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Da “revolução gerencial” à postulada “convergência da tecnoestrutura”

No documento P ara além do capital (páginas 151-170)

DO CAPITAL

3.3 Da “revolução gerencial” à postulada “convergência da tecnoestrutura”

3.3.1

Uma das principais características de muitas “revoluções” no campo da teoria econômica – a que também se deve somar a “revolução keynesiana” e a “revolução monetarista”, para não mencionar o uso subsequente de “segunda revolução in-dustrial”, “revolução verde”, “revolução da informática” etc., etc. para desviar a crítica do sistema do capital – é a estranha insistência na necessidade e na virtude absolutas do gradualismo. Já vimos como Marshall combinou sua “revolução científica” neoclássica com a mais firme recomendação de que as mudanças sociais e econômicas jamais deveriam ser encaradas como potenciais revolucionadores da situação estabelecida. Em vez disso, elas teriam de ser concebidas como forma de, no espírito de sua visão utópica, melhorar, lenta e gradualmente, o padrão de vida para poder gerir a sociedade sobre a base material permanente do capital – ou seja, dentro dos parâmetros existentes do sistema – e com a iluminada generosidade de seus “cavalheirescos” empresários que assumem riscos. Outros também reivindicavam o status superior de “iniciadores da revolução na economia” e, mesmo não compartilhando as ilusões sobre a “fidalguia” capitalista e o “nacional- -socialismo”, alinhavam-se todos com a ideia do absoluto imperativo do gradualismo, sem entreter, sequer por um instante, dúvidas sobre a coerência lógica de sua postura. Evidentemente, sua sincera crença no antissocialismo militante – que fazia Keynes afirmar agressivamente que a “guerra de classes me encontrará ao lado da burguesia instruída”43 – era mais do que suficiente para satisfazê-los inteiramente com relação a esta questão. Assim, poderiam proclamar com ilimitada confiança intelectual que o único significado racional de “revolução teórica” em seu campo seria levantar e defender as barreiras do gradualismo eternizador do capital contra todas as estratégias das revoluções sociais e políticas reais de inspiração socialista – e não apenas marxista. A expropriação da palavra “revolução” foi utilíssima e

tornou-43 Keynes, “Am I a Liberal?” (1925), in Essays in Persuasion, p. 324.

-se intelectualmente respeitável, precisamente com relação ao que abertamente Keynes admitia ser sua “guerra de classes”.

Naturalmente, muitos dos dogmas marginalistas e neoclássicos da economia perma-neceram quase completamente inalterados nos celebrados manuais da economia da nova fase, incluindo, em lugar proeminente, o uso apologético da “maximização da utilidade”

e a concomitante justificativa da ordem estabelecida de produção e distribuição relativa ao “consumidor” mítico colocado em oposição ao trabalhador. Entretanto, esse tipo de superposição teórica não diz respeito ao presente contexto, onde a questão é a teorização do controle capitalista alterada sob as novas circunstâncias.

Na literatura econômica e sociológica, um famoso livro publicado em 1932 por Berle e Means é considerado o primeiro marco do novo rumo44. Contudo, Paul Sweezy fez o necessário corretivo ao escrever:

Se me pedissem para datar o início de uma teoria distintivamente burguesa do sistema do capital com a forma que este assumiu no século XX, penso que citaria o artigo de Schumpeter, “A instabilidade do capitalismo”, publicado no Economic Journal em setembro de 1928. Ali não foram encontrados apenas a corporação ou trust gigantescos na qualidade de característica do sistema; ainda mais importante era o fato de sua unidade econômica, tão estranha a todo o conjunto da teoria clássica e neoclássica, proporcionar a base para novas proposições teóricas importantes. É preciso lembrar que na teoria schumpeteriana apresentada na Teoria do desenvolvimento econômico, a inovação é função do empresário individual e que é da atuação dos empresários inovadores que derivam direta ou indiretamente todos os aspectos dinâmicos do sistema. ... No entanto, em “A instabilidade do capitalismo”, Schumpeter já não coloca a função inovadora no empresário individual, mas na grande empresa. Ao mesmo tempo, a inovação é reduzida a uma rotina executada por equipes de especialistas instruídos e preparados para seus misteres. No plano schumpeteriano das coisas, essas mudanças absolutamente básicas destinam-se a produzir mudanças igualmente básicas no modus operandi do capitalismo.45 É compreensível que, para os economistas que teorizavam o mundo social do ponto de vista do capital e no seu interesse, fosse muito difícil renunciar à ideia do empresário/empreendedor. Dizia-se que os incontáveis benefícios que surgiriam do exercício desse papel para toda a sociedade propiciariam a necessária justificativa para a expropriação capitalista da mais-valia (chamada de “remuneração” ou “juro”

etc., ao mesmo tempo em que se negava sempre, é claro, o fato da exploração), ou seja: para a extração mais intensamente praticável do trabalho excedente e sua transformação em lucro, sobre o qual estava baseado o funcionamento normal do sistema. Isto poderia explicar por que se levou tanto tempo até mesmo para se tentar estudar a mudança na estrutura de controle do capital, apesar do inexorável

desen-44 Ver A. A. Berle Jr. e Gardner Means, The Modern Corporation and Private Property, Nova York, Macmillan, 1932. Ver também A. A. Berle, The twentieth Century Capitalist Revolution, Nova York, Harcourt, Brace &

World, 1954, bem como Power without Property (Harcourt, Nova York, Brace & World, 1959) do mesmo autor.

45 Paul M. Sweezy, “On the Theory of Monopoly Capitalism”, Marshall Lecture apresentada na Universidade de Cambridge nos dias 21 e 23 de abril de 1971, publicada em Sweezy, Modern Capitalism and Other Essays, Nova York e Londres, Monthly Review Press, 1972. pp. 31-2.

volvimento das “descomunais sociedades anônimas” – como Marshall as chamava – já estar em nítida evidência no último quartel do século XIX, e cuja significação crescente foi admitida pelo supostamente “obsoleto” Marx, na primeira vez em que apareceram. Era bem mais fácil, e ideologicamente mais conveniente, descartá-las quixotescamente, como fez Marshall, por causa de seu “burocratismo”. Igualmente, era em geral muito mais fácil tratar as novas estruturas de produção e controle como

“aberrações” e “exceções” pelo tempo mais longo possível. Admitir que estivessem prestes a se tornar a regra tendia a causar enorme devastação nas teorias, havia muito estabelecidas e longe de científicas, legitimadoras da ordem capitalista. Na verdade, na esteira da grave crise econômica mundial de 1929-33 e da depressão que prosse-guiu por quase uma década, só aliviada quando a economia foi obrigada a operar em condição de emergência, bem depois da eclosão da Segunda Guerra Mundial – ou seja, quando se teve de reconhecer que as novas “realidades econômicas” não eram apenas dadas, mas também dominantes, em vez de exceções e aberrações reversíveis –, o velho tipo de legitimação muito bem estabelecido já não pôde mais ser sustentado e teve de dar lugar à justificativa despersonalizada e genérica segundo a qual a ordem dominante era preferível a todas as alternativas possíveis, por ser a “mais eficiente” e a única “que realmente funciona”.

Esta linha de argumentação era bem mais fraca do que a anterior para justificar a permanência de um sistema profundamente perverso, expondo-se também ao risco de ser atacada no caso de falha na eficácia e de tropeço na promessa de “real-mente funcionar”. Em favor da expropriação da mais-valia de parte do empresário (ou de sua “parcela preferencial no produto excedente”), poder-se-ia dizer que este a merecia por “assumir o risco” e pelo objetivo que buscava, da “inovação”, sem levar em conta o sucesso ou o insucesso de seus negócios. Os fracassos poderiam ser considerados parciais e “imediatamente punidos” (da mesma maneira como se dizia que os sucessos seriam “devidamente recompensados”) e, portanto, não afe-tariam negativamente a legitimidade de todo o sistema mesmo em condições de grandes “crises comerciais”, como Jevons chamava as crises periódicas. Tudo isso piorou quando o “funcionamento efetivo” transformou-se na base legitimadora da ordem capitalista. Assim, não é de espantar que, no devido tempo, as novas reivindicações legitimadoras do capitalismo privado tivessem de ser novamente reforçadas com a invenção de um elo fictício e considerado absolutamente inquebrá-vel entre “liberdade e democracia” (ou “livre escolha política”) por um lado e, por outro, a “livre escolha econômica numa sociedade de mercado”, como já vimos na seção 2.1.2 com referência ao elegante sermão editorial da revista The Economist, de Londres. Sem essa intrusão de uma justificativa consideravelmente política no sistema (ou seja, sem a adoção de muleta muito peculiar como parte importante do novo arsenal ideológico do capitalismo privado), a pretensa legitimidade teria mesmo sido bem trôpega. O “planejamento” e o domínio científico-tecnológico empresariais deixaram de comprovar sua grande “eficácia” e (com alarmante ten-dência a piorar, em vez de resolver os problemas já inegáveis pela manutenção do padrão anterior de crescimento) não conseguiram demonstrar “funcionamento efetivo” a incontáveis milhões de pessoas desempregadas, até nos mais privilegiados

46 Ver James Burnham, The Managerial Revolution, Indiana University Press, 1940.

47 Maurice Merleau-Ponty, “Paranoid Politics” (1948), em Signs, Chicago, Northwestern University Press, 1964, p. 260.

países “capitalistas avançados”. Assim, enquanto os entusiasmados apologistas da nova fase administrativa – Talcott Parsons, por exemplo, como veremos daqui a pouco – saudavam o desenvolvimento das corporações como a separação correta e adequada entre política e economia e, como o desabrochar da economia em sua pureza e “emancipação da política”, anteriormente inimagináveis e finalmente atingidas, as próprias “realidades econômicas” se movimentaram na direção oposta.

Não o fizeram apenas por meio do aparecimento de formações econômico-políticas simbióticas, como o complexo militar-industrial, mas também, e de forma muito mais evidente, com o fracasso inevitável de um sistema em que essas formações dependentes diretas dos subsídios do Estado teriam de assumir um papel vital, acumulando grandes problemas para o futuro.

Outra séria complicação dos novos fatos dizia respeito ao “sujeito desprovido de sujeito” do sistema do capital. No decorrer do século XX, as transformações do “empresário inovador” foram empurradas de seu âmago estratégico para a periferia do sistema e as “imensas sociedades anônimas burocráticas”, de que se ressentia Alfred Marshall – na forma de poderosíssimas corporações monopolistas –, vieram a ocupar o centro do palco do domínio do capital sobre a sociedade. Desse modo, se fechava de modo irreversível o círculo que se estendia do capitalista indi-vidual (supostamente dotado da competência ideal para a “situação local”) de Adam Smith ao “empresário aventureiro”, ao “capitão de indústria” (que conquistaram e mantiveram firmemente sob supervisão pessoal um terreno bem mais vasto) até o administrador e “especialista” da corporação (incumbido de realizar tarefas rigoro-samente definidas no interesse da companhia gigantesca a que serve). E, com essa mudança de forma do pessoal superintendente, tornou-se também palpavelmente óbvio (isto é, para todos os que não tivessem nenhum interesse especial em cegar- -se até para o óbvio) que os capitalistas e administradores individuais eram apenas as “personificações do capital” que exerciam, em seu nome, o controle sob qualquer forma particular, assumindo imediatamente uma forma muito diferente sempre que o decretasse a alteração das condições históricas de impossibilidade de controle sociometabólico do capital por ação humana consciente.

Com certeza jamais se poderia admitir que – apesar de todas as mistificações teóricas e práticas – o sujeito real do sociometabolismo reprodutivo sob a regra do capital continue sendo o trabalho e não as personificações do capital sob qualquer forma ou molde. Fosse sob o título de “revolução administrativa” (saudada com louvores pelo ex-comunista James Burnham46, que pertenceu ao que Merleau--Ponty criticou severamente como “liga da esperança abandonada, fraternidade de renegados”47) ou mesmo em contraste mais nítido com as variedades mais antigas do controle, na conceituação de Galbraith da “tecnoestrutura” dita onisciente e onipotente, quando se afirmava que a ordem estabelecida de produção e distri-buição era dirigida pelas determinações estruturais e não pela iniciativa pessoal, isto

era feito com intenção apologética, sem fazer caso da enormidade e das perigosas implicações do que havia sido admitido.

A perniciosa marginalização da racionalidade humana e da responsabilidade pessoal no decurso do desdobramento histórico do capital enfatizava repetidamente a incontrolabilidade do sistema. Mesmo assim, depois de cada mudança tardia-mente reconhecida na estrutura de controle do capital, o caráter problemático do processo subjacente, pelo qual enormes alterações ocorrem sem prévio planeja-mento humano, jamais foi questionado pelos defensores do sistema. Muito pelo contrário, os fatos consumados eram sempre apresentados como mudança para melhor e como realmente a melhor situação possível, destinada a resistir – e com legitimidade – eternamente pelo futuro afora, quem sabe até depois. Jamais se poderia admitir que a lógica final dessas transformações cegas e incontroláveis, que tinham de ser periodicamente admitidas (e, naturalmente, depois de cada re-conhecimento forçado, imediatamente comemoradas) como a última “revolução”

nas questões econômicas, poderiam ser, de fato, a destruição da humanidade e, portanto, que se deveria examinar ou pensar em alguma alternativa significativa para as tendências prevalecentes.

No entanto, não seria possível inventar uma alternativa viável para a ordem sociometabólica do capital a partir de meia dúzia de desejos ideais. Na base material existente da sociedade, ela só poderia constituir-se pelo sujeito real reprimido do sistema dado de reprodução socioeconômica, o trabalho, por meio das necessárias mediações que superassem o domínio do capital sobre os produtores. Precisamente porque a única alternativa realmente viável para o incontrolável modo de controle do capital devia centrar-se no trabalho – e não nos variados postulados utópicos da teoria econômica burguesa, como a benevolente “mão invisível” de Adam Smith, os “capitalistas cavalheirescos” instituidores do nacional-socialismo de Alfred Marshall ou a “tecnoestrutura” universalmente benéfica “produtora da convergência” de Galbraith etc., etc. –, a ideia de tal alternativa jamais poderia ser cogitada pelas pessoas que tentavam teorizar sobre (ou louvar) mais uma solução feliz para a incontrolabilidade estrutural do sistema estabelecido.

3.3.2

A rejeição apriorística da alternativa socialista – administrada pelo sujeito real da produção – trazia consigo a necessidade de explicar tudo em termos convenientes para uso contra o adversário socialista real ou potencial. Houve algumas nobres exceções, como o próprio Schumpeter, que, à luz da evidência que historicamente se desdobrava, tentou fazer uma reavaliação diferente das questões e expressou uma atitude mais concreta em relação à possibilidade de mudanças socialistas no futuro. Entretanto, permaneceu a regra do tipo de antissocialismo militante que já encontramos mais de uma vez acima, enfraquecendo não apenas a eficácia das soluções oferecidas aos problemas identificados, mas até mesmo o diagnóstico de situações históricas particulares. O feliz resultado dos novos acontecimentos deveria ser descrito de maneira a poder se transformar diretamente em mais uma refutação final da necessidade da alternativa socialista.

48 Ver Talcott Parsons e Neal J. Smelser, Economy and Society: A Study in Integration of Economic and Social Theory, Londres, Routledge & Kegan Paul, 1956, p. 253.

Ao contrário do evidente objetivo apologético da tese da “separação de propriedade e controle”, Baran e Sweezy enfatizaram corretamente que um exame mais atento das mudanças que na verdade ocorreram revela que a verdade é exatamente o oposto do que vem sendo afirmado. Pois

Os diretores estão entre os maiores proprietários; e por causa da sua posição estratégica eles funcionam como os protetores e porta-vozes de todos os grandes proprietários. Longe de formarem uma classe separada, eles constituem, na realidade, o escalão de vanguarda da classe proprietária.

Paul A. Baran e Paul M. Sweezy, Monopoly Capital: An Essay on the American Economic and Social Order, Nova York, Monthly Review Press, 1966, p. 34-5.

49 Os coautores deste livro (Talcott Parsons é o “autor sênior” e portanto, no interesse da brevidade, faremos as referências em seu nome) usam uma forma peculiar de raciocínio, pois, num dado ponto do livro, somos informados de que, graças às transformações recentes, “A nova posição se consolida por tornar-se rotineira, especialmente pelo grande volume de novos produtos destinados a um público consumidor de alta renda; a

‘nova economia’ tornou-se independente tanto da antiga ‘exploração do trabalho’ como do antigo ‘controle capitalista’” (ibid., p. 272). Aqui, o mais peculiar não é apenas o relato da transformação milagrosa que resulta na postulada abundância permanente da “nova economia”, mas também o fato de que a noção de

“exploração do trabalho” é apresentada como “antiga” apenas no momento de seu feliz desaparecimento, presumivelmente eterno, do horizonte social. Em trecho anterior do livro, capital e trabalho aparecem como

“fatores de produção” harmoniosamente complementares, exatamente como são vistos na teoria econômica neoclássica; o trabalho é citado como “a entrada de serviço humano na economia desde que contingente a sanções econômicas de curto prazo”, e o capital como “a entrada de recursos líquidos na economia contingentes a decisões entre o uso na produção e no consumo” (p. 27). Discuti alguns traços característicos da metodologia parsoniana em “Ideology and Social Science”, The Socialist Register, 1972, incluído no meu livro Philosophy, Ideology and Social Science, Londres, Harvester/Wheatsheaf, 1986, e Nova York, St. Martins Press, 1986, em particular pp. 21-6 e 41-53.

50 Parsons e Smelser, ibid., p. 253.

Uma nota publicada no Economist de Londres nos dá uma boa ideia da alegada “significância nominal da propriedade pessoal de ações de uma empresa”. É a seguinte:

John Sculley, que deixou a Apple no mês passado, recebeu $72 milhões em opções de ações de seu novo empregador, Spectrum Information Tecnologies. Um sexto destas opções pode ser exercido durante este ano.

The Economist, 13-19 de novembro de 1993, p. 7.

Noutras palavras, em seis anos o Sr. Sculley vai se enriquecer, como diretor/proprietário, em $72 milhões de ações de sua nova companhia. E querem que se admita que isto não tem qualquer relação com a natureza da ordem econômica estabelecida; ele já não pode ser considerado um capitalista, dada a feliz “separação entre propriedade e controle” postulada para essa ordem.

Outro bom exemplo é oferecido pelo Financial Times. A seção de Companhias & Mercados daquele jornal informou que

O Sr. Peter Wood, o diretor de empresa mais bem remunerado da Inglaterra, vai receber £24 milhões em troca da desistência de um sistema de pagamento de bônus que lhe rendeu £18,6 milhões este ano e tem se mostrado embaraçoso para seu empregador, o Royal Bank of Scotland. O Sr. Wood recebeu pagamentos no total de £42,2 milhões como principal executivo da Direct Line, uma subsidiária de seguros fundada por ele... Em 1991 ele recebeu bônus de £1,6 milhão e £6 milhões no ano passado, atraindo com isso grande atenção pública.

John Gapper e Richard Lapper, “One Man’s Direct Line to £42 m”, Financial Times, 26 de novembro de 1993, p. 19.

Dessa forma, Talcott Parsons avidamente adotou a tese de Berle & Means da “separação de propriedade e controle”48, para poder proclamar que a crítica socialista das relações de propriedade da ordem estabelecida já não era válida (se é que o foi algum dia49) porque “muitas grandes corporações estavam sob o controle de ‘administradores’ de carreira, cuja propriedade pessoal de ações da companhia tinha valor apenas nominal, como instrumento de controle”50. Presume-se então que

os “administradores de carreira”, já não mais capitalistas do conto de fadas parso-niano, comprassem pacotes gigantes de gelatina para bebês com suas ações “apenas nominalmente significativas” e cavalheirescamente as distribuíssem entre as crianças necessitadas dos “pobres merecedores”. Seja lá como for, a crítica socialista nada tinha a ver com o maior ou menor número de ações pertencentes às personifica-ções individuais do capital – fossem estas “empresários aventureiros” ou “humildes administradores de carreira” – mas com a subordinação estrutural do trabalho ao capital (e precisamente este era e continua a ser o significado não fetichista das re-lações de propriedade estabelecidas e o centro da crítica socialista), que não mudou coisa alguma em toda a celebrada “revolução administrativa”. Em outras palavras, a questão é e continua a ser a permanência da dominação e da dependência das classes e não a relativa mudança formal em algumas das partes constituintes do pessoal que dirige o capital em sua estrutura hierárquica de comando essencialmente inalterada – mudança formal que se fez necessária pela atual centralização e concentração de ca-pital, e que não poderia eliminar, mas apenas intensificar os antagonismos internos do sistema do capital.

Segundo Talcott Parsons, “Schumpeter perdeu as esperanças no futuro da livre empresa ou capitalismo e postulou a inevitabilidade do socialismo”51. Con-tudo, ele pensava que o temor de Schumpeter estivesse baseado na incapacidade de compreender as grandes mudanças que ocorriam no século XX. Para citar Economia e sociedade:

Schumpeter não foi capaz de avaliar a importância da terceira possibilidade.

Contrariamente a boa parte da opinião anterior, sentimos que o “capitalismo clássico”, caracterizado pela dominância do papel da propriedade no processo produtivo, não é um caso de “emancipação total” da economia do controle “político”, mas antes um modo particular deste controle. ... [No entanto, o tipo moderno de economia] não é capitalismo no sentido clássico (e, em nossa opinião, nem no marxista) nem socialismo... O desenvolvimento do “grande governo”, esse fenômeno tão evidente da sociedade moderna, em princípio não é, portanto, totalmente incompatível com o crescimento de uma economia não socialista. ...

Assim, achamos possível que a combinação de parentesco com propriedade, típica do capitalismo clássico, era, diante das circunstâncias, temporária e instável. A diferenciação econômica e a política estavam destinadas, a menos que as mudanças

Desta forma, o Sr. Wood ficou mais rico em £49,8 milhões – o equivalente a US$75 milhões – em apenas três anos. As pessoas que se preocupam com a possível falta de balas de goma, considerando o tamanho deste poder de compra, podem se tranquilizar. Em outro trecho, o mesmo artigo revela que “o Sr. Wood vai investir £10 milhões em ações do Royal Bank of Scotland, que ele vai manter por pelo menos cinco anos, o que fará dele o segundo maior acionista individual, depois da família Moffat, antigos proprietários da agência de viagens AT Mays, incorporada pelo banco”. Além disso, “o Sr. Wood vai investir £1 milhão para comprar 40% do patrimônio líquido de uma nova companhia (fundada pelo Royal Bank of Scotland), em que o banco deve investir £1,5 milhão, mais £22,5 milhões em ações preferenciais. O Sr. Wood será o presidente não executivo e terá a maioria dos direitos de voto”. Ainda não foi informado em que outros veículos financeiros o Sr. Wood poderia investir o saldo do que recebeu ao longo dos três últimos anos, ou seja, £38,8 milhões, neste nosso mundo em que a “separação entre propriedade e controle” se realizou de forma tão óbvia e completa.

51 Parsons e Smelser, ibid., p. 285.

sociais parassem inteiramente, a se mover na direção da “burocratização”, da diferenciação entre economia e governo e entre a propriedade e o controle.52 Temos, então, a garantia de que não há necessidade alguma de preocupar-se com as transformações em andamento, muito menos de considerar a ideia de uma possível crise que leve ao desmoronamento da ordem social capitalista. A “terceira possibilida-de” aparentemente ignorada por Schumpeter – que teorizou o problema das inovações capitalistas bem antes de Berle e Means, ainda que não ao gosto de Talcott Parsons – propiciava a garantia de um curso futuro do desenvolvimento sem perturbações do “tipo moderno da economia”, já não mais capitalista. Também nos assegura que esse gênero de ditoso progresso não resultou de transformação histórica contingente, mas estava des-tinado a realizar-se (só Deus sabe por que e como) se é que algum desenvolvimento social deveria ocorrer.

Tudo o que estava tão tranquilizadoramente descrito em Economia e sociedade se baseava na proposição contraditória de que o ocorrido representava a “total ‘eman-cipação’ da economia do controle ‘político’” – quando na verdade a magnitude do envolvimento direto e indireto do Estado capitalista no “tipo moderno de econo-mia” nunca fora tão grande e continuava a crescer, não apenas no domínio multi-facetado do complexo militar-industrial (que tornou o diagnóstico parsoniano da situação fundamentalmente falso); da mesma forma, a “burocratização” (bastante censurada por Alfred Marshall: a espinha dorsal teórico-neoclássica de Economia e sociedade) era parte significativa do processo descrito de modo otimista, fato é que tudo era manuseado com um toque apologético. Contra todas as possíveis objeções críticas, sempre se poderiam encontrar definições e redefinições apropriadas – vício que Parsons adotou de seu ídolo, Max Weber – como no último trecho citado, no qual se veem estranhas aspas em volta das expressões “emancipação”, “política”

e “burocratização,” aspas que também encontramos no trecho citado na nota 49 em volta de “nova economia,” “exploração do trabalho” e “controle capitalista”.

Assim, a economia poderia se emancipar (e também poderia não se emancipar) do controle político, segundo o estipulasse a causa da apologia em um contexto particular; a “burocratização” poderia (ou talvez não pudesse) ocorrer no “novo tipo de economia”, dependendo de como sua presença se refletisse, bem ou mal, na sociedade livre e democrática “inevitavelmente diferenciada” (e, por isso, muito bem burocratizada) ou na “garantia da soberania do consumidor” (e, por isso, não realmente burocrática, mas idealmente mercantilizada). Da mesma forma, não poderia haver absolutamente nenhuma questão relativa a recessões e crises econô-micas graças à “grande saída dos novos produtos para um público consumidor de altos salários”, nem mesmo de conflito social dirigido contra a classe dominante.

A ideia de uma “classe dominante” censurável foi introduzida – mais uma vez, entre aspas que, até mesmo retrospectivamente, a transformaram em apenas uma

“classe semidominante” e “não realmente censurável” – a ponto de desaparecer tranquilizadoramente, exatamente como os conceitos de “exploração do trabalho”

e “controle capitalista” foram tratados acima. Citando Talcott Parsons:

52 Id., ibid., pp. 285-9.

No documento P ara além do capital (páginas 151-170)