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2.2 DA REALIDADE DA CRIMINALIDADE E DA VIOLÊNCIA

2.2.1 Da Pobreza, Exclusão e Desigualdade Social

Feitos esses brevíssimos apontamentos, volta-se agora, ainda que de forma sucinta, para alguns fenômenos de nossa realidade e eventuais influências no crescimento da criminalidade e da violência.

Para Soares (2006b), a pobreza e desigualdade são e não são condicionantes da criminalidade, dependendo do tipo de crime, do contexto intersubjetivo e do horizonte cultural a que nos referimos.

Kahn (2002), após longas pesquisas sobre o tema, conclui que o Brasil vive um cenário de profunda desigualdade social e econômica, onde grande parte da população é excluída dos direitos que lhe são garantidos constitucionalmente.

Essa desigualdade é também racial conforme Adorno (2003b):

Há uma idéia de que o crime está necessariamente ligado à pobreza e que a pobreza está necessariamente ligada à cor. Nesse caso, a pobreza tem cor: a cor negra. O racismo, nas instituições de controle social, particularmente na Polícia e nas instituições de justiça, é uma expressão daquilo que acontece na sociedade.

O referido autor (1995) ressalta que na sociedade brasileira convivem amplas parcelas da população excluídas a despeito da reconstrução da normalidade democrática, após 21 anos de regime autoritário. Diferentes clivagens contribuem para esse cenário social: situação ocupacional, carência de profissionalização, baixa escolaridade, origem regional, idade, cor e sexo. A exclusão social é reforçada pelo preconceito e pela estigmatização, bem como pela extrema tolerância que temos para com essa forma de discriminação.

Azevedo salienta que:

O estado de natureza pós-moderno é caracterizado pela ansiedade permanente do trabalhador assalariado, do desempregado em busca de trabalho, dos trabalhadores autônomos e dos trabalhadores clandestinos.

Ocorre o surgimento de uma subclasse de excluídos, constituída por grupos sociais em mobilidade descendente estrutural e por grupos sociais para quem o trabalho deixou de ser uma expectativa realista. É a chamada

Underclass, cujas características principais são: residência, em espaços

socialmente isolados das outras classes; ausência de emprego de longa duração; famílias monoparentais chefiadas por mulheres; ausência de qualificação ou de formação profissional; longos períodos de pobreza e de dependência da assistência social; busca de alternativas de sobrevivência em atividades ilícitas, do tipo Street Crime; altas taxas de vitimização letal e encarceramento (2005b, p. 120-121).

Wieviorka (1997) sugere que a ausência ou escassez de mediadores sociais e a diabolização do outro tornam difícil a formação de sistemas sociais, criando o espaço da violência. O enfraquecimento do Estado como aquele que possui o monopólio da coação física legítima passa a encobrir uma violência ilegítima (exercida por seus agentes – policiais, através de torturas, abuso de autoridade, etc.), bem como passa a delegar o uso de força a setores privados (segurança privada – condomínios fechados: criando verdadeiros apartheids).

Vários são os pesquisadores como Sapori, Wanderley, Beato, Zaluar, Cano, Santos e Soares que buscaram identificar a influência da renda sobre a criminalidade. Cárdia et al. (2003, p. 184) [...] constataram que a concentração de carências e de desigualdades sociais não parece suficiente para explicar a criminalidade, sobretudo porque a evolução da criminalidade está profundamente influenciada pelo crime contra o patrimônio, modalidade mais associada à circulação da riqueza do que à sua carência.

Soares (2003a) exemplifica o cotidiano da tragédia através das bases sociais do recrutamento dos jovens16. Para ele (2000a) a mais grave miséria é a exclusão social.

Zaluar (2004) chama a atenção no sentido de que a correlação entre pobreza e criminalidade ou pobreza e violência deve ser problematizada. Atribuir apenas à pobreza – que sempre existiu no Brasil - o incrível aumento da criminalidade é

16 Soares (2003a) ilustra essa realidade referindo-se a um menino pobre caminhando invisível pelas ruas das grandes cidades brasileiras. Quase sempre negro e sujo. Geralmente, abriga-se nas calçadas das metrópoles, expulso de casa pela violência doméstica, esquecido pelo poder público, ignorado pela comunidade e excluído da cidadania. Sem perspectivas e esperança, sem vínculos afetivos e simbólicos com a ordem visual, sem conexão identitária com a cultura dominante, o menino permanece invisível, enquanto perambula pelas esquinas. A invisibilidade pode ser produzida pela indiferença pública à sua presença – que nunca é somente física, é sempre também social – ou pela projeção sobre ele de estigmas, anulando sua individualidade. Quando um traficante lhe dá uma arma, ele recebe muito mais do que um instrumento que lhe proporcionará vantagens materiais, ganhos econômicos e acesso ao consumo; o menino recebe um passaporte para a existência social,

alimentar preconceitos e discriminações contra os pobres, além de constituir um erro de diagnóstico que pode tornar ineficazes as políticas públicas, adotadas a partir desse raciocínio.

Para a referida autora (2005), o Estado nunca foi suficientemente forte para impedir o uso da violência e nunca cumpriu, nem medianamente, sua principal função: dar segurança a seus cidadãos. Hoje, tem-se a perda do monopólio estatal de violência legítima, fundamento da soberania, em proveito de empresas privadas de segurança, grupos e indivíduos fortemente armados, em mãos de membros de organizações ou redes transacionais do crime. A escalada da violência dá-se pela inércia institucional e pela cegueira dos que elaboram políticas de segurança e que não resolvem os problemas estruturais das principais instituições que as levam a efeito.

Misse (2006) refere que as relações entre pobreza e miséria com certos tipos de criminalidade é antiga no imaginário social, mas adquire status moderno com as tentativas científicas dos socialistas, no final do século, de demonstrar sua efetividade social.

As abordagens sociológicas clássicas alertam para as dificuldades da correlação, mas não a negam, procurando incluí-la numa formulação sistêmica mais abrangente.

Para Merton (1970):

[...] a pobreza em si é a conseqüente limitação de oportunidades. Quando a pobreza e as desvantagens a ela associadas, em competição com os valores aprovados para todos os membros da sociedade estão articuladas com uma ênfase cultural do êxito pecuniário como objetivo dominante, as altas proporções de comportamento criminoso são o resultado normal17.

Não basta reduzir a miséria, como concluem os que prezam a tese economicista. Seria ilusão acreditar que se a renda chegar aos mais necessitados, a violência dará lugar à harmonia, à cooperação, à sociabilidade, conforme Soares (2004b). O autor acrescenta (2006b) que ser pobre não torna ninguém criminoso. porque a arma será capaz de produzir em cada um de nós um sentimento: o medo, provocando no menino um sentimento de reconquista, presença, visibilidade e existência social.

17 Sabadell (2005) acredita que Merton descobriu a cilada em que se encontram as sociedades modernas: elas prescrevem aos indivíduos determinado projeto de vida e ao mesmo tempo impossibilitam a concretização desses projetos. Em tal situação, as violações de regras são inevitáveis. Essa teoria explica porque grande parte de membros das classes desfavorecidas

Adorno (1991) insiste ser a assimetria nas relações de poder e na distribuição da Justiça Criminal que torna possível a reprodução da delinqüência18. Para o autor (1994), o problema da Justiça Penal reside no fato de que ela é incapaz de traduzir diferenças e desigualdades em direitos, incapaz de fazer da norma uma medida comum, isto é, incapaz de fundar o consenso em meio às diferenças e desigualdades e, por essa via, construir uma sociabilidade baseada na solidariedade.

Enfim, alegar-se que “enquanto não se eliminarem as grandes iniqüidades. estruturais da sociedade brasileira, nada se pode fazer para conter a insegurança”, é negar a possibilidade de soluções a curto prazo, e isso induz ao imobilismo e leva a população à descrença, conforme salienta Soares (2006d).