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GRANBERY: A CONSTITUIÇÃO DO MAIOR EDUCANDÁRIO METODISTA DO BRASIL NAS

2. OSCAR MACHADO: UM INTELECTUAL A SERVIÇO DO METODISMO EM JUIZ DE

2.3 GRANBERY: A CONSTITUIÇÃO DO MAIOR EDUCANDÁRIO METODISTA DO BRASIL NAS

Entendendo que o modelo americano e os valores liberais foram grandes atrativos para parcelas da elite que tinham nos EUA o ideal de civilização e partilhavam do ideário dominante neste país, depreende-se que os educadores americanos funcionavam como autoridades que oportunizariam o acesso a tais coisas. Isso é perceptível nas publicidades iniciais da escola na cidade, pois, além de se propagandear um ensino moderno, pautado pelo sistema americano, adjetivado como firme e igualitário, ao lado das propostas pedagógicas da escola, esses aspectos funcionavam no anúncio como um chamariz que se somava à propalada experiência de seu educador e primeiro reitor de origem norte americana, John McPhearson Lander.129

Nada obstante, ao lado do reitor, deve-se notar que os professores americanos eram poucos e, ainda que atuassem em sala de aula, costumavam acumular muitas funções de direção nas instituições de ensino, o que fazia com que a maior parte dos corpos docentes destas escolas fosse formada por brasileiros.

Fundado pouco tempo depois da chegada dos primeiros metodistas a Juiz de Fora, pela impossibilidade de compor o quadro de professores apenas com missionários ou ainda com profissionais contratados nos EUA, optou-se pela contratação de intelectuais com certa projeção, estratégia que aspirava a minimizar as reservas que existiam à escola, resultantes dos ataques que sofria.130

A presença de membros destacados na elite intelectual local deu ao Granbery o respaldo e a confiança necessários para por em prática os seus projetos e foi de fundamental importância para a aceitação da introdução da educação metodista em Juiz de Fora e, no limite, para o desenvolvimento da própria

129 Sobre isso ver: (Livro de recortes com as primeiras propagandas do Instituto Granbery. p. 1).

130 Entre alguns nomes podem-se citar os seguintes: Dr. Eduardo de Menezes, José Rangel, João Massena,

Antônio Dias de Carvalho, José Dutra, Augusto Coelho de Souza, Moisés Andrade. Em reunião da Congregação do Colégio Granbery – uma espécie de Colegiado da escola – composta pelo reitor e o corpo docente, foi comemorado o fato do professor João Massena ter sido nomeado prefeito da cidade de Araxá-MG pelo então presidente do estado de Minas Gerais, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada. (Ata da

Congregação do Granbery, 21/10/1926, p. 58) Após uma administração que obteve um bom

reconhecimento de parte da população, ocorrida entre 1926 e 1928, fazendo com que seu nome ficasse na memória local como um exemplo de civilidade (Araxá em Revista, março 2016, p. 110), O Granbery informou que João Massena foi escolhido por Antônio Carlos Ribeiro de Andrada para dirigir a Escola Normal Modelo de Juiz de Fora, motivo que o trouxe de volta para a Zona da Mata mineira e lhe encetou elogios. (O Granbery, 31/03/1928, p. 3)

instituição. A participação direta de muitos deles na instituição foi fundamental para limitar a ação oposicionista da Igreja Católica. De certo modo, esse apoio estava relacionado à modernização, representado pelo novo modelo de ensino “granberyense” e pelo americanismo representado pela presença dos missionários norte-americanos. (PIRES, 2013, p. 105)

Esse grupo de notáveis, somados ao diferencial do colégio, desde o início contribuíram para que a instituição passasse a contar com alunos de várias partes do país. Aos poucos, verificou-se um fluxo cada vez maior dos filhos da nascente elite juiz- forana, de cidades da região e de outros estados, fazendo com que, em 1929, ela superasse o total de 600 alunos matriculados, conforme se pôde ver no gráfico anteriormente apresentado. (Livro de recortes com as primeiras propagandas do

Instituto Granbery. p. 3)

Uma terceira explicação que se soma aos argumentos supracitados para explicar o sucesso obtido pelo Granbery advém do fato de que ele conseguiu se colocar como uma instituição com elevado grau de qualidade, o que atraiu parte dos políticos, da intelectualidade local e contribuiu para que os ataques que sofria de seus opositores diminuíssem.

A construção desta imagem de si tinha como estratégia publicizar a relação que o Granbery possuía com parcela da intelectualidade local que, inclusive, tomava parte de seus eventos, como demonstrou a nota transcrita abaixo informando que o ex- vereador e adepto do movimento republicano, Dr. José Caetano de Moraes Castro, havia proferido um discurso por ocasião do encerramento do ano letivo de 1892. (FERREIRA, 2010, p. 92)

O anno lectivo finda-se na quarta-feira, 30 do corrente, com provas de declamação; um debate sobre a questão: - Qual é a melhor fôrma de governo, a monarchia ou a republica; e tambem com um discurso pelo illm. sr. dr. José Caetano de Moraes e Castro. A estes actos são convidadas a assistir todas as exmas familias representadas no Collegio, bem como todos os nossos outros amigos e pessôas interessantes na educação da mocidade brazileira. A sessão abre-se ás 11 horas da manhã. O diretor, J. M. Lander. (Livro de recortes com as primeiras propagandas do Instituto Granbery. p. 4)131

Esse processo avançou ao longo do tempo pois, em 1901, quando o colégio ainda não havia se equiparado às instituições oficiais, – cujo parâmetro era o Ginásio Nacional, sob a forma do Colégio Pedro II – ficando impossibilitado de reconhecer seus

131 No mesmo local no qual essa nota se encontra, foi informado que, nesta ocasião, após ter traçado um

histórico do colégio, o político Dr José Catano de Moraes Castro teria tecido elogios aos educadores ame- ricanos que eram dignamente representados pelo diretor Lander. (Livro de recortes com as primeiras

diplomas em todo Brasil, – situação que só conseguiu formalizar em 1905132 – ele

recebeu uma moção de apoio subscrita por diversos intelectuais locais que, além de defender a obtenção da equiparação, desejavam a oferta de cursos superiores pelo Granbery133, o que explicita a conexão que ele mantinha com esta camada na cidade.

Nós, abaixo assignados, sabedores da feliz lembrança, que teve a corporação americana do Collegio Granbery de equiparar este estabelecimento ao Gymnasio (...), vimos, por esta moção de solidariedade, protestar nosso incondicional apoio à Directoria do mesmo Collegio, que, convertido mais tarde numa Universidade, como é do intento dos illustres promotores de tão acertada idéa, de alto alcance, agora e no futuro, virá preencher uma lacuna, de que nos resentimos na actualidade. Juiz de Fóra, 16 de Junho de 1901. (MOÇÃO DE SOLIDARIEDADE, 16/06/1901)134

Dentre as pessoas que assinaram a moção de apoio encontravam-se muitos membros da intelectualidade local como médicos, advogados, farmacêuticos, funcionários públicos, engenheiros, tabeliões, juiz, escrivão, dentre outros, sendo que alguns deles viriam a fazer parte do quadro de professores dos cursos de Farmácia e Odontologia, inaugurados em 1904. (NOVAES NETTO, 1997)135

132 Em 02/06/1904, no jornal O Pharol, foi publicada uma denúncia de que o Granbery teria afirmado em

seus regulamentos que já havia obtido a equiparação com o Ginásio Nacional. Todavia esta só teria sido requisitada em 1903, o que, segundo os signatários do protesto, era uma informação inverídica, um abuso segundo o seguinte trecho da denúncia: “mas antes disso, é um abuso, é mesmo uma falsidade declarar-se equiparado, o que pode ser considerado um meio de iludir a boa fé dos chefes de família. Parece-nos que esses fatos devem merecer a atenção dos poderes competentes e é para esse fim que os levamos ao conhecimento público.” (O Pharol apud NOVAES NETTO, 1997, p. 86)

133 Contando com intelectuais como Dr. Eduardo de Menezes, José Massena, José Rangel e também

políticos e empresários como Francisco Valadares, entre os meses de abril e maio de 1908, foi publicado no Jornal do Comércio o projeto da criação da escola de medicina na cidade que, seguido por outros inúmeros artigos sobre a mesma temática, demonstram como se dava no cotidiano a construção dessa imagem positiva amparada no apoio destes grupos intelectuais. (PIRES, 2013, p. 155-159)

134 Livro de recortes com as primeiras propagandas do Instituto Granbery. p. 19. Arquivo Histórico do

Instituto Metodista Granbery.

135 Assinaram o documento as seguintes pessoas: Dr. Eduardo de Menezes (médico), Bacharel Francisco

Candido da Gama Junior, Dr. Leocadio Chaves (médico), Bacharel José Eloy de Araujo, Lafayette Bar- bosa Rodrigues Pereira, Dr. Belisario Pena (médico), Julio Cezar Barboza Pena (engenheiro), Carlos Guedes de Castro (engenheiro civil), Adolpho Pereira, Antonio Rosa da Costa, J. Voyane, Dr. Azarias de Andrade (médico), Dr. Cornelio Goulart Villela Bueno (médico), Manuel Alves da Silva (agricultor), Heitor Guimaraes (jornalista), Alfredo Moreira Rezende, Arthur Siqueira, Tobias Toulendal (advogado), Gustavo Penna (advogado), João Chrysostemo Pimentel Barbosa, (tabelião), Barão de S. Marcellino (ad- vogado), Arnaldo de Moraes e Castro (tabelião), Ignacio Ernesto Nogueira da Gama (escrivão de órfãos), José Luiz da Cunha Horta (inspetor da Escola Municipal), M. Silva Lemos (negociante), Cornelio Gama (comerciante), Manoel Ferreira Velloso (funcionário público), Mario da Cunha Horta (funcionário públi- co), Martinho Pereira da Silva (funcionário público), Dr. Virgilio Falesano Alvez (médico), Carlos Ferrei- ra de Souza Fernandes (advogado), José Rangel (farmacêutico), Francisco Pinto de Moura (advogado), Josimo Alcantara Araujo (juiz de direito avulso), Francisco Valladares (advogado), J. Luiz de Costa e Silva (advogado), Agnello Firmino Quintella (dentista), Antonio Bernades Fraga, Luiz de Oliveira, Af- fonso Augusto de Oliveira Penna (advogado), Dr. Casimiro Villela de Andrade (médico), Sabino Montei- ro Lemos (farmacêutico) e Francisco Augusto de Souza Lima. (Moção de Solidariedade, 16/06/1901; Livro de recortes com as primeiras propagandas do Instituto Granbery. p. 19)

Junto desta proximidade com a intelectualidade se notou a existência de boas relações que a escola manteve com parcelas da classe política local, que também eram receptivas aos valores liberais que o Granbery cultivava em seu modelo educacional.

No que diz respeito ao apoio externo, encontramos significativo suporte no Jornal do Comércio de Juiz de Fora, órgão do Partido Republicano ligado à Associação Comercial da cidade, fundado, em 1896, por Vicente de Leon Annibal, que o vendeu no ano seguinte para Antônio Carlos Ribeiro de Andrada (1870-1946), político nascido em Barbacena que chegou a ser deputado federal e um dos colaboradores da publicação. Em 1911, Francisco de Campos Valadares assumiu a propriedade do jornal; este já era o dono de outro importante jornal da cidade, “O Pharol”. (PIRES, 2013, p. 105)

Embora nem o projeto da criação da escola de medicina, tampouco o da criação de uma Universidade Metodista tenham sido exitosos no período, pelo reconhecimento de seu modelo, de seu corpo docente e de suas articulações com parte da intelectualidade e classe política, o Granbery, no decorrer da República Velha, consolidou-se como a mais importante instituição de ensino metodista do país e atraiu gente do Brasil todo por obra da imagem que conseguiu criar de si e veicular.

Funcionando como o modelo formador da intelligentsia metodista, ele capitaneava o conjunto de instituições escolares da denominação religiosa no Brasil. Pautando-se por aspectos fundamentais da cultura norte americana como o mito da

fronteira e a lógica do destino manifesto, o Granbery tencionava difundir o ideário

religioso e cultural metodista sob o alicerce do liberalismo político e econômico vigentes nos EUA, caminho pelo qual a congregação chegou à América do Sul.

Enquanto alguns intelectuais apropriaram-se do mito do Destino Manifesto para defender que a supremacia da América WASP136 estava fadada a se

realizar, os missionários, como os metodistas, defendiam que a superioridade apenas se confirmaria por meio da ação. Ação essa que, em campo, buscava fazer com que o exemplo elevasse os preceitos morais daqueles supostamente inferiores e ignorantes do cristianismo tido como mais puro. Nesse sentido, o contato dos professores estadunidenses com os filhos da elite de Juiz de Fora e região adjacente tinha o objetivo de moldar seu caráter e a sua formação para a vida futura também por meio do exemplo. (...) No que diz respeito à formação para a vida política, o que pode ser comparado ao que hoje os educadores chamam de currículo oculto, o Granbery, conclui-se, se empenhou em formar alunos com uma perspectiva fortemente utilitarista. Além disso, havia uma disposição, que também se repetia nos Estados Unidos, em auxiliar as autoridades públicas. Sabemos que essa disponibilidade estava ligada à busca pela simpatia dessas autoridades e

136 A sigla WASP, em inglês, significa White, anglo-saxon, protestant. Em português, poderia ser traduzi-

constituía uma forma privilegiada de influenciar a sociedade. (PIRES, 2013, p. 171-172)

Ao conseguir se apresentar como um expoente deste modelo norte americano, que estava em consonância com o observado em boa parte dos países centrais do ocidente neste contexto, entende-se que o colégio logrou êxito em seus intentos. Além de terem surgido muitos intelectuais e políticos renomados por ele formados, pode-se dizer que, muitas décadas depois, quando Itamar Franco, um de seus tantos alunos, chegou à Presidência da República, o projeto coletivo metodista de formar lideranças atingiu seu ápice.137

Para concluir a esse respeito, é necessário enfatizar que, concomitantemente à intenção de fomentar esses ideais e atuar para a formação de futuras lideranças, um dos objetivos principais do Granbery era também o de criar novos quadros para a Igreja Metodista, público que se diferenciava bastante dos filhos das elites.Os futuros pastores e professores que lá estudaram, a exemplo de Cesar Dacorso Filho, que viria a ser o primeiro bispo metodista brasileiro, Derly de Oliveira Chaves, dentre tantos outros, eram, muitas vezes, filhos de famílias que possuíam poucos recursos, o que tornava inviável o pagamento de seus estudos.

Para isso, além de ofertar bolsas de estudo a esses alunos, eles trabalhavam na instituição como forma de contrapartida do benefício que recebiam. Desta forma, aliado àquilo que dirigia aos filhos da elite, esses aspirantes ao magistério e ministério da denominação religiosa também eram forjados enquanto futuros intelectuais que iriam propagar o metodismo no país, tornando-se os difusores de seu ideário com vistas a influenciar nos centros decisórios dos poderes político e econômico. Para Elias Boaventura, na década de 1920, a forma como o Granbery lidava com os futuros intelectuais metodistas exemplifica inequivocamente esses fins que, a exemplo daquele voltado para as famílias da elite, também foram exitosos. (BOAVANETURA, 1994, p. 97)

2.4 O GRANBERY COMO DESTINO DE MUITOS GAÚCHOS E A CHEGADA DE