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Capítulo II. DA NORMA JURÍDICA DENTRO DA PERSPECTIVA

2.2. Da atuação dos juízes: os “quatro modelos típico-ideais de

2.2.5. Dos modelos típico-ideais do juiz: o neopositivismo e o

O que resta certo é que toda a forma de modelagem, incluindo na concepção de modelos típico-ideais de juiz, antes de mais nada, representa uma redução e simplificação da própria realidade que tenta representar. Assim, dos modelos de atuação do juiz cuidadas, é evidente que tipos puros não serão verificados na realidade social.

Nessa medida, comungando do quanto apreendido em Inocêncio Mártires Coelho, na sua busca da máxima redução do “resíduo incômodo de voluntarismo”, a verdade epistemológica, que procuramos imprimir à nossa investigação, é resultado direto, na sua concepção de atividade racional, da hermenêutica, em que esta, por sua parte, encontra-se controlada e legitimada por dois fundamentos: o primeiro, relacionado com a consciência jurídica geral95; o segundo, por meio do devido processo legal, nas suas modalidades material e processual96. No ponto, a comunhão com o mencionado doutrinador, em seu excerto:

95 A concepção de “consciência jurídica geral” encontra-se relacionada com critérios objetivos

encontrados ao longo do sistema jurídico, e, certamente, pronunciados na motivação da decisão judicial, conforme desenvolve Inocêncio Mártires Coelho, na forma de princípios encontrados na própria lei, acolhidos e desenvolvidos pela jurisprudência, bem como, ainda, valores éticos reconhecidos pela comunidade jurídica (COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação constitucional. 2. ed. rev. e aum. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2003, p.58). Mas, de modo certo, ainda, a concepção de “consciência jurídica geral” encontra elementos de comunicação com o conceito de consenso básico acolhido, conforme faz crer pelo voto do Min. Luiz Fux, ao examinar a ADI nº 4.578/DF, Tribunal Pleno, em sessão de 16 de fevereiro de 2012: “Ora, como antes observado, não há como sustentar, com as devidas vênias, que a extensão da presunção de inocência para além da esfera criminal tenha atingido o grau de consenso básico a demonstrar sua radicação na consciência jurídica geral”.

96 Em Alexandre de Moraes, alinha-se a concepção do devido processo legal, nas suas concepções

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Numa palavra, convencidos de que, nesses domínios, a racionalidade científica cede lugar à razoabilidade jurídica, e a verdade epistemológica à simplesmente hermenêutica, decidimos lutar ao lado de Kaufmann e tantos outros em defesa da ideia de que a hermenêutica é uma atividade racional, que se ocupa com processos total ou parcialmente irracionais – como o da aplicação do direito – da forma mais racional possível.

Daí termos considerado válido utilizar como parâmetros de controle e legitimação da atividade hermenêutica a consciência jurídica geral e o devido processo legal (substantive due process/procedural due process) porque, à luz da experiência histórica, esses critérios de verdade têm-se mostrado pelo menos razoáveis, na medida em que impedem os voluntarismos mas não inibem a necessária criatividade dos intérpretes e aplicadores do direito97.

Logo, a verdade epistemológica que nos remete para o encontro do juiz- guardião, como atuante no cenário neopositivista, de um modo objetivamente razoável, alinha-se por sua natureza, nos seguintes elementos:

i) pela perspectiva da consciência jurídica geral, o neopositivismo pauta- se na principiologia da ordem constitucional, contando, ainda, com a dotação de valores éticos (retoma-se o ponto da “virada kantiana”, com a aproximação da ética ao direito). Esses aspectos, de maneira inegável, sustentam a democracia, permitindo a convivência dos interesses dos participantes da ordem social, na forma

no âmbito material de proteção ao direito de liberdade e propriedade quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa (direito à defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal)” (MORAES, Alexandre. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos art. 1º a 5º da

Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 3. ed. São Paulo: Atlas,

2000, p. 255).

97 COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação constitucional. 2. ed. rev. e aum. Porto Alegre: Sérgio

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da maioria ou da minoria. Nessa medida, o modelo do juiz-guardião alberga o modelo típico de juiz, condizente com o neopositivismo, na medida em que tradutor de alta autonomia, suficiente para a promoção da defesa da ordem constitucional;

ii) por sua vez, pela perspectiva do devido processo legal em sentido amplo, o neopositivismo, como apresentado, mostra-se atuante no ambiente da Constituição e isto é, ao fim, a sua própria limitação. Dessa forma, é na Constituição que elementos do devido processo legal processual e substancial podem ser aferidos, como, por exemplo, pelo fato de que as decisões judiciais são submetidas a um amplo controle pelas estruturas do próprio Poder Judiciário, sob o aspecto processual, em seu conteúdo de liberdade e propriedade, sob o aspecto material. Desse modo, pela mesma limitação que lhe tolhe a criatividade98, revelada na figura da Constituição, o modelo típico do juiz-guardião é o que melhor se adequa ao neopositivismo.

Portanto, o juiz-guardião é o que melhor responde, com sua atuação, ao neopositivismo, de modo objetivo, visto que revela sua alta autonomia para a defesa da ordem constitucional, com pauta nos princípios e valores éticos, e a sua criatividade, por sua vez, é limitada pela própria Constituição, que exerce, definitivamente, o acoplamento estrutural entre os sistemas sociais. Repise-se,

98 Na consideração mesma de que a Constituição representa a fronteira certa de atuação do Poder

Judiciário, é o quanto se encontra em decisões que envolvam a adoção de políticas públicas e seu, suposto, cumprimento pela decisão do juiz. De fato, justificando-se ainda o enquadramento do tipo do juiz-guardião para o neopositivismo e, portanto, para o Estado de direito brasileiro, a Constituição é, de modo inegável, seu limite. Nesse sentido, por todos, o quanto decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.068.731/RS, julgado em 17 de fevereiro de 2012, pela Segunda Turma, na relatoria do Min. Herman Benjamin: “Em regra geral, descabe ao Judiciário imiscuir-se na formulação ou execução de programas sociais ou econômicos. Entretanto, como tudo no Estado de Direito, as políticas públicas se submetem a controle de constitucionalidade e legalidade, mormente quando o que se tem não é exatamente o exercício de uma política pública qualquer, mas a sua completa ausência ou cumprimento meramente perfunctório ou insuficiente”.

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portanto, que princípios, valores éticos e Constituição são da natureza mesma do neopositivismo.

2.3. Da jurisprudência como fonte do direito: o novo papel da