1. OSCAR MACHADO: ORIGENS DE UM INTELECTUAL MULTIFACETADO
1.6 DA FAMÍLIA MACHADO AO COLÉGIO METODISTA UNIÃO
O ramo da família Machado no seio do qual Oscar Machado nasceu começou a se constituir na data de 19/09/1896, quando seus pais, Antônio Machado da Silva Filho, nascido em 05/01/1868, e Flora da Rosa Silveira, nascida em 16/10/1873, se casaram. Transcorrido o matrimônio, passando sua mãe a se chamar Flora Silveira da Silva, nos anos seguintes, o casal começou a constituir sua prole. 55
Entretanto, nesta virada do século XIX para o século XX, para o infortúnio de muitas famílias, em várias regiões do país, observou-se a existência de altas taxas de mortalidade infantil, sendo que no Rio Grande do Sul – e, especificamente, na região do estado na qual eles se encontravam – essas também se faziam presentes. Para se ter uma ideia, os dados disponibilizados sobre a cidade de Uruguaiana, para o ano de 1908, apontam um total de 41 natimortos num universo de 907 nascimentos, ao passo que, no ano de 1909, tais dados tiveram um crescimento, pois se constatou 63 natimortos para um total de 895 nascimentos.56
Inseridos nesse ambiente, e concorrendo para tais estatísticas, no total, o casal gerou onze herdeiros, dos quais três faleceram precocemente. Tratam-se de Francisco de Assis M. da Silva, Appolinario M. da Silva, os primeiros filhos do casal, sob os quais não se tem informação da data de nascimento, motivo e data de falecimento, e Africo Machado da Silva, nascido em 27/11/1912 e falecido em 30/06/1913.57
Dentre aqueles que conseguiram sobreviver ao nascimento e aos primeiros anos de vida, Oscar foi o terceiro filho de um total de oito descendentes, a saber: Maria Flori- ana da Silva (04/11/1900), Florentina Silveira da Silva (17/07/1902), Oscar Machado da Silva (11/12/1903), Philomena Silveira da Silva (02/10/1905), Helena Silveira da Silva (13/08/1908), Júlio Machado da Silva (11/01/1910), Olga Silveira da Silva (04/06/1911) e Sady Machado da Silva (30/08/1914).
55 MACHADO, Oscar. Mini curriculum. Gráfica Universitária: Uruguaiana, 1974.
56 Quando colocados em perspectiva com as demais cidades do Rio Grande do Sul, estes números se
mostram bastante discrepantes, mas são entendidos como normais uma vez que a cidade de Uruguaiana apresentava a maior extensão territorial entre os municípios gaúchos. Destaca-se ainda que, nos números apresentados, foram computados apenas os natimortos não sendo disponibilizados dados sobre a mortalidade ocorrida ao longo do primeiro ano de vida. Ver: “Nascimentos, casamentos e óbitos registrados em diversos municipios do Brazil (1908 — 1912)”. Disponível em: <http://seculoxx.ibge.gov.br/populacionais-sociais-politicas-e-culturais/busca-por-temas/populacao>. Acesso em 03 agosto 2016.
57 Estas e as demais informações mencionadas sobre os nomes e datas de nascimento dos membros da
família Machado nos próximos parágrafos foram extraídas de um documento redigido pelo próprio Oscar Machado, no qual além dos nomes, datas de nascimento e falecimento, constava também o nome dos cônjuges e a data do enlace matrimonial. Este é um material integrante do acervo pessoal de sua neta Claudia Thimmig que gentilmente nos franqueou o acesso.
No que tange a seus primeiros anos de vida, não existem informações abundan- tes, da mesma forma como escassos são os indícios que mencionam seus pais. O pouco que se sabe é que eles residiam em uma pequena propriedade rural situada no distrito de Plano Alto, em Uruguaiana, e que, supostamente, seriam pessoas analfabetas.58
Acompanhando a informação sobre sua escolaridade e sua propriedade rural, local onde, possivelmente, exerciam uma das duas principais vocações econômicas da região para aqueles que não viviam do comércio, a agricultura ou a criação de animais, sobre seu pai foram encontrados três indícios datados dos anos de 1912, 1917 e 1918.59
No dia 23 de março de 1912, no jornal A Federação, – periódico porto alegrense que circulou entre 1884 e 1930 como um órgão oficial do Partido Republicano Rio- grandense (PRR) – numa listagem dos correligionários que compuseram a junta apoia- dora à candidatura de Borges de Medeiros para a sucessão do governo do estado, sobre o distrito de Plano Alto, subscreveram o documento as seguintes pessoas:
5º districto – Presidente, coronel Affonso Fabricio; vice presidente; major Je- ronymo Lopes Rodrigues; secretario, Franklin Fabricio; membros, major An- tonio Machado da Silva; tenente-coronel João Jeronymo Jardim; capitão An- tonio Machado da Silva Filho. (A Federação, 23/03/1912, p. 1)60
O excerto acima é bastante significativo, pois revela dois aspectos ligados à fa- mília. O primeiro se remete ao fato de que, além de trazer à tona a posição política de seu pai, Antônio Machado da Silva Filho, denota também que ele era uma pessoa enga- jada nas disputas locais em tal campo, ocupando um posto de destaque no município.
O outro, ainda que não possa ter sido comprovado por quaisquer eventuais indí- cios, se refere à suspeita de que um dos nomes que subscreveu a lista de apoio a Borges de Medeiros, cujo sobrenome também era Machado, Antônio Machado da Silva, trata- va-se de seu avô.
58 Informações encontradas no texto de Homero Suaya Vasquez Rodrigues. “Dois grandes educadores
que dignificaram esta terra Oscar Machado e Elmo de Farias Albernaz”. Disponível em: <http://www.planetsul.com.br/htm/colunistas/colaboradores/homero/anteriores/120620081.htm>. Acesso em: 02 julho 2016.
59 Foi encontrada outra matéria do jornal A Federação, na qual, sem ser especificado o assunto, Antônio
Machado da Silva teve um requerimento junto ao município de Uruguaiana indeferido. Como não se tem a confirmação daquilo que ele pleiteava, não se abordou tal evento em profundidade no corpo do texto. Sobre isso ver: (A Federação 09/07/1920, p. 4).
60 Sob a oposição do Partido Federalista (PF), como um dos tantos Partidos Republicanos, o Partido Re-
publicano Rio-grandense (PRR) esteve à frente do governo do estado do Rio Grande do Sul por quase todo o período da República Velha, exceção feita ao período de 1908-1913. Foi, justamente, neste inter- valo, no qual, por conta de Borges de Medeiros ter ficado impedido de se reeleger, encontrava-se o go- verno estadual ocupado por Carlos Barbosa Gonçalves, – indicado por Medeiros – que se deu a formação das ligas Pró-Borges, dentre as quais foi extraído o supracitado trecho da citação que versava sobre Uru- guaiana.
Durante o período em que esteve no governo, Borges de Medeiros se valeu do poder político dos coronéis locais a fim de combater a oposição. Por conseguinte, esta lista na qual se encontravam os sobrenomes Machado, tratava-se de um dos corpos pro- visórios que ajudaram a manter o poder do PRR na região, uma vez que, no jornal A
Federação, em 11/08/1910, ocorreu a nomeação de Antônio Machado da Silva como
um dos membros do 18º Batalhão de reserva da Guarda Nacional na Comarca de Uru- guaiana, com o posto de major fiscal. (A Federação, 11/08/1910, p. 2)61
O segundo indício sobre Antônio Machado da Silva também foi encontrado no jornal A Federação, de 06/02/1917. Nesta edição, a seu pedido, o periódico noticiou que ele havia sido exonerado do cargo de juiz distrital até então por ele ocupado em Plano Alto. (A Federação, 06/02/1917, p. 5) O terceiro e último dos esporádicos registros so- bre ele foi encontrado em 20/11/1918, quando, sem que se saiba o motivo (causador), Antônio Machado da Silva Filho faleceu aos 50 anos de idade.
É indispensável mencionar neste momento que, até então, como nenhum dos filhos do casal Machado havia se casado, pois o primeiro matrimônio foi o de Maria Floriana da Silva, ocorrido no mês subsequente à morte de Antônio Machado da Silva Filho, em 25/12/1918, esta situação fez recair toda a responsabilidade da manutenção da família sobre sua esposa.
Outrossim, se estes três são os documentos dos quais se dispõe, cujos conteúdos traziam informações relevantes que mencionam seu pai, sobre sua mãe, o único registro encontrado remete-se a uma matéria publicada no jornal A Federação. Esse, além de trazer a relação de seus filhos e das datas de nascimento destes, noticiava também que, após dois anos de seu falecimento, ocorrido em 13/08/1927, a tutoria do filho mais novo, Sady Machado, havia sido dada a seu irmão Oscar Machado. (A Federação, 13/08/1929, p. 6)62
De toda sorte, entre este triste acontecimento para a família e o início da trajetória de Oscar Machado no interior das instituições de ensino metodista na condição de professor, poucas, porém decisivas, informações foram levantadas, aspectos que terão influência direta no desenrolar da trama de sua vida, fazendo com que fosse possível se chegar a este momento no qual recebeu a guarda de seu irmão.
61 Sobre o que se entende por coronel aqui ver: (LEAL, 1975). Para saber mais da política gaúcha e da
figura dos coronéis na República Velha nesta, ver: (AXT, 2011; FÉLIX, 1987; GERTZ, 2011, LOVE, 1975 e MASTRI, 2010).
62 Há uma pequena dúvida acerca da data exata do falecimento de Flora da Rosa Silveira pois, segundo o
A esse respeito, em Plano Alto, a uma distância de cerca de seis quilômetros da estação de trem, desejando estudar para poder dar uma vida melhor a si mesmo e a seus irmãos, foi que se deu o início da vida escolar de Oscar Machado em uma escola mista63, situada na zona rural do 5º distrito, na Estância do Paraíso, numa localidade que
ele denominou como “Jequiquá”.64
Não foi localizado qualquer registro da passagem de Oscar Machado por essa escola. As poucas informações coletadas sobre o educandário indicam que, mesmo em péssimas condições e com baixo número de matrículas, ele permaneceu em atividade até, pelo menos, o ano de 1941, de acordo com o relatório apresentado pela professora Alda M. Fernandes, orientadora de instrução elementar em Uruguaiana. (QUADROS, 2006, p. 88-89)65
Aludindo as proposições de Gilberto Velho, presentes na introdução, a vontade manifestada por Oscar Machado de estudar – que, para ser concretizada nesta conjuntura, exigia que ele realizasse um trajeto a pé de alguns quilômetros entre sua casa e esta escola rural – poderia aqui simbolizar o ponto de partida de um projeto
individual que iria desenvolver em sua vida com o fito de, diferentemente de seus pais,
por meio da aquisição da instrução formal, conseguir alcançar uma condição financeira melhor e proporcioná-la também a seus irmãos. (VELHO, 1994)
Sem que pudesse fazer qualquer tipo de cálculo prospectivo neste momento de sua infância, imerso em meio a um campo de possibilidades, tomado como ambiente sociocultural no qual ele formularia e implantaria esse mesmo projeto, depreende-se que, por ter entrado em contato com as instituições de ensino metodistas, foi que o mesmo pôde ser levado a cabo. (VELHO, 1994)66
63 Pode-se presumir sobre a escola que, ao menos desde o ano de 1901, ela já se encontrava em
funcionamento pelo fato de ter sido informado que estava vaga a sexta aula do sexo masculino em Touro Passo. (A Federação, 26/02/1901, p. 1)
64 MACHADO, Oscar. Mini curriculum. Gráfica Universitária: Uruguaiana, 1974. Na realidade, a
localidade se chama Ijiquiquá e até os dias atuais integra o município de Uruguaiana.
65 Foram encontradas duas notas que citam a nomeação da professora Aquilina dos Reis para a 8ª escola
mista de Touro Passo em 1907. Não se sabe se esta é a escola onde Oscar Machado teria iniciado seus estudos em Plano Alto pois a instituição ficaria distante a alguns quilômetros da estação, podendo estas menções se referirem a alguma escola próxima à região da outra estação Touro Passo, na divisa com a Argentina, situação que se crê improvável. (A Federação, 03/08/1907, p.2 e 07/10/1907, p. 2)
66 Em acordo com a proposta de Reinhart Koselleck, na qual as categorias de experiência e expectativa
poderiam aqui ser utilizadas para abordar as ações concretas de Oscar Machado no movimento social e político ao longo de sua trajetória, quando se vê o surgimento deste plano de criança para obter uma vida melhor com o auxílio de uma bolsa de estudos e o resultado final obtido, se percebe que ele extrapolou em muito qualquer horizonte de expectativa, tema que se tentará aprofundar ao longo da tese. (KOSELLECK, 2006, p. 308-309)
Iniciando seus estudos na zona rural, o fato é que, aparentemente após concluir seu curso primário, ele se transferiu para o Colégio União, onde terminou seus estudos secundários em 1922.67 Sem embargo, divergindo da situação de precariedade que ele
parece ter enfrentado quando iniciou seus estudos na escola de Ijiquiquá, ao adentrar no União, que se dedicava apenas à formação secundarista, Oscar Machado passou a frequentar o colégio que foi o grande catalizador para o início de sua trajetória de intelectual e educador.68
1.7 OSCAR MACHADO E O COLÉGIO UNIÃO: O INÍCIO DE SUA TRAJETÓRIA