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A PRESENÇA PROTESTANTE NO BRASIL E AS PRIMEIRAS AÇÕES DO METODISMO

1. OSCAR MACHADO: ORIGENS DE UM INTELECTUAL MULTIFACETADO

1.2 A PRESENÇA PROTESTANTE NO BRASIL E AS PRIMEIRAS AÇÕES DO METODISMO

Compreendendo a conformação do metodismo nos EUA no século XIX e o mo- do como suas proposições se amalgamaram a aspectos constituintes da cultura verifica- da no país, o que se verificou em relação ao Brasil foi que, após uma primeira breve incursão realizada entre os anos de 1836 e 1841, na qual foram lançadas as primeiras sementes das ações metodistas, seria somente após o término da Guerra de Secessão (1861-1865) que o país passaria a ser alvo das atividades da denominação religiosa.21

Terminado o conflito, entre 1865 e 1868, fugindo do governo e da presença de ex-cativos que foram libertados com a abolição da escravidão, algo em torno de 3000 confederados, que haviam perdido suas posses nos EUA e/ou que não aceitavam bem a

20 Esta discussão se encontra ampliada em: (PIMENTA, 2017).

21 A chegada dos metodistas, os motivos que facilitaram sua aceitação, as adversidades enfrentadas bem

como as ações desenvolvidas por eles se encontram abordadas na bibliografia produzida, seja por parte de memorialistas metodistas, ou pelos pesquisadores que analisaram as atividades da denominação religiosa. Por hora, salienta-se que, já nesta primeira incursão, interrompida por conta de infortúnios ocorridos com alguns dos missionários que para cá se dirigiram, foram desempenhadas ações na esfera educacional com a abertura de uma escola que foi a única em toda a América a aceitar a presença de filhos de escravos, situação que lhe rendeu críticas por parte do clero católico. Sobre estas questões, ver: (SANTOS, 1837; 1838; 1839). Para detalhes das ações metodistas no período, entre outros, ver: (KENNEDY, 1928; LONG, 1968, p. 27; SALVADOR, 1979; 1982; PIRES, 2013; CORDEIRO, 2003; 2008 e MESQUIDA, 1994) .

derrota das tropas sulistas, recusando-se a empenhar seu juramento aos que assumiram o poder, emigraram para o Brasil. (BANDEIRA, 2007)

Estabelecendo-se no centro sul do país, em especial no estado de São Paulo, concentrou-se o maior contingente desses imigrantes numa região que cobria as locali- dades de Saltinho, Limeira, Santa Bárbara do Oeste e a Vila de Americana, que futura- mente originaria a cidade de Americana. (LONG, 1968 p. 52)

A estratégia utilizada pela Igreja Metodista para a disseminação de seus valores, no Brasil, seguia uma lógica muito bem definida erigida sobre quatro pilares fundamen- tais que acabavam se complementando e atingindo desde os grupos sociais mais abasta- dos, até as populações mais pobres, a saber: a distribuição de bíblias, a pregação da pa- lavra, a abertura de escolas dominicais e de educação formal. (MESQUIDA, 1994, p. 114)

Neste ínterim, dentre os milhares de norte-americanos do sul que para cá vieram, Junius E. Newman merece destaque. Depois de chegar sozinho ao país e conseguir prosperar na região do Rio de Janeiro como obreiro da Igreja Metodista Episcopal do Sul, ele retornou aos EUA para buscar o restante de sua família. (LONG, 1968, p. 54)22

Dois anos após iniciar a pregação entre os colonos americanos, em 1871, Newman or- ganizou a primeira Igreja Metodista em Saltinho-SP. Após a morte de sua esposa e de seu segundo casamento, ele se mudou para Piracicaba, onde, em 1879, suas filhas, An- nie A. Newman e Mary A. Newman, abriram o colégio que pode ser considerado a pe- dra fundamental daquilo que, no futuro, viria a originar o Colégio Piracicabano, primei- ra escola metodista do país. (KENNEDY, 1928, p. 16-19; SALVADOR, 1979, p. 54-55)

Apesar de um início auspicioso, por conta do casamento de Miss Annie com o Reverendo John James Ransom, do precoce falecimento dela, associado às complica- ções de saúde pelas quais sua irmã passou, bem como pela crise financeira que a escola começou a enfrentar, a continuidade do funcionamento do colégio foi inviabilizada no ano de 1880, fazendo com que fechasse suas portas. (KENNEDY, 1928, p. 18-20)23

22 Evidencia-se que, próximo a meados do século XIX, as divergências entre o norte e o sul dos EUA

atinentes à questão escravista, que culminou na Guerra de Secessão (1861-1865), tiveram reflexos diretos na organização do metodismo no país, bem como nas outras denominações protestantes. Acompanhando as questões candentes, os metodistas acabaram por passar por um processo de cisão em 1846 quando foi criada a Igreja Metodista Episcopal do Sul, sendo que a reunificação das duas igrejas metodistas existentes desde então só ocorreu em 1968. (CORDEIRO, 2003, p. 41-42, PIRES, 2013, p. 31)

23 Malgrado esse infortúnio, é importante mencionar que, em 1876, o envio do Reverendo John J. Ransom

para o Brasil na condição de primeiro missionário oficialmente a trabalho da Igreja Episcopal do Sul significou o reconhecimento das atividades desempenhadas por Junius E. Newman. (CORDEIRO, 2003, p. 52) John J. Ransom teve uma grande importância para as atividades metodistas na região sudeste e também para o desenvolvimento destas na região sul, aspectos que serão abordados adiante.

Desta feita, se os esforços empreendidos pelas filhas de Junius Newman significaram os primeiros passos para a edificação das atividades educacionais em Piracicaba, pautando-nos pelo relatório anual da Board of Missions of Methodist

Episcopal Church24 do ano de 1911, teria sido a partir de 1881 que essas atividades efetivamente se consolidariam.

Neste ano, com o intuito de desenvolver atividades evangelizadoras, o Reverendo Ransom enviou para Piracicaba os missionários J. W Konger e J. L. Kennedy, sendo, junto a esses, também enviada a Srta. Martha Watts, cuja tarefa seria a de dar início ao trabalho educacional. (PIRES, 2013, p. 40)25

Martha Watts iniciou suas atividades no setor educacional em junho de 1881 quando abriu uma escola dominical atendendo antes do culto da manhã aos filhos e netos dos imigrantes americanos. Aprendendo, rapidamente, a falar a língua portuguesa, ampliou suas atividades em 15/09/1881 ao abrir o Colégio Piracicabano que, até o mês de dezembro, contou com apenas uma aluna. (SALVADOR, 1982, p. 69)26

Uma vez consolidado e procedido pela instalação de outras unidades escolares metodistas, em 1901, no aniversário de vinte anos do Colégio Piracicabano, num discurso no qual minimizou as atividades de proselitismo religioso27 praticados na

instituição, Prudente José de Moraes Barros assim discorreu sobre o metodismo e suas ações educacionais:

Dizem alguns que não se conformam com o systema americano que o móvel que traz às nossas plagas o educador americano, é o interesse da propaganda religiosa. Mas, embora isto seja verdade, não vejo o mal que dali possa resultar. De facto qual é a religião que propagam os americanos? (...) É a religião de Christo é a religião da paz, do amor e da confraternidade humana. Pois não é o evangelho de Jesus a pedra angular sobre que se assenta a sociedade moderna? (...) e não é esta doutrina que tem contribuído nos tempos modernos para os progressos da civilização de que hoje, gozamos? Longe de ser um mal, é um benefício a propaganda de doutrinas christãs, que regenerando poderão influir para que cessem as facções anarquistas,

24 Junta das Missões era um órgão da Igreja Metodista responsável por encaminhar, subsidiar e dirigir o

trabalho de missionários em todo o mundo.

25 Em 1876, no relatório que Junius E. Newman enviou para a Junta das Missões dos Estados Unidos, o

Reverendo Ransom mencionou que um importante advogado local, Manoel Moraes Barros – irmão de Prudente de Moraes, presidente do Brasil entre 1894 e 1898 – estaria insistindo com Newman para que ele criasse uma escola na cidade, empenhando seu apoio e influência para que o empreendimento fosse exitoso. (MESQUITA, 1995, p. 94-95)

26 Martha Watts assumiu um papel de proa nas atividades educacionais metodistas no Brasil. Atuou não

só em Piracicaba mas em outras regiões como no Rio de Janeiro onde participou da fundação do Colégio

Americano de Petrópolis em 1895, sob patrocínio dos irmãos Moraes Barros e em Belo Horizonte, onde

participou da fundação do colégio Isabela Hendrix em 1904. (MESQUIDA, 1994, p. 150-154)

27 A realização do proselitismo religioso é uma das questões abordadas pela maioria dos estudos que se

mancomunadas no extermínio dos supremos depositários do poder público. (MESQUITA, 1995, p. 94)28

Ainda sobre o Colégio Piracicabano, a opção pelo interior de São Paulo, além de ter se dado por esta região ser um polo de imigração norte americana, também ocorreu devido ao seu desenvolvimento econômico e à presença de intelectuais, líderes republicanos e maçons.29 Em linhas gerais, pode-se afirmar que o oeste paulista se

mostrava bastante receptivo aos ideais de modernidade e cultura enraizados e exportados pelos americanos e metodistas.30

Neste final do século XIX, quando surgia o anseio por alternativas à política escravocrata e tradicional existente no Brasil, os ideais do liberalismo trazidos pelos metodistas exerciam um atrativo sobre populações do meio urbano, como os setores burgueses em ascensão, que enxergavam nos missionários americanos e em seu sistema de ensino um modo de acessar os conteúdos que alicerçavam os EUA, modelo que passava a ser invejado.31

Todos falavam a mesma “linguagem” e possuíam, portanto, os mesmos símbolos de expressão. Sua vinculação à organização maçônica estimulava ideais comuns. Ao lado do ideal republicano fomentado pelas lojas maçônicas e difundido pela imprensa posta à serviço da Fraternidade, havia também o fato de que a educação ocupava um lugar importante no movimento maçônico. Um novo contexto exigia uma maneira diferente de formar as novas gerações, seja a nível de conteúdo, seja com relação aos métodos didático-pedagógicos. As escolas protestantes nos Estados Unidos contribuíram eficazmente para a formação das elites liberais do país. Os intelectuais brasileiros vinculados aos fazendeiros do Oeste de São Paulo e da Zona da Mata, em Minas, estavam convencidos de que a educação norte- americana transferida para o Brasil poderia ser um instrumento de fundamental importância para inculcar no espírito dos filhos dos fazendeiros da Região Sudeste a confiança em si e o apego à liberdade individual e de empresa que, na sua opinião, haviam promovido a força da Grande Nação Americana. (MESQUIDA, 1994, p. 48)

Prudente José de Moraes Barros fez parte de um grupo de políticos, fazendeiros, comerciantes e intelectuais do interior de São Paulo que, além de simpatizar com os

28 Este discurso de Prudente de Moraes Barros, citado por Zuleica de C. C. Mesquita (MESQUITA, 1995)

encontra-se no jornal metodista, Expositor Christão de 26/09/1901, v. XVI, n. 38, p. 1.

29 Entre esses maçons republicanos, sem a ajuda dos quais o metodismo teria muita dificuldade para se

instalar enquanto Igreja e instituição educativa no Brasil, entre tantos outros, além dos irmãos Prudente de Moraes Barros e Manoel Moraes Barros podemos citar Quintino Bocaiúva e Rangel Pestana.

30 Neste período havia uma ampla presença da maçonaria no interior do metodismo, assim como entre

estas lideranças políticas e econômicas da região sudeste. (MESQUIDA, 1994)

31 Vale a pena lembrar que, embora associado aos ideais republicanos e maçônicos, diferentemente do que

se possa pensar à primeira vista, o liberalismo aludido se tratava de um modelo conservador que, de modo harmônico, entrelaçava esses valores. Sobre isso ver: (MESQUIDA, 1994, p. 70-72; NOGUEIRA, 1984; VIEIRA, 1980, p. 38-46).

valores acima, se não tinham se convertido ao metodismo, ao menos o viam com bons olhos, sobretudo suas atividades educacionais, ao ponto de suas próprias filhas terem se tornado alunas do colégio, fato que teria feito com que sua família nutrisse estima pela educadora Martha Watts.

Entre as alunas contariam depois as filhas do Dr. Prudente de Moraes Barros, origem da amizade e da estima dessa família para com a educadora, e daí, outrossim, a influência que a escola veio a exercer no sistema de ensino, pois o ilustre advogado tornou-se governador do Estado de São Paulo e se utilizou dos conhecimentos de Miss Watts. (SALVADOR, 1982, p. 71)

Terminado o momento inicial das atividades educacionais metodistas em Piracicaba, depois da criação do Colégio Piracicabano, pedra fundamental da atuação metodista na educação no país, o que se assistiu foi o acontecimento daquilo que se poderia chamar de a “Era Granbery”.

Isso se coloca uma vez que, dado seu enorme crescimento e ganho de importância dentro do conjunto das instituições educacionais metodistas e da igreja de um modo geral, o Instituto Granbery de Juiz de Fora-MG passou a simbolizar a concretização de seus ideais no país. (BOAVENTURA, 1994, p. 98)32

Simultaneamente a esse contexto de expansão das instituições de ensino metodistas no sudeste, a região sul também contou com importantes educandários da denominação religiosa, aspectos que serão abordados nos próximos tópicos.