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Capítulo I. DO SISTEMA JURÍDICO

1.6. Dos momentos exacionais e das correntes filosóficas: uma

66 Radbruch, em trabalhos posteriores à Segunda Guerra Mundial e diante dos horrores do regime

nazista, formula, em seu princípio de justiça, um melhor equacionamento do direito positivo, em que a questão da validade do direito positivo é cuidada ao mesmo tempo como um problema intrajurídico e, inseparavelmente, moral. Assim, segundo essa concepção, o direito positivo deve ser considerado válido, portanto, respeitado, mesmo que se revele injusto, contudo, a medida dessa injustiça fica delimitada, não excedendo um “grau intolerável”. (v. verbete “moral e direito”, in ALLAND, Denis e RIALS, Stéphane; tradução Ivone Castilho Benedetti; revisão técnica Márcia Villares de Freitas.

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Tem-se, como dito anteriormente, que a nota de análise de atos jurídicos67 na presente investigação vai caminhar, basicamente, pela atividade legislativa do legislador ordinário estadual e distrital, bem como pela atividade executiva da Administração Tributária. Dessa forma, justifica-se de todo importante o correlacionamento entre as abordadas correntes filosóficas e os chamados momentos exacionais, à procura da prevalência das suas atuações nos momentos determinados.

É, portanto, uma vez mais, em Renato Lopes Becho que podemos encontrar doutrina suficiente para a aferição da influência axiológica no âmbito do direito tributário68. São, então, identificados três momentos exacionais, em sentido amplo:

i.) Momento pré-exacional: quando se tem o controle de competência tributária69. Pode ser considerado, à vista da estrutura constitucional brasileira, por

67 Diga-se, no ponto, que se concebe ato jurídico na extensão alinhada pela lei civil, contraposta a

atos materiais, sendo, portanto, tido como o ato lícito que tenha o objetivo imediato de adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos.

68 A mencionada doutrina promove o recorte em três momentos, que recebem a denominação de

“três momentos distintos da realidade jurídico-tributária”, fruto do posicionamento do intérprete, de maneira estática, diante da realidade jurídica exacional. (BECHO, Renato Lopes. Filosofia do direito

tributário. São Paulo: Saraiva, 2009, p.339-340).

69 Por competência tributária, podemos ter presente a concepção de conjunção: de normas proibitivas

e permissivas, por uma lado e, por outro, de princípios. De acordo com Tácio Lacerda Gama, pode-se entender, ainda, por competência a aptidão para criar normas jurídicas que, direta ou indiretamente, disponham sobre a instituição, arrecadação ou fiscalização de tributos. Nessa linha, a competência pode significar norma, procedimento ou ato, na medida em que podemos organizar numa mesma norma de competência os seguintes elementos, na conformidade da mesma doutrina: i.) qualificação do sujeito que pode criar normas; ii.) indicação do processo de criação das normas, sugerindo todos os atos que devem ser preordenados para o alcance desse fim; iii.) indicar as coordenadas de espaço em que a ação de criar normas deve se realizar; iv.) indicação das condições de tempo em que a ação de criar normas deve ser desempenhada; v.) estabelecimento do vínculo que existe entre quem cria a norma e quem deve se sujeitar à norma criada, segundo as condições estabelecidas pelo

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duas ordens de comandos: o primeiro, relacionado à divisão da competência e ao processo legislativo, considerados com influência positivista, à vista da sua determinação minuciosa no texto da Constituição da República Federativa do Brasil; já o segundo, relacionado ao controle da competência tributária, que se manifesta pela verificação das imunidades e pela aplicação da principiologia.

Nesse momento pré-exacional ocorre o controle de constitucionalidade dos atos, que são feitos pela atuação tanto da sociedade civil, de maneira cognitiva, como pelos órgãos estatais, aqui, manifestando-se com executoriedade, podendo, assim, com essa prerrogativa na atuação, alterar o próprio ordenamento. À vista do quanto se colhe da atuação do Poder Judiciário, sobretudo na consideração de seus tribunais superiores, emerge um largo espaço para a aplicação de princípios, associando-se, portanto, com a corrente neopositivista ou de direitos humanos;

ii.) Momento exacional, em sentido estrito: concebido, pela dogmática, como o momento de explicação dos critérios da regra-matriz tributária, através do lançamento tributário, da fiscalização e da verificação dos deveres acessórios.

Apresenta-se, inegavelmente, marcado pelo positivismo jurídico, muito mais justificado, por se cuidar da aplicação dos atos normativos pela Administração Tributária e sua vinculatividade, regida estreitamente na disposição do artigo 142 do Código Tributário Nacional70.

próprio direito; vi.) modalização da conduta de criar outra norma, se obrigatória, permitida ou proibida; e vii.) estabelecimento da programação material da norma inferior que é feita segundo quatro variáveis – sujeito, espaço, tempo e comportamento (GAMA, Tácio Lacerda. Competência tributária:

fundamentos para uma teoria da nulidade. São Paulo: Noeses, 2009, p. 49).

70 Diga-se, contudo, que merece atenção direta, em nosso sentir, a presença de algum espaço para a

aproximação entre a ética e o direito - que se revela como a marca da “virada kantiana” -, mesmo na consideração do momento exacional. E tal se dá, por nós, com assento justamente na extensão que

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iii.) Momento executivo: diante de sua natureza de atuação do Poder Judiciário, tal momento revela-se de grande influência para a axiologia e, consequente, aplicação do neopositivismo e dos direitos humanos, sobretudo, ao se ter em consideração institutos próprios atrelados à dignidade da pessoa humana, como o caso do “mínimo existencial”71.

se pode dar à expressão “determinar a matéria tributável”, constante do artigo 142 do CTN, direcionado à atividade vinculada da autoridade fiscal para a efetuação do lançamento. Nessa medida, aferindo-se essa aproximação, é o quanto concebemos do julgado administrativo do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo – TIT – no julgamento promovido por sua Câmara Superior, datado de 29 de maio de 2012, no processo DRT 06-812914/08, da lavra de Eduardo Perez Salusse, assim ementado: “ICMS. CRÉDITO INDEVIDO DECORRENTE DE DOCUMENTAÇÃO INIDÔNEA E RECEBIMENTO DE MERCADORIA ACOBERTADA POR DOCUMENTO INIDÔNEO. O acordão recorrido, capitaneado pelo voto do i. juiz com vista, prestigiou a responsabilidade objetiva prevista no artigo 136 do CTN, o que não coaduna com as diretrizes definidas pelo STJ no recurso especial repetitivo 1.148.444. Logo, dou provimento parcial ao recurso do contribuinte, para afastar a aplicação da responsabilidade objetiva como fundamento para manutenção da acusação, devendo retornar os autos à Câmara a quo para prosseguir o julgamento, atentando para aferição da boa-fé do adquirente (ausência de dolo ou culpa), efetiva ocorrência do negócio jurídico de compra e venda (prova de pagamento, transporte, etc) e os efeitos retroativos da declaração de inidoneidade, à luz do conjunto probatório acostado aos autos e exclusivamente em relação aos itens I.1 e I.2 do AIIM, mantendo a acusação do item 3. RECURSO CONHECIDO. PROVIDO PARCIALMENTE. RETORNO À CÂMARA A QUO. DECISÃO NÃO UNÂNIME.” (Disponível em: <https://www.fazenda.sp.gov.br/VDTIT/ConsultarVotos.aspx?instancia=2>. Acesso em: 08 mar. 2013).

71 Ana Paula de Barcelos, ao percorrer a fundamentação de Robert Alexy, bem pontua a concepção

de mínimo existencial, que alinhamos: “O mínimo existencial, como exposto, é exatamente o conjunto de circunstâncias materiais mínimas a que todo homem tem direito; é o núcleo irredutível da dignidade da pessoa humana. É, portanto, a redução máxima que se pode fazer em atenção aos demais princípios (menor interferência na competência do legislativo e executivo e menor custo possível para a sociedade)”. E ao final, conclui, ao reconhecer a essencialidade do mínimo existencial e apontando para sua concretização: “[...] que, assim, vai deixando de ser apenas um consenso dos discursos políticos, para ganhar forma e consistência em outros campos, como o da filosofia política e do direito”. (BARCELOS, Ana Paula de. O mínimo existencial e algumas de suas fundamentações: Joh Rawls, Michael Walzer e Robert Alexy, In: Legitimação dos direitos humanos. 2 ed. rev. e ampl./Ana Paula de Barcelos. [et all.]; org.: Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 131-132).

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O que se tem ao fim, com a identificação dessa correlação entre as correntes filosóficas e os momentos exacionais, em sentido amplo, na realidade jurídica tributária, é muito mais uma ideia de complementaridade entre as mencionadas correntes, sobretudo quando levamos em consideração que nosso exame investigativo caminhará por três fundamentos básicos.

Entendemos, por certo, a necessidade de uma breve retomada destes: o primeiro, tendo como fundamento as decisões judiciais, na consideração do produto emanado dos nossos tribunais superiores, que apresente a natureza de objetivação da lide, momento, como apontado, marcado pelo neopositivismo; um segundo fundamento terá em vista a atuação da Administração Tributária, que, vinculadamente pela alteração legislativa, de modo mediato aplica o quanto decidido pelos tribunais superiores (cuida-se, entendemos, de um momento exacional, então, nitidamente, alinhado com a corrente positivista, contudo revelando em seus contornos, pela aplicação subjacente e mediata do quanto decidido pelo Judiciário, a influência, também, do neopositivismo); por fim, um terceiro fundamento encontra-se no exame do instrumento processual próprio, encontrado na lei paulista do contencioso administrativo tributário, e, como tal, cuida-se de um momento pré- exacional, relacionado com o controle de competência tributária, e, como tal, com influência neopositivista. Portanto, essa complementaridade das correntes filosóficas nos momentos exacionais sob exame, serão, no decorrer do seu devido tempo, melhor examinados, para os fins de nossa proposta, que é a sua explicitação.

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CAPÍTULO II