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Da transação entre o denunciante e seu adversário na ação principal e denunciação

No documento Denunciação da lide no direito brasileiro (páginas 140-144)

6. Das regras procedimentais para a denunciação da lide

6.3. Dos atos e posturas do denunciante que repercutem na denunciação

6.3.4. Da transação entre o denunciante e seu adversário na ação principal e denunciação

principal, o que leva à extinção do processo com resolução do mérito (art. 269, III, do CPC). Se o denunciado não participar de tal transação, ele não poderá ser atingido, nos termos do art. 844 do Código Civil, de vez que “a transação não aproveita, nem prejudica senão aos que nela intervirem”.

Essa transação entre as partes relativamente à ação principal logicamente é cabível e produzirá efeitos, independentemente de o denunciado ter ou não ter participado dela. Se assim não for, o denunciante, incoerentemente, perderia a oportunidade de extinguir o litígio da ação principal, que possivelmente lhe seja benéfico.

Existe, no entanto, exceção a essa regra, que convém destacarmos antes de aprofundarmos a questão. No caso de seguro de responsabilidade civil, o segurado só poderá transigir com a parte adversa, desde que tenha o consentimento do denunciado segurador, diante da previsão do § 2º, do art. 787, do Código Civil.

Resolvida a ação principal, resta saber quais os efeitos e as consequências da transação em relação à lide secundária.

De um lado, há quem sustente que, sem a participação do denunciado, a transação celebrada pelo denunciante e o seu adversário prejudica a lide secundária, por falta de interesse processual superveniente305.

Esse entendimento, todavia, não nos parece correto, por expressa disposição legal, dado que a transação não pode aproveitar ou prejudicar o denunciado, pois dela ele

305 Para essa corrente, diante da transação celebrada pelo denunciante e o seu adversário, a denunciação da

lide fica “prejudicada por ausência de interesse processual superveniente”, de modo que o processo deve ser extinto, sem resolução de mérito, por perda superveniente do interesse processual (art. 267, IV, do CPC) (cf. TJSP, AP 0128374-89.2004.8.26.0100, Rel. Des. ORLANDO PISTORESI, 30ª Câmara de Direito Privado, J. 23/02/2011).

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não participou. Assim, como não é possível, por meio da transação, afastar eventual responsabilidade do denunciado, incabível também atribuir-lhe responsabilidade automaticamente, por ele não ter intervindo na composição. Não é possível que o litigante transija sobre direito que não lhe pertence, ficando, portanto, os efeitos da transação só entre os transatores. Apesar disso, é certo que, se o acordo feito pelo denunciante importar em nada pagar à parte contrária, isso retira, por completo, o objeto da lide de regresso.

A única ressalva que ponderamos é quanto à previsão do art. 76 do Código de Processo Civil, ao determinar o julgamento da ação principal e da regressiva na mesma sentença. Fica claro que a intenção do legislador é que a ação e a denunciação da lide sejam julgadas simultaneamente, assim como sucede em relação a ação e a reconvenção (art. 318 do CPC), porém essas regras processuais não têm como impedir a transação, que é instituto de direito material.

De qualquer modo, a também temperar o rigor de se decidir conjuntamente, aponta-se para o § 2º, do art. 72, do texto processual – que, diante da não citação do denunciado no prazo legal, estabelece que a ação prosseguirá unicamente em relação ao denunciante – bem como, por analogia, para o art. 317 do Código de Processo Civil – ao dispor que a reconvenção prosseguirá, na hipótese de desistência da ação ou de qualquer causa que a extinga. Assim, a regra é a ação e a denunciação da lide serem julgadas conjuntamente, mas a interpretação sistemática possibilita que sejam resolvidas em separado.

Não nos parece correto admitir o desmembramento da ação principal da lide secundária, em razão da dificuldade na instrução simultânea de ambas ou de a denunciação estar retardando o processo. No Código de Processo Civil de 1939, isso era possível, por força do disposto no art. 116, ao admitir “o desmembramento dos processos reunidos”, o que, todavia, foi suprimido do sistema vigente. Ora, se a prova for útil e relevante para demonstrar fato controvertido, é necessário produzi-la. Se não for, cabe ao julgador indeferi-la, até para velar pela rápida solução do feito (art. 125, II, do CPC). Afigura-se razoável aguardar a instrução processual e não desdobrar o processo, em vista de ele poder

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ficar suspenso, por até um ano, quando a sentença de mérito depender do julgamento de outra causa, como sucede no caso (art. 265, IV, “a”)306.

Assim, pode bem o magistrado, a fim de não romper com a unidade da sentença, postergar a homologação do acordo para quando estiver em condição de julgar a ação de regresso.

De outro lado, existe corrente considerando que a lide secundária não se extingue automaticamente e que deve prosseguir para não ficar prejudicada. Parece-nos ser esse o raciocínio correto, de vez que se permite ao denunciante buscar ressarcir-se no mesmo processo, por força de a lide secundária subsistir, e ao denunciado, realizar defesa efetiva. Dessa maneira, o processo prosseguiria com a denunciação como lide autônoma, podendo o denunciado invocar, por exemplo, a ausência de responsabilidade do denunciante, que precipitadamente celebrou o acordo, apontando falta de regular defesa naquele feito; o não cabimento da denunciação da lide; ou a limitação da cobertura da apólice.

Essa posição é defendida na doutrina por SYDNEY SANCHES307 e ATHOS GUSMÃO CARNEIRO308, havendo, nessa mesma linha, acórdãos do Superior Tribunal de Justiça309 e do Tribunal de Justiça de São Paulo310.

Para assim considerar, pondere-se apenas que o denunciante não deve, por lógico, desistir da lide secundária e que os termos da transação não podem inviabilizar o prosseguimento da ação regressiva. Em tese, o interesse do denunciante na lide secundária mantém-se, em razão de a denunciação ser ação regressiva, eventual e condicionada à demanda principal. Se a lide secundária for declarada prejudicada por força da transação, o

306 Em sentido diverso, Milton Flaks, ao sustentar a possibilidade de desdobramento do processo

(Denunciação da lide, p. 152-154).

307 Sustenta que a transação não “afetará eventual responsabilidade do denunciado” e que a lide secundária

deverá prosseguir, “para se saber se o denunciado deve ou não ser condenado a alguma indenização perante o denunciante” (Denunciação da lide no direito processual civil brasileiro, p. 224).

308 Afirma que a homologação judicial irá extinguir a demanda originária (CPC, art. 269, III), “mas em

princípio não prejudicará a demanda regressiva, já agora tornada ‘autônoma’”, podendo o denunciado resistir, até porque os fundamentos da transação “não vinculam o terceiro a quem a lide originária foi denunciada” (Intervenção de terceiros, n. 58, p. 160).

309 REsp 316.046/SP, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, 4ª Turma, J. 17/02/2009.

310 AP 0114004-76.2007.8.26.0011, Rel. Des. ADILSON DE ARAÚJO, 31ª Câmara de Direito Privado, J.

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denunciante terá que ajuizar nova ação em face do denunciado, o que não se ajusta aos princípios processuais, a revelar que não há razão para considerá-la assim.

De qualquer maneira, o denunciado persiste, podendo discutir se efetivamente o denunciante tinha responsabilidade, dado que a transação não restringe seu direito de defesa, qualquer que seja sua posição processual. O denunciado, até mesmo se for considerado assistente simples, não fica impedido de debater sobre a “justiça da decisão”, ao passo que, se for litisconsorte – o que se admite para fins de exposição – não pode ser prejudicado pela transação, em razão de somente os atos benéficos terem aptidão de atingi- lo pela regra do art. 48 do Código de Processo Civil.

A lei não faz, por exemplo, distinção quanto ao pagamento de indenização pelo denunciante, por força de ter sucumbido ou transigido. Não é possível interpretar diferentemente, a partir do disposto no inciso III, do art. 70, do texto processual, ao estabelecer que o denunciado será condenado a indenizar, em ação regressiva, o “prejuízo do que perder a demanda”, que nem sempre será aquele assumido por ele na transação. Uma das finalidades do instituto é a do ressarcimento, de modo que há de se conferir interpetação sistemática aos dispositivos que o regulam, não se podendo considerar que, por o denunciado não ter perdido tecnicamente a ação, mas transigido, o regresso é indevido.

Além disso, os litigantes da lide secundária não são devedores solidários do adversário da denunciante por não se tratar de chamamento ao processo. Desse modo, não se aplica a regra do § 3º, do art. 844, do Código Civil, que estabelece a extinção da dívida, se a transação for realizada entre um dos devedores solidários e seu credor.

Assim, se o denunciante transigir, a lide secundária prosseguirá e poderá ser julgada procedente, caso sejam demonstradas a responsabilidade do denunciado, bem como os fatos constitutivos do direito dele. Ressalve-se, no entanto, que eventual indenização a ser definida na lide secundária estará limitada ao valor objeto da transação e a execução, condicionada à comprovação do pagamento ao adversário do denunciante.

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6.3.5. Da preliminar de ilegitimidade passiva na ação principal e

No documento Denunciação da lide no direito brasileiro (páginas 140-144)

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