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Capítulo III. DOS EFEITOS DAS DECISÕES JUDICIAIS SOBRE O

3.2. Da “guerra fiscal” e da glosa unilateral pelo Estado de São

3.2.2. Da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do

do momento exacional da Administração Tributária Paulista

A “guerra fiscal”, portanto, pode ser resumida na tensão formulada no pacto federativo, com o atrito dos sistemas tributários dos entes federativos, em seu acoplamento constitucional, por uma parte, a partir da concessão unilateral de incentivos ou benefícios fiscais pelos Estados ou pelo Distrito Federal, à margem da Constituição Federal, com o intuito de atrair investimentos; e, por outra parte, gerando a retaliação de outros entes federativos, que se perfaz seja com a lavratura de autos de infração e imposição de multas aos contribuintes135 (em glosa unilateral

evidência, parece-nos, nesta linha, guardar espaço para tipificação do quanto previsto no art. 10, VII, da Lei nº 8.429/92(Lei de Improbidade Administrativa), uma vez que configura ato de improbidade administrativa, causador de prejuízo ao Erário, a concessão de benefício fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie, qual seja, em desalinhamento com a estipulação normativa da LC nº 24/75.

135 Cuida-se do chamado momento exacional que, em regra, encontra-se em alinhamento com o

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pelos entes federativos prejudicados), ou, de modo alternativo diverso, batendo às portas do Judiciário136, almejando a retirada do ordenamento da medida que concedeu o benefício inconstitucional.

Nesses termos, tudo isso levado em consideração, faz, ainda, com que se revele mais consistente, como norma jurídica, e, portanto, geradora de expectativas normativas contrafáticas, na dicção própria de Luhmann, a proibição de benefícios fiscais obtidos sem a deliberação dos entes federativos no CONFAZ, com a recondução da Federação ao cumprimento da ordem constitucional e ao equilíbrio federativo, pela judicância do Supremo Tribunal Federal, à vista do sem número de precedentes no sentido do óbice à produção de benefícios ou incentivos fiscais à margem do preceito constitucional.

Aponta-se, de maneira inequívoca, frente ao expressivo número de ações em sede de controle concentrado junto ao Supremo Tribunal Federal, que a “guerra fiscal” continua presente na pauta da discussão judicial e remota revela-se, ainda, a sua solução, retratando, em última instância, um problema de tutela jurídica do federalismo brasileiro. Diante desse marcante litígio, emerge, ainda, mais um campo para a tentativa do reequilíbrio federativo, na conformidade do anúncio de uma

uma vez que concretizada pela legislação própria, do quanto produzido pelo Poder Judiciário, por suas decisões judiciais, conforme o neopositivismo.

136 Aponta-se que a repulsa pelo Supremo Tribunal Federal pela chamada “guerra fiscal” do ICMS

atingiu seu ápice em 1º de junho de 2011, quando numa só sessão do Pretório Excelso foram rechaçadas 14 disciplinas normativas estaduais, à margem do CONFAZ. Foram julgadas nesta data as ADIs: ADI 2906/RJ; ADI 3674/RJ; ADI 2376/RJ; ADI 3413/RJ; ADI 3664/RJ; ADI 4457/PR; ADI 3794/PR; ADI 2688/PR; ADI 3803/PR; ADI 1247/PA; ADI 2352/ES; ADI 3702/ES; ADI 4152/SP e ADI 2549/DF. (Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28 adi%29%28%40JULG+%3D+20110601%29&pagina=1&base=baseAcordaos>. Acesso em: 24 out. 2012).

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proposta de súmula vinculante, cuidando em específico do assunto137, a par mesmo da possibilidade de glosa dos créditos de maneira unilateral pelo ente federativo prejudicado (na acepção neopositivista do direito, que colhe na jurisprudência uma resposta à necessidade de atendimento da expectativa normativa).

Com essa leitura de evidente repulsa judiciária pela “guerra fiscal”, apresentamos a posição de que a Administração Tributária pode, de modo unilateral, promover a glosa de créditos tributários do ICMS à margem da Constituição da República.

Isso representa, portanto, a adoção de uma posição oposta à encontrada por parte da doutrina, como a que se faz presente, na doutrina de Marco Aurélio Greco, que, a partir de um conceito próprio de solidariedade de Federação aplicável ao Brasil, entende pela exclusividade do Poder Judiciário para promover o bloqueio da eficácia de normas produzidas por entes federativos que geram benefícios fiscais do ICMS irregulares, sob pena de agressão ao próprio pacto federativo138. Colaciona- se, no ponto, o quanto cuidado por essa doutrina:

137 Em 24 de abril de 2012, o Supremo Tribunal Federal publicou o edital de Proposta de Súmula

Vinculante nº 69, na tentativa de por fim à “guerra fiscal” travada entre os entes da Federação, mediante a concessão unilateral de incentivos fiscais relativos ao ICMS, sem a prévia autorização do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ). O texto da Súmula Vinculante proposta pelo Ministro Gilmar Mendes reproduz, no essencial, a Lei Complementar nº 24/75, dispondo o seguinte: “Qualquer isenção, incentivo, redução de alíquota ou de base de cálculo, crédito presumido, dispensa de pagamento ou outro benefício fiscal relativo ao ICMS, concedido sem prévia aprovação em convênio celebrado no âmbito do CONFAZ, é inconstitucional” (Disponível: <http://s.conjur.com.br/dl/edital-sumula-vinculante-guerra-fiscal.pdf>. Acesso em: 13 mar. 2013).

138 Alerta-se para a crítica pronunciada, e nos limites de nossa apreensão, por Paulo de Barros

Carvalho, para quem o “pacto federativo” nasce, antes, com a própria Constituição, não havendo se falar num momento próprio, diverso e anterior para sua deliberação e, ainda, em sua precisa apreciação, “a Federação é historicamente condicionada”. (conforme Conferência de Abertura proferida durante o XXVI Congresso Brasileiro de Direito Tributário – Tributação e Federalismo. São Paulo, 17 de outubro de 2012).

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A Constituição Federal consagra uma Federação solidária em que todos os Estados estão em posição de igualdade, o que impede sejam adotados atos unilaterais de bloqueio ou neutralização da eficácia da legislação alheia. O Poder Judiciário é a Instituição Nacional competente para editar decisões que inibam a eficácia de quaisquer leis ou atos normativos estaduais. Antes do seu pronunciamento em ação proposta pelo Estado que se julgar afetado (ADI ou ACO), qualquer ato unilateral estadual que impute à legislação alheia a pecha de violadora da Constituição ou da LC n. 24/75 agride o Pacto Federativo139.

Diga-se, ainda, sem maiores diferenças, que o mesmo pode ser aferido na doutrina de Paulo de Barros Carvalho, caminhando pela pauta do pacto federativo e da autonomia dos entes federativos, além dos direitos e garantias fundamentais dos contribuintes, o que levaria à configuração da usurpação da competência do Poder Judiciário, com a glosa unilateral empreendida pelo ente federativo prejudicado. Eis a sua conclusão:

Do contrário, estar-se-ia legitimando a utilização de coerção para a cobrança de tributos que não são da competência do Estado destinatário da mercadoria. Com isso ter-se-ia, também, a exigência de ICMS pelo Estado destinatário, sem que fizesse jus a ele, nos termos constitucionalmente prescritos, em detrimento, portanto, dos direitos arrecadatórios do estado de origem do bem. E tudo isto implicaria flagrante violação ao pacto federativo e à autonomia dos entes tributantes, sem falar nos direitos e garantias fundamentais dos contribuintes140.

Levando-se em conta a fundamentação teórica de nosso estudo, não se pode

139 GRECO, Marco Aurélio. ICMS – Glosa unilateral de créditos por operações interestaduais – a

posição do Estado de São Paulo – Lei estadual n. 6.374/89 e Comunicado CAT n. 36/2004 – Necessidade de prévio acesso ao Poder Judiciário. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, n. 148, 2008, p. 131.

140 CARVALHO, Paulo de Barros. Guerra fiscal : reflexões sobre a concessão de benefícios no âmbito

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negar que, ao longo do trabalho a que nos propusemos, de acordo com uma perspectiva neopositivista de complementaridade, sobretudo ao lançarmos os capítulos iniciais, a jurisprudência e os princípios revelam-se como fonte primária de normatividade, em torno dos quais gravitam direitos, garantias e, enfim, competências constitucionais.

Enfatiza-se com esse recorte epistemológico, portanto, a atuação principiológica na conformação de normas jurídicas (na conformidade da “equação” antes apontada, em que se mostra que a norma jurídica pode ser tida como o resultado destas variáveis: jurisprudência, interpretação e lei), numa dinâmica iterativa de retroalimentação entre a jurisprudência constitucional, localizada nos julgados constitucionais cuidando da “guerra fiscal” do ICMS, e a legislação infraconstitucional estadual ou distrital, na construção final da norma jurídica, na acepção neopositivista, habilitadora, portanto, na exata medida da expectativa normativa, que efetivamente se consubstancia em norma, na forma de lei ordinária e vincula a Administração Tributária, ao fim, na promoção legítima da glosa unilateral dos créditos do ICMS, originados à margem da Constituição141.

141 No que diz respeito à legitimidade da glosa unilateral dos créditos do ICMS, à margem do

CONFAZ, resta necessário o ingresso na apreciação do que se concebe, segundo o princípio da não-cumulatividade do ICMS, de crédito constitucionalmente garantido, construído com base na disposição constitucional do artigo 150, inciso I, da Constituição da República. Ou seja, o destinatário da mercadoria ou bem só faz jus ao direito de crédito daquilo que, na operação anterior, tenha sido, de fato, cobrado, expurgando as inconstitucionalidades dos benefícios ou incentivos fiscais. Nessa medida, parece-nos subsidiar, ainda, a Administração Tributária, na promoção da glosa de créditos de maneira unilateral, o regramento presente no Código Tributário Nacional, em específico em seu artigo 149, VII, que pode ser lido da seguinte forma: a Administração Tributária deve efetuar o lançamento de ofício, uma vez que se encontra presente, e comprovada, a fraude na ação do sujeito passivo (fraude esta concebida na forma da disposição do artigo 72 da Lei nº 4.502/64), pois o aproveitamento de crédito à margem do CONFAZ revela-se como a aquisição de um benefício fiscal indevido, ou seja, a fraude fiscal, assim aferida, nada mais é do que uma conduta ilegítima tipificada que objetiva a obtenção indevida de uma vantagem (traduzida, aqui, no

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Imprime-se assim, por sua vez, uma nota nova da natureza jurídica das decisões judiciais, enquanto preceito normativo, veiculando, certamente, conteúdo geral e abstrato, ao menos ao gerar expectativas de direito a seus destinatários142,

benefício fiscal à margem do CONFAZ). É justamente com essa interpretação que apreendemos o quanto julgado pelo Supremo Tribunal Federal, no recurso extraordinário RE 463.079/MG, que em suas razões entendeu como válida a ação fiscal estadual no sentido de vedação de créditos oriundos da propalada “guerra fiscal”, não tangenciando, em qualquer sentido, da necessidade de prévio controle concentrado de constitucionalidade da norma que promoveu o benefício fiscal à margem do mandamento constitucional, com a tradução do quanto se concebe por “crédito constitucionalmente garantido”: “Trata-se de recurso extraordinário (art. 102, III, a e c da Constituição) interposto de acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais que considerou válida a anulação de créditos relativos à não-cumulatividade do Imposto sobre Operações de Mercadorias e Serviços [...] Conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal, a concessão dos benefícios fiscais de isenção ou de redução da base de cálculo implica o reescalonamento dos créditos tributários gerados para o adquirente da mercadoria ou do serviço (RE 174.478-EDcl, rel. min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julgado em 14/04/2008, DJe-097 DIVULG 29-05-2008). O mesmo modelo se aplica às operações interestaduais (cf. o RE 596.469, rel. min. Cármen Lúcia, DJe 45 de 09.03.2009 e o RE 423.658-AgR, rel. min. Carlos Velloso, Segunda Turma, julgado em 22/11/2005, DJ 16-12-2005). Ademais, o valor do crédito constitucionalmente garantido ao adquirente sofre a influência de eventuais benefícios concedidos ao contribuinte que dá saída à mercadoria ou que presta o serviço. [...] Questão insuscetível de ser solucionada sob invocação do princípio em causa, que, diferentemente do que entende a Recorrente, visa tão- somente a assegurar a compensação, em cada operação relativa à circulação de mercadoria, do montante do tributo que foi exigido nas operações anteriores, seja pelo próprio Estado, seja por outro, de molde a permitir que o imposto incidente sobre a mercadoria, ao final do ciclo produção- distribuição-consumo, não ultrapasse, em sua soma, percentual superior ao correspondente à alíquota máxima prevista em lei, relativamente ao custo final do bem tributado. Havendo, no caso, sido convertido em incentivo o tributo que deveria ser recolhido pelo vendedor da matéria-prima, e fora de dúvida que a inadmissão do crédito, no Estado de destino, não afeta a equação acima evidenciada. Recurso não conhecido.” (grifei - RE 109.486, rel. min. Ilmar Galvão, PRIMEIRA TURMA, julgado em 31/03/1992, DJ 24-04-1992). Dessa orientação não divergiu o acórdão recorrido”. (Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=% 28RE%24%2ESCLA%2E+E+463079%2ENUME%2E%29&base=baseMonocraticas&url=http://tinyur l.com/afaqooq>. Acesso em: 15 mar. 2013).

142 No ponto, a aferição empreendida por Renato Lopes Becho diante do novo papel assumido pela

jurisprudência: “Estamos, com isso, afirmando que as decisões judiciais não são, apenas, individuais e concretas. Elas agem como elementos interpretativos, como textos gerais e abstratos, nos mesmos termos que as leis. Elas criam expectativas de direito”. (As alterações jurisprudenciais diante das

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que, nesse caso, materializa-se pela Administração Tributária, mediatamente, e ao próprio Poder Legislativo, de modo imediato, recebendo as influências da normatividade emanada pelo Poder Judiciário, vertendo-as em legislação ordinária143.

Em síntese, especificamente para o caso da “guerra fiscal” do ICMS, temos que o legislador ordinário estadual ou distrital recebe a jurisprudência assentada pelo Supremo Tribunal Federal como irritação ou perturbação (input para o sistema jurídico subnacional). E assim o faz, à vista do quanto apreendemos da concepção luhmanniana de sistemas, a qual posiciona mencionado legislador na periferia do sistema jurídico, sendo estimulado por esta reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal144, no sentido de declarar como inconstitucionais as normas

fontes do direito tributário. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, n. 188, maio 2011, p. 115).

143Por todos, trazemos a obstação ao crédito promovido pela Lei Ordinária Paulista nº 6.374/89: “Art.

36 - O Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação é não-cumulativo, compensando-se o imposto que seja devido em cada operação ou prestação com o anteriormente cobrado por este, outro Estado ou pelo Distrito Federal, relativamente à mercadoria entrada ou à prestação de serviço recebida, acompanhada de documento fiscal hábil, emitido por contribuinte em situação regular perante o fisco. § 3° - Não se considera cobrado, ainda que destacado em documento fiscal, o montante do imposto que corresponder a vantagem econômica decorrente da concessão de qualquer subsídio, redução da base de cálculo, crédito presumido ou outro incentivo ou benefício fiscal em desacordo com o disposto no artigo 155, § 2º, inciso XII, alínea "g", da Constituição Federal”.

144 É certo que estamos cientes da discussão atual em que se debruça o Supremo Tribunal Federal

em relação à “guerra fiscal” do ICMS, materializada na sua manifestação pela presença de repercussão geral no RE 628.075/RS, na relatoria do Min. Joaquim Barbosa, julgado em 13 de outubro de 2011, cuja ementa se apresenta: “CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ICMS. GUERRA FISCAL. CUMULATIVIDADE. ESTORNO DE CRÉDITOS POR INICIATIVA UNILATERAL DE ENTE FEDERADO. ESTORNO BASEADO EM PRETENSA CONCESSÃO DE BENEFÍCIO FISCAL INVÁLIDO POR OUTRO ENTE FEDERADO. ARTS. 1º, 2º, 3º, 102 e 155, § 2º, I DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ART. 8º DA LC 24/1975. MANIFESTAÇÃO PELA EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL DA MATÉRIA”, cuja decisão final, de modo inegável, poderá resultar em nova irritação

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daqueles entes federativos que concedem benefícios fiscais, à margem das balizas da Constituição da República.

Assim, a atuação desse legislador subnacional caminha no sentido de promover a recepção, em primeiro filtro, a partir da mencionada irritação jurisprudencial, internalizando-a, então, na forma de lei ordinária, que passa a dispor sobre a glosa unilateral de créditos do ICMS inconstitucionalmente originados, visando reger comportamentos futuros, já que os comportamentos passados se encontram regidos pelas decisões judiciais do Supremo Tribunal Federal, cuidando da matéria (veja-se o quanto diagramado através da Figura ilustrativa 1, apresentada acima, à p. 82 do presente trabalho).

Portanto, essa continuidade temporal das expectativas normativas – passado e futuro – da regência dos comportamentos, na forma de óbice ao creditamento do ICMS, inequivocamente, é um tributo à segurança jurídica do sistema jurídico.

3.3. Do processo administrativo tributário paulista e do