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Da denunciação da lide (chamamento em garantia)

No documento Denunciação da lide no direito brasileiro (páginas 190-196)

7. Da denunciação da lide no projeto do novo Código de Processo Civil

7.2. Da denunciação da lide (chamamento em garantia)

juntamente com o chamamento ao processo na mesma seção, o que implica a uniformização do procedimento de ambos os institutos.

Além disso, suprime a previsão de a denunciação da lide ser obrigatória; extingue a hipótese de denunciação do inciso II, do art. 70, do Código de Processo Civil; amplia o tempo de suspensão do processo para viabilizar a citação do denunciado; e elimina a disciplina das consequências que advêm das possíveis atitudes do denunciado, como está nos arts. 74 e 75 do texto processual.

Por primeiro, a alteração da denominação do instituto é positiva, dado que a denunciação da lide, a partir de suas características no sistema brasileiro vigente e as decorrentes dessa reforma, mantém influência do direito romano e do direito germânico primitivo, de modo que constitui oportunidade de o denunciado defender-se e, ao mesmo tempo, postular seu direito de regresso. Atendeu, quanto à denominação, às consistentes críticas da doutrina.

Consideramos negativas as mudanças do projeto, no entanto, ao tratar o chamamento ao processo e o chamamento em garantia na mesma seção. Isso certamente se deve à confusão dos operadores do direito quanto ao regime jurídico de cada qual dos institutos, como se fossem modalidades de intervenção idênticas, apenas prevendo hipóteses distintas para aplicar um e outro, fazendo vistas grossas para as distinções entre

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eles380. Essa mescla não pode ser, logicamente, considerada técnica e positiva, deixando de caracterizá-los com institutos independentes e com características próprias, sem que haja uma disciplina que bem os demarque381.

Apesar de ambos os institutos possibilitarem o direito de regresso, há expressivas diferenças exigindo que eles sejam tratados separadamente. No chamamento, existe um único vínculo jurídico entre as partes e o chamado, diferentemente do que ocorre na denunciação, em que o denunciado não possui relação jurídica com o adversário do denunciante. Em vista dessa particularidade, a responsabilidade do denunciado é secundária, enquanto a do chamado é solidária382.

Quanto à obrigatoriedade ou não de denunciar a lide, estabelece-se, no projeto, que “também é admissível o chamamento” e afastou-se, corretamente, a confusão causada pela palavra “obrigatória” do caput do atual art. 70. Essa mudança, como exposto no capítulo 4.5. deste estudo, não altera as perspectivas abordadas, pois o denunciante deve denunciar a lide, caso pretenda garantir seu direito ao ressarcimento no mesmo processo, em vista do risco de sucumbir na ação principal. Se não denunciar, arcará com os ônus processuais decorrentes e perderá o direito de regresso, na evicção – por força da regra de direito material383 – enquanto que aquele que deixar de denunciar, em que pese tenha obrigação por lei ou por contrato, não perderá esse direito.

380 Eduardo de Avelar Lamy, ao tratar do princípio da fungibilidade da figura da intervenção de terceiros,

afirma que, em algumas hipóteses, “a dúvida na escolha entre a denunciação da lide e o chamamento ao processo passou a ser compreensível e objetivamente verificável, especialmente junto à jurisprudência, já que a denunciação ganhou a característica da responsabilização direta, comum ao chamamento – embora utilizada em situações sem solidariedade, nas quais este, em tese, não seria cabível – ensejando a aplicação da norma da fungibilidade entre as referidas formas de intervenção de terceiros” (Intervenção de terceiros e o princípio

da fungibilidade: hipóteses de aplicação, p. 197). Essa confusão entre as figuras decorre da falta de rigor

científico para aplicá-las, havendo nefasta tendência de crucificar o processo civil como vilão da prestação da tutela jurisdicional e de ignorar os verdadeiros entraves ao andamento dos feitos.

381 As mudanças propostas chocam, ainda mais, diante do avanço que o instituto recebeu no Código de

Processo Civil de 1973, conforme destacado por Aroldo Plínio Gonçalves (Da denunciação da lide, p. 170).

382 Cf. Humberto Theodoro Júnior que, ao tratar da distinção entre os institutos, diz que a diferença “reside

em que na litisdenunciação, o terceiro não tem vínculo ou ligação alguma com a parte contrária da ação principal. Só há relação jurídica entre o terceiro e uma das partes, ou seja, o denunciante. Já no chamamento ao processo, todas as pessoas mencionadas no art. 77 têm uma obrigação perante a parte contrária que o chama (ou seja, perante o autor). O devedor solidário, o afiançado, o co-fiador, todos, além da ligação ao réu, têm igualmente, perante o direito substancial, um nexo obrigacional com o autor” (Intervenção de terceiros

no processo civil: denunciação da lide e chamamento ao processo, p. 55).

383 Cândido Rangel Dinamarco afirma que “a perda do eventual direito subjetivo material perante o terceiro,

como sanção à omissão de denunciar, existe exclusivamente no que diz respeito à evicção. Tal é a regra contida no próprio Código Civil (art. 456) e expressamente reafirmada no estatuto do processo (art. 70, inc. I: denunciação “a fim de que esta possa exercer o direito que da evicção lhe resulta”)” (Intervenção de

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O projeto elimina, ainda, a hipótese de denunciação ao proprietário ou possuidor indireto na demanda promovida contra quem detenha a posse direta da coisa demandada. Em vista de a posse direta e a indireta coexistirem e de ser lícito aos titulares defendê-las, consideramos imprópria a exclusão dessa possibilidade, pois eles podem defender a posse por direito seu, por título próprio e de forma independente. O projeto, assim, foge da técnica processual, parecendo pretender manter, no art. 330, apenas a denunciação fundada na evicção, além de outra hipótese genérica, abrangendo todas as possibilidades, o que, todavia, não se faz completo pela utilidade do atual inciso II, do art. 70.

O aumento do tempo de suspensão do processo de dez ou trinta dias para dois meses (art. 328 do projeto) revela-se oportuno, diante da costumeira morosidade do Judiciário para efetivar a citação. Apesar disso, consideramos que, por se tratar de prazo máximo, ele deveria ser ainda mais dilatado, para que isso não comprometesse, por si só, a razoável duração do processo, principalmente se comparado a outros problemas que poderiam também afetar o regular trâmite das demandas. Assim, seria pertinente aguardar a citação até que ela se efetivasse, desde que o denunciante a promovesse em tempo razoável e não ficasse caracterizada má-fé, culpa ou desídia do denunciante384. Consideramos que seria benéfico ampliar o prazo e, ainda, conferir ao demandante a possibilidade de pedir prorrogação, de vez que ele é, em tese, o principal interessado na rápida solução do processo e a intervenção pode atender seus próprios interesses, o que fica ainda mais evidente quando ele for autor.

Apesar das mudanças em relação ao desenho atual do instituto, não se supre a deficiência do atual art. 71 do Código de Processo Civil, por não se ter precisado sobre a contagem desse prazo, ao estabelecer apenas que a citação deverá ser feita no prazo de dois meses. Esse prazo está associado ao tempo concedido ao denunciante para tomar as medidas cabíveis para viabilizar a citação – não se contando, por exemplo, o tempo para a expedição do mandado e para o cumprimento do mesmo pelo oficial de justiça – ao período em que o processo permanecerá suspenso ou ao intervalo entre o pedido do

384 Alternativa viável seria aplicar o art. 333 do Código de Processo Civil português, que estabelece prazo de

três meses para a citação ser realizada, facultando, no entanto, ao autor, caso isso não ocorra, requer o prosseguimento ou aguardá-la.

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denunciante e a citação do denunciado? Essa imprecisão é relevante e enseja controvérsia não solucionada.

Não há fundamento plausível, outrossim, para suprimir as alternativas de atuação do denunciado pelo autor, como existe atualmente no art. 74 do Código de Processo Civil. Este estabelece a possibilidade de o denunciado, caso a denunciação seja feita pelo autor, aditar a petição inicial ou, ao menos, acrescer um elemento novo ou conferir melhor contorno ao pedido e à causa de pedir. Apesar de se manter que o chamamento em garantia pode ser promovido por qualquer das partes, deixou-se de regular o que o chamado poderá fazer. Pelo sistema atual, o denunciado “poderá aditar a petição inicial”, procedendo-se a citação do réu apenas posteriormente. A ser suprimida essa previsão, não assistirá direito de o chamado aditar a petição inicial, não se indicando também quando será determinada a citação do réu, se após o comparecimento do chamado ou junto com a deste.

A eliminação dessa regra desvirtua o instituto, dado que a denunciação perderá, em parte, a característica de auxiliar os interesses do autor denunciante. Dessa maneira, restringe-se o auxílio, limitando-o a apresentar defesa, de vez que não será cabível o aditamento da petição inicial, visando tornar mais viável a procedência da ação principal e diminuir o risco da pretensão regressiva. Fica claro, pois, que o chamamento em garantia ficou em segundo plano, conferindo-se maior importância ao chamamento ao processo; nesse sentido, não andou bem o projeto, dado que ambos os institutos mantêm sua importância e não podem ser confundidos, apesar de que o chamamento em garantia não se marca apenas pela característica do regresso.

Do mesmo modo, inexiste justificativa para afastar o regramento sobre as atitudes do denunciado pelo réu, como está no art. 75 do Código. Como se sabe, nele se prevê, quando a denunciação for feita pelo réu, que o denunciado poderá aceitar a denunciação e contestar o pedido, ficar revel ou confessar os fatos alegados pelo autor. Essa disciplina com certeza fará menos falta que a relativa à denunciação pelo autor, pois bastará se aplicar o regime normal que define as consequências de comportamento do requerido em relação a qualquer ação.

Além disso, o instituto, tal como foi proposto, sequer resolve as questões controvertidas que se colocam, atualmente, em torno dele.

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Não prevê, por exemplo, qual será a posição do denunciado no processo principal: litisconsorte, assistente simples ou litisconsorcial. Essa questão é relevante, até mesmo para delimitar sua atuação e para definir quais atos pode praticar. Apesar disso, nada se disciplinou, o que dará ensejo à divergência e retirará a segurança jurídica para os envolvidos em demanda em que ocorra a intervenção.

Ademais, seria de rigor preocupar-se em regular a denunciação per saltum, autorizada pelo art. 456 do Código Civil, ao invés de limitar-se apenas à denunciação sucessiva, regida pelo art. 73 do Código de Processo Civil385. Perde-se a oportunidade de ajustar-se o processo à lei material, reaproximando o direito substancial do processual e possibilitando que a denunciação da lide seja realizada para qualquer um da cadeia dominial, desde que não acarrete prejuízo para a marcha e para a efetividade do processo, resguardada, evidentemente, futura ação direta386.

Além disso, não regula o projeto a possibilidade de condenação direta do denunciado frente ao adversário do denunciante, o que abordamos no capítulo 6.8. e é objeto de controvérsia. Para conferir segurança jurídica ao sistema, é necessário que a questão seja definida pelo legislador, observando também a efetividade da prestação jurisdicional, além do princípio da instrumentalidade. Diante dessa omissão, perde-se oportunidade de aperfeiçoar a denunciação, ao preocupar-se somente com a economia processual, mas não com o resultado prático que essa solução pode ensejar, como, por exemplo, a hipótese de o denunciante ser insolvente ou de o denunciado residir em local ignorado387.

Assim, as mudanças quanto à denunciação da lide (chamamento em garantia no projeto) são, de um modo geral, negativas, com algumas exceções como em relação à adequação da denominação e a exclusão da previsão da obrigatoriedade. Chegam a

385 V. Egas Dirceu Moniz de Aragão, Sobre o chamamento à autoria, p. 57-66; Fredie Didier Júnior, A

denunciação da lide e o art. 456 do novo CC: a denunciação per saltum e a “obrigatoriedade”, p. 260-264;

e Humberto Theodoro Júnior, Uma novidade no campo da intervenção de terceiros no processo civil: a

denunciação da lide per saltum (ação direta), p. 304-311.

386 V., nesse sentido, Cássio Scarpinella Bueno, Partes e terceiros no processo civil brasileiro, p. 249-251; e

Cândido Rangel Dinamarco, que afirma que “está presente em primeiro plano uma regra de direito substancial, não de direito processual (...). A autorização de denunciar per saltum é somente uma projeção processual dessa regra substancial” (Intervenção de terceiros, p. 160).

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representar retrocesso, de vez que deixam de ter identidade própria, faltando muito pouco para tornarem-se simples desdobramento do chamamento ao processo, o que decorre até da unificação do procedimento de ambos.

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