinares. Reside, portanto, na contribuição do associativismo de juristas e às exigências da atividade forense os traços mais marcantes da cultura das revistas jurídicas portuguesas deste século.

2.2.6 Lamúrias compartilhadas de um passado comum de dependência: a inevitável