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2.3 DILEMAS DE GESTÃO

2.3.4 Falta de Gestão e de Prioridade Política

Feitos esses brevíssimos apontamentos, volta-se agora, ainda que também de forma sucinta, para as políticas públicas de segurança.

Criminalidade e violência historicamente não eram tidos como problemas públicos importantes, considerando as demais carências do Estado. Sapori (2006) ressalta que há uma ausência de racionalidade gerencial mais sistêmica no âmbito das políticas públicas (de planejamento, monitoramento e avaliação de resultados).

Enquanto persistirem, sem controle por parte do poder público, as históricas disputas e confrontos de forças entre grupos situados no interior do aparelho do

Sistema de Justiça Criminal e enquanto não se definirem limites de atuação, firmando-lhes responsabilidade e competência, no contexto do exercício democrático do poder, nenhuma política será eficaz, conforme sustenta Adorno (1993a).

A crise fiscal do Estado, por outro lado, promove a redução de investimentos na área da Segurança Pública, com sérias repercussões nas condições e na divisão de trabalho entre agências que compõem o Sistema de Justiça Criminal, acirrando os conflitos intra e entre as instituições (ADORNO, 1998b).

Mingardi (1991) ilustra que o Governo tem duas formas de influir na Polícia: a primeira é alterando a estrutura organizacional, o que pode ou não resultar em mudanças na forma das Polícias agirem; a segunda é quando da escolha do Secretário da Segurança, que, na maioria dos casos, tem muito pouca vivência do trabalho policial. Geralmente é um político ou advogado criminalista e, mesmo vindo do Ministério Público ou Judiciário, seus contatos com criminosos, vítimas e policiais se dá em outro nível. Outro risco que corre o Secretário mal informado é o de não perceber se as informações que recebe, sobre a parte escusa do trabalho policial, são fidedignas. Não tendo experiências para julgá-las, fica dependente dos Policiais que coloca nos cargos de comando ou que lá são colocados (seja por indicação, pedido ou por previsão da legislação interna).

Kahn (2006) salienta que o envolvimento federal no tocante à criminalidade foi-se dando de modo errático. Ao sabor das crises e tragédias nacionais, houve um verdadeiro “gerenciamento de pânico”, isto é, um processo improvisado no qual falta uma visão de conjunto e o encaixe com os demais elementos do sistema.

Observa-se que a maioria dos governos não têm um projeto verdadeiramente sério para a área da Segurança Pública, nem tampouco querem fazer ou executar um. Luiz Eduardo Soares e Luis Flávio Sapori são indicativos dessa constatação.

Entre novembro de 1998 e março de 2000, o antropólogo Luiz Eduardo Soares esteve à frente da Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, onde procurou demonstrar que a violência carioca – logo, a (in) Segurança Pública de qualquer cidade brasileira – tem remédio. Ele acabou sendo surpreendido, durante a gestão para implementação dos projetos que configuravam uma política de segurança, com sua demissão. Na ocasião, o Governador deu três versões distintas para o afastamento de Luiz Eduardo, inclusive, referindo-se a ele como “um auxiliar do Governo”. Por ingerências políticas e em razão das críticas que fez à corrupção,

à brutalidade de policiais e à tibieza do Governo em apoiar o projeto de reforma da Polícia e da Segurança Pública, Soares foi demitido e seus projetos prejudicados (SOARES, 2000a).

Em momento posterior, quando deixou o comando da Secretaria Nacional de Segurança Pública, cargo que ocupou entre janeiro e outubro de 2003, Soares defendeu a necessidade de um novo formato legal para a Segurança Pública, explicando que a falta de determinação política do Governo Federal representou o principal entrave à consecução do Sistema Único de Segurança Pública, alertando que o Presidente da República não quis chamar para si a responsabilidade de ser o protagonista, na área da Segurança Pública, conforme observa Teixeira (2005).

Na ocasião, Soares destacou que o então Ministro da Justiça justificou que:

o Presidente Lula não operaria as mudanças previstas no Plano porque não queria despejar os cadáveres na sua ante-sala do palácio e fazer com que as tragédias cotidianas da Segurança Pública se convertessem em desgaste político e o vulnerabilizassem (TEIXEIRA, 2005, p. 105).

O sociólogo Luis Flávio Sapori assumiu, em 2003, junto ao Governo de Minas Gerais, o cargo de Secretário-adjunto da Defesa Social. Ele foi um dos responsáveis pela elaboração do Plano Estadual de Segurança Pública para Minas Gerais. Como Secretário-adjunto ajudou a implementar a nova política de Segurança Pública do Estado, por meio da qual foi instituído o Sistema Integrado de Defesa Social. O novo modelo de gestão em Segurança Pública promoveu a integração dos procedimentos das forças de Segurança Estadual – Polícia Militar, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros e Guarda Penitenciária.

Já por ocasião do segundo mandato do Governador de Minas Gerais, em 30 de maio de 2007, Sapori foi empossado no cargo de consultor do Estado para assuntos de Segurança Pública. Sua função era formular políticas para o combate à criminalidade em Minas Gerais. Na oportunidade, Sapori ressaltou: “Pela primeira vez na história do Brasil um governante acreditou que é possível fazer um plano de ação com metas, gerenciamento, investimentos e decisão política. Investimentos em Segurança Pública envolvem ações na área prisional, policial e prevenção social”. Em 19 de setembro de 2007, menos de 4 meses depois, Sapori solicitou seu desligamento, por falta de qualquer apoio político ao seu trabalho, comunicando,

oficialmente, que não ocupava mais o cargo de assessor do Governador para assuntos de Segurança Pública22.

As ingerências políticas atrapalham sobremaneira a efetiva atuação estatal. Por outro lado, cabe destacar que, no plano federal, apesar de todos os problemas, desde a criação da SENASP, ainda no Governo de Fernando Henrique Cardoso, começaram a ser formuladas políticas nacionais, articuladas com os Estados, que vêm tendo continuidade e produzindo algumas mudanças importantes em áreas como a formação policial e o condicionamento do repasse de recursos federais a projetos consistentes, e que culminaram com a elaboração e apresentação do PRONASCI, em 20 de agosto de 2007.

A Secretaria Nacional de Segurança Pública – SENASP foi criada pelo Decreto n. 2.315, de 4 de setembro de 1997 e decorreu da transformação da antiga Secretaria de Planejamento de Ações Nacionais de Segurança Pública – SEPLANSEG. A SEPLANSEG foi criada no governo de Fernando Henrique Cardoso através da MP 813, de 1º de janeiro de 1995 - mais tarde Lei n. 9.649, de 27 de maio de 1998.

O Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI) foi instituído pela Lei 11.530 de 24.10.07 e destina-se à prevenção, controle e repressão da criminalidade, atuando em suas raízes sócio-culturais, além de articular ações de Segurança Pública com políticas sociais, por meio da integração entre União, Estados e Municípios. O projeto prioriza a prevenção, buscando atingir

22 “Gostaria de comunicar a todos os amigos da imprensa mineira, e à população de maneira geral, que não ocupo mais a posição de Assessor do Governador de Minas Gerais para assuntos de Segurança Pública. Enviei ao governador Aécio Neves uma carta contendo minha decisão nesse sentido na última quarta-feira, dia 19 de setembro. A partir de agora passo a me dedicar às atividades docentes no curso de Ciências Sociais da PUC/Minas. Aproveito a oportunidade para agradecer a todos aqueles que, direta ou indiretamente me apoiaram durante minha participação na gestão da Segurança Pública de Minas Gerais. Menciono, em especial, os jornalistas dos diversos meios de comunicação que têm realizado trabalho de qualidade admirável no que tange à cobertura do tema da Segurança Pública em nosso Estado. Não poderia deixar de lembrar a competência e a amizade do corpo técnico da Secretaria de Estado de Defesa Social, que, nos últimos quatro anos, demonstrou um espírito republicano exemplar. Guardo lembranças saudosas dos inúmeros Prefeitos, Vereadores e Deputados que conheci ao longo deste período, e que reforçaram em mim a convicção de que temos políticos sérios e conscientes da gravidade do problema da violência na sociedade mineira. Destaco também meus agradecimentos à Polícia Civil e à Polícia Militar de Minas Gerais pelo respeito e confiança que depositaram em minha pessoa. E, por fim, menciono o Governador Aécio Neves, manifestando publicamente minha admiração pelo Governador que teve a audácia de construir e executar uma política de Segurança Pública, que se tornou referência nacional, em seu primeiro mandato. Sinto-me orgulhoso de ter participado desse projeto”. Disponível em: <http://www.radio98to.com.br> e <www.mg.gov.br/portalmg/do/noticias>.

as causas que levam à violência, sem abrir mão das estratégias de ordenamento social e repressão qualificadas23.

No entanto, Soares sustenta que:

[...] Com o SUSP anêmico e sem o seu complemento institucional – a desconstitucionalização ou alguma fórmula reformista, ao nível das estruturas organizacionais –, o status quo policial e, mais amplamente, o quadro fragmentário das instituições da Segurança Pública acabam sendo assimilados. Desse modo, naturaliza-se o legado da ditadura, chancelando- se a transição incompleta como a transição possível. O PRONASCI resigna- se a ser apenas um bom Plano destinado a prover contribuições tópicas. [...] Os méritos do PRONASCI são suficientes para justificar a esperança de que haverá avanços na Segurança Pública brasileira. Mas não parecem suficientes para justificar a esperança de que o país começará, finalmente, a revolver o entulho autoritário que atravanca o progresso na área, com sua carga de irracionalidade e desordem organizacional, incompatíveis com funções tão importantes, exigentes e sofisticadas, em uma sociedade cada vez mais complexa, na qual o crime cada vez mais se organiza, se nacionaliza e se transnacionaliza [...] (2007, p. 11-13).

A Segurança Pública é, antes de tudo, um direito de todo cidadão, que, no dizer de Marshall, citado por Santos (2006), compõem um dos elementos da cidadania que deve ser garantido institucionalmente. Trata-se do “direito social à segurança”, onde está igualmente embutido um dever. Porém, “as políticas sociais do governo parecem estar em um labirinto também quando se trata de colocá-las em

23 Art. 3o: São diretrizes do PRONASCI: I - promoção dos direitos humanos, considerando as questões de gênero, étnicas, raciais, geracionais, de orientação sexual e de diversidade cultural; II - criação e fortalecimento de redes sociais e comunitárias; III - promoção da segurança e da convivência pacífica; IV - modernização das instituições de Segurança Pública e do sistema prisional; V - valorização dos profissionais de Segurança Pública e dos agentes penitenciários; VI - participação do jovem e do adolescente em situação de risco social ou em conflito com a lei, do egresso do sistema prisional e famílias; VII - promoção e intensificação de uma cultura de paz, de apoio ao desarmamento e de combate sistemático aos preconceitos; VIII - ressocialização dos indivíduos que cumprem penas privativas de liberdade e egressos do sistema pris0ional, mediante a implementação de projetos educativos e profissionalizantes; IX - intensificação e ampliação das medidas de enfrentamento do crime organizado e da corrupção policial; X - garantia do acesso à justiça, especialmente nos territórios vulneráveis; XI - garantia, por meio de medidas de urbanização, da recuperação dos espaços públicos; e XII - observância dos princípios e diretrizes dos sistemas de gestão descentralizados e participativos das políticas sociais e resoluções dos conselhos de políticas sociais e de defesa de direitos afetos ao PRONASCI. Investimento: R$ 483 milhões do orçamento do MJ/2007 (descontigenciados), R$ 806 milhões/ano, de 2008 a 2011, R$ 600 milhões/ano para o Bolsa-Formação, de 2008 a 2012. Total: R$ 6,707 bilhões. Ações policiais: Bolsa-Formação: 225 mil Policiais Civis, Militares, Bombeiros, Peritos e Agentes penitenciários de baixa renda. Habitação: 17 mil policiais civis, Militares, bombeiros, peritos e agentes Penitenciários de baixa renda via Caixa Econômica Federal (CEF); 13 mil via imóveis a serem retomados pela CEF; cerca de 20 mil através de cartas de crédito de R$ 30 a R$ 50 mil para policiais de renda média. Jovens: 425 mil jovens entre 15 e 29 anos serão atingidos pelas diversas ações do PRONASCI, incluindo 63 mil reservistas. Sistema prisional: 33.040 vagas novas para homens e 4.400 para mulheres (com atendimento educacional, profissionalizante e de cidadania). Metas: Beneficiar, direta ou indiretamente, 3,5 milhões de pessoas entre profissionais de Segurança Pública, jovens e suas famílias. Buscar a

vigor” (SANTOS, 2006, p. 100). Afinal, os desacertos decisórios e operacionais na execução das políticas sociais prejudicam resultados práticos.

A efetividade de políticas de Segurança Pública só será alcançada se mantida e perseguida a longo prazo, independentemente dos partidos e dos governos, e como uma das prioridades do Estado.