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2.3 DILEMAS DE GESTÃO

2.3.1 Da Escassez de Informações e das Estatísticas

Adentrando ao tema da gestão pública, propõe-se agora uma breve reflexão sobre os problemas enfrentados em razão da falta de diagnósticos precisos, pois

com a complexidade das funções assumidas pelo Estado, há, paralelamente, a necessidade de aperfeiçoar o fluxo de informações necessárias para a tomada de decisões práticas.

Um dos principais entraves para uma investigação eficiente é a falta de um sistema confiável de dados, o que impede comparações e conhecimento das particularidades da criminalidade.

A explicação para o problema da criminalidade e da violência na sociologia contemporânea não é mais buscada através de uma visão seqüencial de causa e de efeito, ao contrário, procura-se um modelo multidimensional em que um conjunto de ações desencadeia efeitos que se cruzam entre si.

Para que um programa ou uma política se realize é necessário que haja um diagnóstico das dinâmicas criminais e dos fatores de risco para a elaboração de um plano de ação, capaz de formular uma agenda, identificar prioridades, recursos e estipular metas, seguidas de monitoramento (SOARES e GUINDANI, 2005).

Na década de 60, nos Estados Unidos, surgiram os “indicadores sociais” que, na realidade, são incapazes de representar, de forma absoluta, a verdade sobre o fenômeno da criminalidade. Podem, sim, caracterizar tendências do fenômeno, pois são informações quantificáveis que traduzem conceitos sociais abstratos. Kahn (1997) avalia os indicadores sociais como "medidas de uma característica observável de um fenômeno social e que estabelecem o valor de uma característica diferente, mas não observável do fenômeno". Busca-se, através dos índices (medidas estatísticas), reduzir a margem da incerteza, prevendo a evolução futura dos fatos e avaliando a eficácia das medidas postas em prática.

Zaluar (2004) salienta que não dispomos de um sistema nacional de estatísticas oficiais de criminalidade e, portanto, não podemos responder empiricamente às indagações mais simples e elementares sobre o impacto real (distinto do socialmente percebido) do crime na vida cotidiana.

A autora (2004) ainda alerta que um espectro ronda a pesquisa sociológica no Brasil: a reificação ingênua dos dados, principalmente os oficiais. Cada uma das fontes de registro de dados, oficial ou não, é resultado de diversas relações sociais que devem ser cuidadosamente consideradas para se avaliar e assegurar sua credibilidade. Não existem pesquisas puramente quantitativas ou qualitativas, pois elas decorrem de operações mentais de quem as registra, portanto, são construídas. Daí decorrem os problemas principais nos dados sobre violência e criminalidade.

Eles dependem dos encarregados dos registros que se utilizam de categorias preestabelecidas, interpretando o que presenciam e valendo-se do senso comum (Policial Militar, na rua, Escrivão de Polícia, na Delegacia, Médico, no Instituto Médico Legal, Escrivão de Justiça, no Foro, etc.). A posição institucional de quem registra os dados, o fato de pertencer aos quadros da Polícia ou aos quadros do Sistema de Saúde, implica uma “rationale” para um registro bastante diferenciado. Essa é a base sobre a qual se monta todo o aparato de dados estatísticos oficiais.

Soares (2006b) ainda esclarece que no Brasil não há treinamento especial para preenchimento dos documentos referentes à ocorrência de crimes, nem se desenvolveu uma cultura institucional que valorize referidas declarações. Além disso, esses registros são diferentes, nos diversos Estados, geralmente feitos à mão ou datilografados. Os papéis gerados pelos registros têm destinos distintos, há perda de registros, documentos com letras ilegíveis e baixa qualidade das informações consignadas.

Nessas perspectivas, um dos principais problemas enfrentado pela gestão no processo de integração das organizações é a falta de diagnóstico preciso, decorrente da escassez de informações, da ausência de uma efetiva pesquisa de vitimização, da elevada cifra obscura, bem como do efeito funil da justiça.

As estatísticas criminais são importantes mecanismos de estudos e estão associadas ao debate democrático, em especial, na reformulação das políticas públicas de segurança e justiça. Se antes, elas estavam no campo da reprodução burocrática de procedimentos e inquéritos, elas, agora, compõem a preocupação sobre o uso de dados oficiais na descrição de situações sociais e sobre as formas da sociedade se apropriar dos discursos normativos que regem o funcionamento das instituições de justiça criminal e, por conseguinte, contestá-los, conforme ressalta Lima (2005).

Para melhor compreensão do tema, importante destacar os conceitos de dark rate (cifra obscura) e de taxa de atrito.

Lemgruber questiona:

Como avaliar o tamanho de nosso problema, quando se discute a violência e a criminalidade no Brasil, e ter clareza, por exemplo, sobre a quantidade de crimes cometidos? Na verdade, pela falta de pesquisas regulares de vitimização e pela insuficiente informatização do Sistema de Justiça Criminal como um todo, é praticamente impossível determinar a real dimensão da criminalidade em nosso país. Não existem dados confiáveis

para se determinar a "cifra negra" ou "taxa negra", isto é, a diferença entre o número de crimes cometidos e aqueles que chegam ao conhecimento da polícia (LEMGRUBER, 2002, p.157).

Tampouco se pode conhecer a taxa de atrito, ou a proporção das perdas que ocorrem em cada instância do Sistema de Justiça Criminal, a partir do número de crimes cometidos, culminando com o número de infratores que recebem uma pena de prisão (LEMGRUBER, 2002, p. 157).

É caótica, no dizer de Rolim (2006), a situação enfrentada pelo Brasil em relação aos dados para o estudo do crime e da violência. Não existem informações elementares que permitam um diagnóstico sequer sobre as tendências criminais em curso e, muito menos, dados que nos permitam aferir a eficácia de iniciativas tomadas pela Polícia.

Conforme Kahn (1997), impõe-se que a Administração Pública e a Sociedade tenham instrumentos eficazes para mensurar o desempenho das políticas colocadas em prática no âmbito da Segurança Pública e que afetam diretamente o nível de violência da sociedade21.

Soares (2006b) conclui que não havendo gestão, não há condições de realizar investigações eficientes. Deve haver um sistema organizado de informações automatizadas, capacitando policiais e gestores da segurança a se anteciparem ao crime e preveni-lo. O autor (2000a) ressalta a necessidade do referido sistema se articular a um processo de diagnose-planejamento-monitoramento, com profissionais qualificados e equipamentos satisfatórios, tecnologia moderna e estrutura organizacional adequada.

21 Soares (2002c) ressalta que no campo da Segurança Pública tudo é mais complicado do que parece. Por exemplo, a quantidade de crimes pode diminuir por condições externas às dinâmicas criminais que condicionam sua existência e são substituídas por outros, desfavoráveis à sua prática (como a taxa de desemprego, o padrão de vida dos segmentos pobres, o grau de exclusão da cidadania, etc.), sem que a política de segurança ou o comportamento policial contribuam de qualquer modo para essa alteração das condições. A quantidade de crimes também pode decrescer em razão de algumas condições internas às dinâmicas criminais. Por exemplo, um determinado território pode beneficiar-se da piora relativa do desempenho policial, o que funcionaria como atrativo para criminosos, provocando êxodo: sua conseqüência imediata seria a diminuição da criminalidade no território abandonado pelos bandidos. O aumento de certos tipos de crimes pode ser conseqüência do aumento, por exemplo, da disponibilidade de armas no mercado ilegal. Certas variações nos crimes podem ser resultados das mudanças introduzidas na vida de uma sociedade pelo ciclo sazonal. Enfim, o universo da Segurança Pública e da criminalidade é tão complexo que a melhora aparente, inclusive redução de crimes e mortes, pode ser subproduto perverso do aumento do perigo representado pelos criminosos, do fortalecimento de seu poder de corromper, destruir instituições e desorganizar a sociedade.

É de se salientar que grande parte das delegacias não conta com os recursos da informática. As informações coletadas não são padronizadas. Dados, eventualmente padronizados, na maioria das vezes, não são organizados em programas compatíveis, inviabilizando o cruzamento dessas informações entre as várias agências. Essa ausência de integração dos sistemas informatizados não permite se ter uma idéia precisa sobre a “taxa de atrito” no Brasil, qual seja, a diferença entre os crimes registrados e o número de pessoas que foram responsabilizadas por eles. Não há um acompanhamento desde a ocorrência criminosa até a responsabilização judicial (ROLIM, 2006).