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O METODISMO WESLYANO: UMA RELIGIÃO TRANSNACIONAL PAUTADA PELO

1. OSCAR MACHADO: ORIGENS DE UM INTELECTUAL MULTIFACETADO

1.1 O METODISMO WESLYANO: UMA RELIGIÃO TRANSNACIONAL PAUTADA PELO

Com origem na Inglaterra em 1739, encerrando um processo histórico que durou mais de dois séculos, o metodismo, movimento religioso cristão ocorrido no seio da Igreja Anglicana, que foi liderado por John Wesley e seus seguidores, é considerado como a última etapa do que se convencionou chamar de Protestantismo Histórico.16

Em resumo, poderia-se afirmar que, em decorrência das acusações de degradação moral de parte do corpo eclesiástico da Igreja Católica e também em virtude das práticas ilegítimas que exploravam a credulidade dos fiéis, tais quais a venda de indulgências e de falsas relíquias, desde seu surgimento, o metodismo defendeu a realização de uma ação voltada para a salvação do próximo, realizada sem a mediação de santos ou sacerdotes, cujo objetivo último seria a reforma da Igreja e da Nação.17

Nos momentos iniciais, John Wesley, ao viajar por cinquenta anos, pregando por todo o Reino Unido, tinha como meta destacar os problemas sociais da época oriundos da Revolução Industrial, apontada como responsável pela transformação da estrutura social inglesa sendo que suas ideias pautaram a organização de uma educação destinada especificamente aos adultos. O ensino ocupou um lugar privilegiado na ação social, servindo para construir escolas destinadas à instrução de todos. (SALVADOR, 1979)

Após ter sido levado para os Estados Unidos da América (EUA) por imigrantes de origem irlandesa que haviam sido convertidos em seu país pelas pregações de John Wesley, ao passar por um processo de expansão transnacional e transcultural, na América, o metodismo manteve, junto de suas ações voltadas para a atração de novos adeptos, uma de suas principais marcas que é o trabalho voltado para a educação. (MESQUIDA, 1994, p. 107)

Assim, pouco tempo após o processo de Independência das Treze Colônias e a formação dos EUA, os metodistas iniciaram um movimento de expansão religiosa com

16 Por Protestantismo Histórico entende-se o cristianismo praticado pelas Igrejas Presbiteriana, Luterana,

Metodista, Anglicana e Congregacional. Este se constituiu como um movimento reformador e de ruptura com a Igreja Católica, mas, manteve elementos oriundos do cristianismo ortodoxo, a exemplo da crença na Trindade, pai, filho e espírito santo, da bíblia como o único livro sagrado entre outros.

17 Além destas, o metodismo mantinha outras divergências relativas às práticas e princípios da Igreja

Católica como, por exemplo, a condenação do culto às imagens, da instituição do celibato, da realização de missas em latim e também acerca da autoridade papal. Sob perspectivas diferentes, sobre o protestantismo ver: (CHAUNU, 1993; HILL, 1987 e MCGRATH, 2012).

um sucesso nunca visto antes. Ao realizar seus trabalhos sob a égide do binômio educação e fé, os números por eles alcançados nos EUA são bastante expressivos pois, somente no período compreendido entre os anos de 1831 e 1870, tem-se que seus praticantes construíram mais de 200 escolas e fundaram 34 instituições universitárias. Ao fim e ao cabo, isso fez com que a denominação religiosa acabasse por se transformar na mais poderosa agência educacional protestante do país. (MESQUIDA, 1994, p. 108)

Como o maior movimento protestante dos EUA, adotando uma estrutura diferente da verificada na Inglaterra, caracterizava-se, dentre outros aspectos, pela defesa de vários princípios como o individualismo, marca do Iluminismo liberal presente no século XVIII. (GONÇALVES, 2007)

A autonomia que João Wesley havia cedido aos metodistas possibilitou um desenvolvimento autêntico do metodismo nas Treze Colônias. A primeira grande diferença reside no fato de que o metodismo norte americano se transformou em Igreja, coisa que Wesley nunca consentiu ao metodismo inglês. Além disso, a Igreja Metodista da América do Norte tomou a forma episcopal, tida como a mais adequada para superintender uma Igreja em expansão no novo continente. Finalmente, a pregação ao ar livre, método evangelístico principal dos metodistas ingleses, foi, em alguma medida, substituída pelos acampamentos (camp meetings), ou seja, reuniões de reavivamento realizadas em regiões rurais durante dias consecutivos. (CORDEIRO, 2003, p. 38)

No decurso do trajeto percorrido desde sua chegada ao território americano no início da década de 1760 sob a forma de Igreja Metodista Episcopal, ele teve uma intensa atividade e crescimento em razão da eclosão do movimento de Independência dos EUA e seu processo de expansão territorial para o oeste, que ampliou bastante sua formação original. (CORDEIRO, 2008, p. 31)

No interior deste processo, no qual a população branca avançou sobre as terras indígenas dizimando centenas de denominações ameríndias, é digno de nota a importância do mito da fronteira que serviu de justificativa, tanto para este episódio, quanto para eventos posteriores da história americana. 18

Extrapolando os aspectos relativos ao mito da fronteira, dada a estrutura adotada nos EUA, o metodismo se adaptou muito bem às condições do país e se expandiu

18 Sobre as características assumidas pelo metodismo após sua chegada à América, via EUA, e a

importância do mito da fronteira ver: (MESQUIDA, 1994). Junto deste, Jackson Luiz de Oliveira Pires, ao abordar o papel dos metodistas nas ações missionárias, adota também com a noção de zonas de

contato, que seriam os locais sociais nos quais diferentes culturas se entrelaçariam numa vinculação

assimétrica de dominação e subordinação, podendo também explicar o processo de transculturação como um produto resultante destas “zonas de contato” através de um processo de tensões e trocas referentes às interações destas culturas. (PIRES, 2013, p. 24-25)

respondendo às suas necessidades. Isto é posto, pois, dotado de pregadores leigos itinerantes, solteiros, com baixo grau de escolaridade, linguagem acessível e habituados a uma prática religiosa informal, ao pregar que a condenação era universal, sendo possível escapar dela ao pautar sua vida por valores morais e boas obras, conseguia contribuir, inclusive, para a manutenção da ordem na região da fronteira, antes da criação das instituições governamentais, funcionando como uma das fontes de autoridades locais. (PIRES, 2013, p. 32)

Concomitantemente a seu crescimento, não é de todo descabido propor que isto ajudou a difundir alguns dos elementos que eram partilhados pelos cidadãos americanos como, por exemplo, o individualismo e o voluntarismo, que se pautavam pela liberdade de cada pessoa, uma das bases da democracia criada no país. (PIRES, 2013)

Destarte, se o mito da fronteira, associado à organização da denominação religiosa, pode ser considerado como uma das principais molas propulsoras do metodismo nos EUA, de modo quase indissociável, por ter se apropriado da religião civil norte americana19 e do discurso legitimador de suas ações imperialistas, também

ajuda a explicar seu fortalecimento e expansão.

A conversão de agrupamentos diferentes ao metodismo, que era colocado como uma expressão mais pura do cristianismo, acabou por se amalgamar de tal forma na cultura do país que se constituiria em um dos argumentos centrais da expansão do modelo ideal da sociedade e civilização norte americanas, na condição de povo escolhido, seja para o oeste ou para outras regiões do globo. (PIRES, 2013, p. 30-32)

Esta influência norte-americana incita o pesquisador a aprofundar o tema sobre o papel que a Igreja Metodista teria representado na expansão transcontinental. Se o metodismo era uma religião de “fronteira”, ele podia transpô-la acompanhando e até precedendo a expansão imperialista americana. (MESQUIDA, 1994, p. 101)

Destacando-se por sua atuação educacional e evangelizadora e também por seu poderio econômico mas, principalmente, pelo fato de que seus princípios básicos iam ao

19 Por religião civil norte americana nos valemos da proposição de Robert Bellah que assim foi

apresentada por Jackson Liz de Oliveira Pires: “Definida como a dimensão religiosa do mundo público, ela é “expressa num conjunto de crenças, símbolos e rituais”. Para o autor, os “símbolos sagrados desempenharam um papel crucial no desenvolvimento das instituições americanas e ainda conferem uma dimensão religiosa a toda a textura da vida americana, incluindo a esfera política”. Para Bellah, existem certos elementos comuns de orientação religiosa que são compartilhados pela grande maioria dos norte- americanos, como, por exemplo, a ideia da Providência Divina, ou seja, a crença que Deus havia dado uma missão especial para aquela nação. Temos ainda, nessa linha, o mito da América como a terra prometida, o qual se relaciona com a ideia de sacrifício, devido às várias guerras enfrentadas pelo país. (PIRES, 2013, p. 16)

encontro dos ideais nacionais e nacionalistas americanos, o metodismo se tornou a Igreja mais influente dos EUA no século XIX.

Guiada pelas concepções acima abordadas, ela passou a utilizar sua influência e poder alcançados e a direcionar suas atividades para as ações missionárias na América do Sul, o que ampliou, consideravelmente, seu raio de atuação no continente. (MESQUIDA, 1994, p. 101)

Sob tal ótica, sem que se despreze o fato de que os EUA e a Igreja Metodista sofreram os impactos da guerra civil americana, é patente que, no século XIX, a designação religiosa se consolidou institucional e financeiramente e se valeu de um posicionamento religioso que instrumentalizava a lógica da excepcionalidade dos EUA como povo escolhido para levar a salvação ao resto do mundo. Por meio de uma adaptação de tais formulações foi que, a partir da década de 1870, os metodistas se lançaram em missões estrangeiras no sul do continente onde o Brasil seria um alvo importante.20

1.2 A PRESENÇA PROTESTANTE NO BRASIL E AS PRIMEIRAS AÇÕES DO