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Como ressalta Zaluar:

ainda não se fez, no Brasil, uma história do crime organizado, desde aquele que sempre presidiu a legalização da propriedade fundiária até o mais recente, do tráfico de drogas, que tornou as redes mais extensas, mais globais e muito mais difíceis de serem controladas (2004, p. 346).

[...] Apenas nos últimos anos as investigações policiais e dos promotores e procuradores do Estado permitiram começar a levantar o véu que encobria a crucial participação de políticos, empresários e negociantes em diversos

60 Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado. Disponível em: <http://bvc.cgu.gov.br>.

esquemas de lavagem do dinheiro fruto da corrupção ou de negócios escusos, o véu que afirmava a correlação entre pobreza e criminalidade, sem entender a complexidade dos processos de interconexão das várias atividades ilegais de personagens com diferentes origens sociais (ZALUAR, 2004, p. 346-347).

A violência urbana sempre foi apresentada como ação de pequenos e médios habitantes, geralmente pobres e moradores de favelas. Zaluar (2004) procurou desconstituir esse estereótipo cristalizado nos discursos da direita e da esquerda. Na direita, os criminosos eram os verdadeiros culpados por estarem encarcerados, Na esquerda, eram vítimas de um sistema ineficaz que fazia deles homens violentos. Não se relacionava violência entre os jovens pobres e a transformações nas formas de criminalidade que se organizavam em torno do tráfico de drogas e do contrabando de armas. Essa atitude deixou o caminho livre para o crime organizado e acabou por abalar a noção de civilidade. Um dos grandes problemas no Brasil se deu na recusa dos brasileiros em aceitar que as novas formas de associação entre criminosos que estavam mudando o cenário da criminalidade, economia e política do país. Além disso, o regime militar no Brasil contribuiu para que o crime organizado se espalhasse com rapidez pelo Brasil nos anos e 1970.

Comparando a Máfia Italiana com o crime organizado no Brasil, Zaluar (2004, p. 347) destaca: “Portanto, lá como cá, também foram os bandidos pobres e pouco importantes que sempre pagaram na prisão os crimes dos ricos ainda tão impunes”.

Ao utilizar a comparação histórica, com base na obra de Salvadore Lupo, a autora procurou ressaltar que a máfia nunca foi fenômeno rural, tradicional e de ordem pública na Sicília, mas sempre esteve conectada com o controle ilegal ou ilegítimo de mercados, contratos e negócios, tendendo ao monopólio econômico e à vitória eleitoral garantida.

No final dos anos 70, chefes sicilianos como Buscetta e Badalamenti adquiriram poder internacional, transferindo dinheiro do Novo para o Velho Mundo pelos canais bancários, principal pista seguida pelo Juiz Falcone. Em 1984, Badalamenti encontrava-se no Rio de Janeiro e telefonou para os Estados Unidos afirmando que “a eles cabia o tráfico de heroína”. Também no Brasil, Buscetta foi preso e interrogado, justo no momento em que se registrava a ascensão das taxas de homicídio no Brasil e se iniciava as gangues armadas nas favelas do Rio de Janeiro e de outras cidades brasileiras.

No Brasil, o Comando Vermelho, também conhecido como “Falange Vermelha”, foi criado em 1979, no Rio de Janeiro, a partir do convívio dos presos políticos, que combatiam a ditadura militar implantada no país, com os presos comuns. Foi a partir do CV que o Brasil entrou definitivamente na rota das drogas, trazendo também armamentos pesados e sofisticados. Os presos políticos aprenderam sobre assaltos a bancos, violência sexual, assassinados, tóxicos e jogos. Os presos comuns receberam aula de política, comportamento grupal e organização coletiva. O Primeiro Comando da Capital (PCC) começou a funcionar por volta de 2002 e, atualmente, controla cerca de 30 mil detentos. O maior rival do PCC é o Comando Democrático pela Liberdade (CDL), facção que surgiu em 1996, em São Paulo. O Terceiro Comando (TC) nasceu nos anos 80, como dissidente do CV, e atua no Rio de Janeiro. A Facção Amigos dos Amigos (ADA) foi fundada em 1998. As facções CV e TC já chegaram à internet. Há um link encontrado numa página do CV para um site em português e com endereço brasileiro da FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), grupo guerrilheiro aliado de algumas facções brasileiras. As facções criaram sites, contas de e-mail e fizeram registro no ICQ (programa de bate-papo em tempo real), para envio e recebimento de mensagens. Não há dúvidas de que a proliferação das facções criminosas é resultado da má administração e da precariedade do sistema prisional. É como se fosse um acordo informal entre Governo e presos: o Estado permite regalias e faz vistas grossas, isso em troca de paz. É um modelo que permite a criação das facções (RUWEL, 2001).

Referindo-se ao PCC, Souza (2002) salienta que:

[...] eles montam uma central telefônica. Estruturam uma equipe de advogados. Fazem negócios com empresários, traficantes que costumam apresentar-se como respeitáveis senhores. Corrompem funcionários e tudo o que é proibido entra na prisão. E, cumprindo pena, comandam seus negócios criminosos normalmente, agenciam assassinatos e planejam vinganças. A organização foi estruturada com a criação de um estatuto, pactos firmados, catequização de adeptos e compromissos irreversíveis de união. A organização decidiu financiar cursos de direito para jovens adeptos, sob juramento de que, no futuro, eles seriam os sempre disponíveis advogados do grupo.

Tem-se, como afirma Zaluar (2004), que desde 1980, quando começou a se expandir e a se consolidar o negócio do tráfico, ele sempre foi comandado por homens jovens que jogavam nos dois tabuleiros: o do poder e o do negócio. O que

mudou, no final de 1980, é que o negócio passou a ser comandado por designação dos conselhos, que se encontravam dentro e fora das prisões, portanto, fora da favela.

Nesse contexto de corrupção, as Instituições do Sistema de Justiça acabaram contaminadas. Passa-se a notar a forma diferenciada no agir da Polícia Militar e da Polícia Civil no tocante às suas relações com os “pobres e ricos”. No dizer de Zaluar (2004, p. 359 ): “Há, sem dúvida, uma polícia para os pobres e uma polícia para os ricos, o que foi reforçado durante o regime militar”.

Já existem registros pelo país afora de conexões entre traficante e políticos via financiamento de campanhas eleitorais, além do tráfico de influências, comprovando como os traficantes conseguiram penetrar nas várias organizações governamentais e voluntárias.

Considerando-se as abordagens da Sociologia das Organizações, nesse contexto, pode-se verificar como a teoria de Weber acerca do “monopólio legítimo da violência pelo Estado” faz parte dessa realidade. No momento em que esse monopólio mostrou-se falível, os traficantes (mafiosos) passaram a exercer o lugar do Estado, enfraquecendo, sobremaneira o Sistema de Segurança Pública e Justiça Criminal.