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O GRANBERY COMO DESTINO DE MUITOS GAÚCHOS E A CHEGADA DE OSCAR MA-

2. OSCAR MACHADO: UM INTELECTUAL A SERVIÇO DO METODISMO EM JUIZ DE

2.4 O GRANBERY COMO DESTINO DE MUITOS GAÚCHOS E A CHEGADA DE OSCAR MA-

Fundado em 1889, ao ofertar as opções de externato, semi-internato e internato, desde o início, a instituição contava com três departamentos que se dividiam em primá-

rio, ginasial e o seminário para os quais afluíam alunos de todo o Brasil cujo perfil dos estudantes diferia bastante, sobretudo em relação ao perfil socioeconômico. Por conta de seus objetivos, os dois primeiros constituíam seu carro chefe, sendo que, ao lado das propostas pedagógicas inovadoras, do corpo docente capacitado e do ideário liberal di- fundido, ajudaram na atração de diversificado corpo discente.

Feita a reorganização do ensino ofertado em janeiro de 1895, anos depois, na ocasião do pedido de equiparação do instituto, foram abertos os cursos de Odontologia e Farmácia, assim como ocorreu uma nova remodelação do curso de Teologia. Devido a essas mudanças, a diretoria resolveu dar o nome de O Granbery ao instituto inteiro.

(Prospecto do O Granbery instituto de ensino americano-brasileiro, 1933, p. 9-10)

Como a intenção do Granbery era a de se tornar um celeiro de líderes, ele procu- rava atrair uma clientela que pudesse pagar por seus estudos. Contudo, é nítido que, desde suas décadas iniciais, mesmo com o aumento do número de alunos, a instituição passou por sérias dificuldades financeiras advindas da necessidade de investimento para a acomodação dos alunos e cursos ofertados e também como fruto das bolsas de ensino que oferecia, cujo percentual, em alguns momentos, chegava a quase 40% do fatura- mento bruto anual que, somados à inadimplência, deixava a instituição em difícil situa- ção. (NOVAES NETTO, 1997, p. 70-71)138

Nessa conjuntura ocorreu a chegada de vários estudantes vindos do Rio Grande do Sul para o seminário e para os outros cursos oferecidos pelo Granbery, fato explica- do pela expansão da Igreja e de suas instituições naquele estado, que demandava a for- mação de novos quadros.

Assim, muitos aspirantes ao ministério e ao magistério vieram para Juiz de Fora e alguns viriam a se tornar importantes nomes no interior da Igreja Metodista no futuro, a exemplo de Cesar Dacorso Filho e Derly de Azevedo Chaves.

Lá no Sul, o Derly de Azevedo Chaves foi um... uma pessoa notável. Ulti- mamente, no final da vida dele, ele escrevia o Uma Voz Missionária, que era uma revista voltada pras mulheres da Igreja Metodista. Só que não só mulhe- res. Eu mesmo lia muito. Ele tinha lá uma coluna, Bilhetes do Céu, que era

138 Arsênio Firmino Novaes Netto destacou que no seio dos primeiros missionários que para cá vieram

havia uma discrepância entre suas ações voltadas para o ensino e evangelização em detrimento daquelas que se dedicavam à administração financeira de seus colégios, fator que ajudaria a explicar a difícil situa- ção que o Granbery e as outras instituições de ensino passaram. (Entrevista com Arsênio Firmino Novaes Netto, Juiz de Fora, 31/03/2017) Até, aproximadamente, o ano de 1922, o Granbery passou por uma fase de expansão, que se fez acompanhar por sérias dificuldades financeiras. Por isso, reiteradamente, ele recorreu a empréstimos feitos à Junta das Missões. (NOVAES NETTO, 1997, p. 72-74)

muito bonita, muito lida. E ele era casado com a dona Otília Chaves, que foi... Inclusive, eles foram dirigentes aqui da... do seminário teológico na época que o Granbery fundou a teologia e manteve por alguns anos aí, não é? Então, além dele ter vindo, o próprio Vicente, o próprio José Gomes de Cam- pos, o próprio Oscar Machado... E o Zico... o Dico, que era o Schisler, Willi- am Schisler, que era um missionário americano que desempenhou uma ativi- dade muito importante aqui no Brasil e muito querido. Na verdade, eu nem sei se ele não nasceu no Sul, apesar de ele ser americano. Acho que deve ter nascido lá no Rio Grande do Sul, não é? Então, o Rio Grande do Sul for- mou... criou muitos colégios, não é? Passo Fundo, Porto Alegre, Santa Maria, vários outros lugares. Criou muitos colégios. E, naturalmente, essa foi uma das razões pelas quais aquele povo veio pra cá pra poder se qualificar e se formar e, depois, voltar pra prestar serviço. (Entrevista com Arsênio Firmino Novaes Netto, Juiz de Fora, 31/03/2017)

Diferentemente do observado sobre os alunos do ensino regular, os aspirantes a se tornarem pastores metodistas eram, em muitos casos, pessoas de origem humilde que, por efeito de sua vontade e potencial verificados pelos membros do clero metodistas espalhados pelo país, haviam sido enviados para o seminário no Granbery, onde recebi- am bolsas de estudo integral.

É dessa maneira que se percebe como muitos alunos do Rio Grande do Sul, a exemplo de César Dacorso Filho, Derly de Azevedo Chaves e dos tantos outros acima mencionados, inseridos em meio a um projeto coletivo do metodismo que intentava criar sua intelligentsia, foram parar no colégio. Não obstante, sua vida na instituição não era nada fácil pois, não raro, realizavam muitos e diversos trabalhos como forma de contrapartida do benefício que recebiam. (NOVAES NETTO, 1997, p. 72)

Sobre César Dacorso Filho, conforme se viu no primeiro capítulo, graças às ati- vidades que desempenhava e sua inclinação para o trabalho religioso, ele recebeu o convite do Reverendo James M. Terrel para continuar seus estudos no Colégio União, o que o fez abandonar o bom emprego que possuía na VFRGS. (COSTA, 1967, p. 76-84)

Sua estada em Uruguaiana se deu pouco tempo antes de Oscar Machado chegar à instituição e, como era comum ocorrer com alunos bolsistas nos colégios metodistas, para se sustentar, ele exerceu várias funções como secretário, tesoureiro, regente de alu- nos e pintor. Passados dois anos, estava apto a continuar seus estudos, sendo enviado, em 1911, a Juiz de Fora pra cursar Teologia. (COSTA, 1967, p. 85-96)

Em resumo, por sua origem humilde, ele não pode contar com a ajuda de seus pais. Independentemente de receber uma bolsa integral de estudos, a realidade em Juiz de Fora era difícil, pois, em paralelo aos estudos, ele e muitos outros alunos precisavam trabalhar desempenhando tarefas como a de varrer as salas de aula, trabalhar na rouparia do colégio, na livraria, na secretaria ou até rachando lenha. (COSTA, 1967, p. 104-105)

Especificamente sobre o cotidiano no Granbery, houve uma descrição de ativi- dades extremamente desgastantes a serem desempenhadas pelos seminaristas e de um episódio humilhante ocorrido entre parte destes e a direção do instituto, fatos que con- trastavam bastante com a imagem que se criou da instituição.139

Assim, se as experiências de César Dacorso Filho não foram as mais agradáveis possíveis durante esta etapa no Granbery, outros alunos que passaram pelo internato tiveram uma vida mais tranquila, seja como estudantes do ginásio ou dos cursos superi- ores. Dada a íntima relação vivenciada com os demais estudantes que se encontravam também longe de casa e com a escola como um todo, estes acabaram convivendo com aquilo que ficou conhecido como espírito granberiense.140

Sobre isso, Arsênio Firmino Novaes Netto, numa descrição eivada de um cará- ter emocional, afirmou que o espírito granberyense era engendrado no cotidiano, justa- mente pelo fato de que os alunos passavam pelas mesmas agruras e dificuldades. Porém, ao longo do tempo, como resultante das mudanças da instituição, que não conta mais com o internato, ele teria se modificado se fazendo presente ainda hoje de um modo diferente daquilo que era vivenciado pelos internos do início do século passado:

A criação do espírito granberyense que foi atribuído ao Tarboux que foi um dos reitores de renome do prédio ali, ele... É atribuído a ele como uma sensi- bilidade, como alguma coisa que, quase inexplicável, é um sentimento que as pessoas têm que foi sendo alicerçada ao longo de relações do dia a dia, de um sorriso, de um tapinha nas costas, de uma palavra de tolerância do reitor pra com um aluno, quando cometer um ato de indisciplina. Foi uma construção que foi, pouco a pouco... já alicerçou e foi crescendo e foi recebendo um aca- bamento, até que se transformou num sentimento. E o sentimento é algo que nos possui (...) Esse sentimento acabou criando o tal do espírito granberyen-

se, que é essa manifestação, esse sentimento de amor que os alunos, sobretu-

do naquela época, tinham pela instituição. Hoje, esse sentimento, ele se mani- festa depois que os quarenta... dos quarenta, quarenta e cinco anos dos alu- nos. (...) Depois dos quarenta, quarenta e cinco anos, começa a bater aquela saudade. Tanto é que aqui na semana granberyense, eles vinham do Rio de Janeiro, de Porto Alegre, do interior de Minas Gerais. Minas Gerais é um es- tado muito grande. Quando eu falo de interior, eu falo de longe. Vinham de São Paulo, vinham de Piracicaba, vinham de Campinas, vinham de muitos lugares. Eles vinham para estar aqui, desfilar, cantar com vigor o hino gran-

139 Sobre isso, Nelson de Godoy Costa afirmou que em 1914 houve certa perseguição aos seminaristas,

por parte do diretor do seminário e de sua esposa, para quem os alunos eram vistos como vagabundos. As animosidades com os seminaristas teriam se agravado ao ponto do diretor chegar a negar um lampião para a casa onde Cesar residia com os outros alunos, que não possuía iluminação. Neste episódio, apesar de saber que César não possuía recursos para tanto, teria chegado a sugerir que ele se mudasse para alguma pensão caso estivesse desgostoso. (COSTA, 1967, p. 97-101) Sobre este episódio ver também: (O

Granbery, 10/11/1928, p. 52 e O Granbery, 13/08/1928, p. 11).

140 Sobre o espírito granberyense ver: (O Granberyense, dez/1936, p. 9; O Granberyense, 30/09/1938, p.

beryense. (Entrevista com Arsênio Firmino Novaes Netto, Juiz de Fora, 31/03/2017)141

Nesta seara, a experiência de Derly de Azevedo Chaves, possivelmente, foi um pouco diferente da vivenciada por César Dacorso Filho, posto que, ao que tudo indica, ele teve contato com o mencionado espírito granberienese, já que, até onde foi encon- trado, salvo as dificuldades financeiras, não se tem registros de experiências desconfor- tantes sobre a estada deste gaúcho em Juiz de Fora.

Nascido em Cacequi-RS, seguindo o mesmo caminho que muitos gaúchos que viriam a fazer parte do ministério e magistério metodista tomavam, ele também foi alu- no do Colégio União, sendo que sua chegada ao Granbery ocorreu em 1915 e coincidiu mais ou menos com o período no qual César Dacorso Filho deixava a instituição.

De forma diversa dos relatos que existem a respeito da trajetória de Dacorso, há menos informações em relação a Derly de Azevedo Chaves. Sobre sua estada em Juiz de Fora, os poucos registros disponíveis geralmente estão associados à Otília Oliveira, estudante do Granbery e sua futura esposa.142 Concluídos seus estudos, eles se casaram

em 1918, sendo enviados para São Borja-RS onde iniciaram seus trabalhos pastorais na comunidade metodista. Pouco tempo depois, foram convidados para trabalhar no Colé-

gio União, local onde, provavelmente, vieram a conhecer Oscar Machado, então aluno

da instituição.143

Quando ele se reestabeleceu, o casal foi transferido para a cidade de Cachoeira do Sul, local onde, ao invés de verem as coisas se acalmarem após o nascimento de seus filhos Paulo e Derly Jr., passaram por mais uma delicada situação quando perderam seu terceiro filho com poucos meses de vida. (RIBEIRO, 2005, p. 127)

Com todas essas adversidades enfrentadas, poucos meses deste infortúnio vivido pela família, Derly Chaves recebeu uma bolsa de estudos para estudar na Emory Uni-

141 Jhon William Tarboux foi vice-reitor do Granbery no período compreendido entre 1893-1894 e depois

reitor no período compreendido entre 1903-1914. Seu nome é muito importante para o metodismo brasileiro em consequência de ter sido eleito o primeiro bispo da Igreja após a obtenção de sua autonomia frente à Igreja Episcopal do Sul dos EUA ocorrida em 02/09/1930, na Conferência Geral da Igreja Metodista Episcopal do Sul, realizada na cidade de Dallas, Texas, EUA.

142 A chegada de Otília Oliveira, que viria a se tornar Otília Chaves, ao instituto se deu em 1912 quando,

atraído pela fama do colégio, seu pai a matriculou na instituição junto de sua irmã Odette. Distintamente desta, que optou pelo magistério, Otília escolheu o curso de farmácia sendo a única e primeira mulher a se graduar neste curso, em meio aos doze formandos do ano de 1915. (PIRES, 2013, p. 154-155; RIBEIRO, 2005, p. 125-126)

143 Derly e Otília Chaves não tiveram um começo de vida tranquilo no Rio Grande do Sul, pois, além das

mudanças de São Borja para Uruguaiana, pouco depois foram novamente transferidos, desta vez para Santa Maria. Na cidade, se por um lado, tiveram a felicidade do nascimento de sua primeira filha, Ruth, por outro, passaram por sérias complicações quando Derly Chaves ficou gravemente doente, acabando, por isso, recluso ao sanatório local. (RIBEIRO, 2005, p. 127-128)

versity nos EUA, a qual aceitou.144 Inicialmente rumou para os EUA sem a esposa e

filhos, que se juntariam a ele apenas um ano depois, quando ele conseguiu lhes arrumar as passagens e a hospedagem. (RIBEIRO, 2005, p. 127)

Deste modo, entre 1926 e 1928, Derly Chaves realizou seu curso de Teologia e Artes na Emory University, localizada na região metropolitana da cidade de Atlanta, estado da Geórgia, EUA. (O Granberyense, 08/09/1933, p. 6) Terminado seus estudos, já no Brasil, ele recebeu o convite para voltar à cidade de Juiz de Fora e assumir a dire- ção do seminário Granbery, onde atuaria ao lado de César Dacorso Filho e Oscar Ma- chado da Silva.

Em 1928, retornaram ao Brasil, para Juiz de Fora, onde seu esposo foi eleito Reitor da Faculdade de Teologia. Nos doze anos que se seguiram destacamos os seguintes fatos: Otília lecionou no Colégio Granbery, fez faculdade, gra- duando-se em 1936 no Curso de Educação Religiosa; lecionou sociologia e psicologia na Faculdade de Pedagogia, e Educação Religiosa e Sociologia na Faculdade de Teologia, ambas do Instituto Granbery. (RIBEIRO, 2005, p. 126-127)

Destarte, depois de também ter se formado nos EUA, de ter retornado ao Brasil, se casado e começado a trabalhar como professor no Colégio União, Oscar Machado, pelo visto, respondendo a um convite feito por Derly Chaves, aceitou vir trabalhar no

Granbery, mudando-se para Juiz de Fora acompanhado de sua esposa e seu irmão mais

novo Sady.