• Nenhum resultado encontrado

Os limites produtivos da relação-capital .1

No documento P ara além do capital (páginas 194-200)

DO CAPITAL

4.4 Os limites produtivos da relação-capital .1

O poder do capital é exercido como uma verdadeira força opressora em nossa era graças à rede estreitamente entrelaçada de suas mediações de segunda ordem – que emergiram de contingências históricas específicas ao longo de muitos séculos.

Foram sendo fundidas durante a consolidação do conjunto do sistema, produzindo assim um imenso poder sistêmico de discriminação em favor do modo de in­

tercâmbio reprodutor do capital que se desdobrava aos poucos e contra todas as possibilidades contrárias de controle sociometabólico. É assim que, ao longo de toda a sua constituição histórica, o capital se tornou, de longe, o mais poderoso (uma “bomba de extração”, segundo Marx) extrator de excedentes conhecido da humanidade. Na verdade, adquiriu com isto uma justificação autoevidente de seu modo de ação. Esse tipo de justificação poderia ser mantido enquanto a prática cada vez mais intensa da própria extração de excedentes – não em busca da gratificação humana, mas no interesse da reprodução aumentada do capital – conseguisse esconder sua destrutividade final.

A completa deturpação, pelos defensores do sistema, da dimensão trans­histórica do capital como permanência absoluta só poderia funcionar com os encômios ao caráter sempre positivo da “ordem econômica ampliada” como tal, ou escondendo seu crescente desperdício (que já se fazia sentir numa fase histórica relativamente pre­

matura) e, com o passar do tempo, sua destrutividade ameaçadora. Somente quando o imperativo de um modo de reprodução sociometabólico radicalmente diferente apareceu no horizonte histórico, contra o pano de fundo dessa destrutividade visível da ordem socioeconômica estabelecida – somente então foi possível submeter à “crí­

tica prática” a antes pressuposta racionalidade óbvia e a inalterável permanência das mediações de segunda ordem do capital. Na filosofia de Hegel, concebida do ponto de

vista da economia política burguesa, todo o sistema das mediações de segunda ordem se congelou na estrutura, idealizada e desprovida de história, da moderna “sociedade civil” e seu “Estado ético”, erigindo assim uma ordem social eternizada sobre a inter­

rupção peremptória do movimento histórico – como “absoluto fim da história” – no ponto focal do presente.

A abordagem de Hegel foi de longe a maneira mais engenhosa de tratar as con­

tradições do sistema. A acumulação de evidências das impressionantes transformações históricas não poderia ser simplesmente ignorada ou negada; tinha de ser subordinada aos limites estruturais das mediações de segunda ordem do capital, redefinindo o sig­

nificado de qualquer dinamismo legitimamente viável. Todo movimento que caísse fora desse quadro de referências estrutural devia ser rejeitado a priori como afronta – ou como inveja e ressentimento da “plebe” manifestando­se em ações irracionais e destrutivas contra o existente, não apenas de facto, mas também de jure. Foi dessa maneira que, no maior sistema filosófico burguês, a contingência histórica das media­

ções de segunda ordem do capital adquiriu não apenas sua necessidade supra­histórica absoluta e a correspondente eternização na direção do futuro, mas também sua igual­

mente absoluta justificação moral. Isso foi celebrado por Hegel como a encarnação da necessária autorrealização do Espírito do Mundo. Uma autorrealização que teria de assumir a forma de relação para sempre entrelaçada e eticamente sancionada entre a “sociedade civil” e o “Estado, desvendado como imagem e realidade da razão”. As­

sim poderia terminar a história turbulenta, mais evidente do que nunca no rastro da Revolução Francesa e das guerras napoleônicas (como teria de ser a partir do ponto de vista autoeternizante do capital), precisamente quando não se poderia deixar de explicar o dinamismo histórico do sistema, com sua tendência a tudo engolfar. Esse paradoxal fim da história – pelo qual a mudança tanto poderia ser afirmada com “po­

sitivismo acrítico” como categoricamente rejeitada a priori – só poderia ser inventado pela transformação de todo movimento legítimo em estritamente interno à peculiar

“racionalidade” do próprio sistema do capital, conforme os grandes princípios da economia política clássica. Em outras palavras, o encerramento da história só poderia ser examinado caso se confinasse todo movimento dentro das margens capitalistas restritivas e fortemente irracionais de operação e expansibilidade das já estabelecidas mediações de segunda ordem, teorizadas por Hegel sob as estruturas duais da sociedade civil burguesa e do Estado moderno.

Compreensivelmente, à luz da emergente destrutividade e dos crescentes an­

tagonismos do sistema, essa tendenciosa “racionalização da realidade” tinha de ser atacada por seus críticos, pela forte ênfase no caráter inerentemente histórico e na

“transitoriedade” da ordem reprodutiva dada como Karl Marx tentou fazer em todas as suas principais obras, que subintitulava “Crítica da economia política”. É igualmente compreensível que, no calor da crítica lançada contra o ponto de vista necessariamente autoeternizador do capital (adotado com o mesmo “positivismo acrítico” pelos grandes economistas políticos ingleses e escoceses e por Hegel em seu rastro), a ênfase tivesse de cair na transitoriedade do sistema, à custa da investigação de seu imenso poder de resistência que emanou – e continua a emanar ainda hoje – do círculo vicioso de suas mediações de segunda ordem. Um século e meio depois das reflexões de Marx sobre a questão, o sistema do capital continua a afirmar seu poder – e de modo algum apenas

nas teorias de seus apologistas, mas por toda parte, na vida cotidiana dos indivíduos – como uma permanência aparentemente indiscutível. Ele se impõe pelo controle de todos os aspectos da reprodução e distribuição sociometabólica de maneira a que, apesar da destrutividade e das contradições do sistema, não pareça haver alternativa viável.

O fato inegável de a rede estreitamente interligada das mediações de segunda ordem do capital ter sido historicamente constituída não afeta em si ou por si o argu­

mento em favor dos que enfatizam a necessidade de uma alternativa radical. O fato de as mediações particulares de segunda ordem terem se reforçado mutuamente e ao conjunto do sistema durante sua constituição histórica pode ser colocado a serviço das mais sofisticadas formas de apologia – os tipos que aceitam e acolhem a eficácia das determinações históricas até a formação da ordem estrutural existente e apenas a negam na direção de um futuro qualitativamente diferente.

Em relação a um futuro qualitativamente diferente, o que se tem de provar é que a ontologia do trabalho (historicamente constituída e ainda em andamento), em seu significado fundamental de agência e atividade da reprodução sociometabólica, pode se sustentar melhor, com um grau superior de produtividade, quando livre da camisa de força do modo ampliado de extração do excedente do que quando seu movimento é restrito pelo imperativo perverso de acumulação do capital característico deste modo.

Em outras palavras, a alternativa ao modo necessariamente externo e adversário de o capital controlar o processo de trabalho (só deturpado como interno e positivo pelos defensores não críticos do sistema) é a reconstituição, tanto do processo de trabalho quanto de sua força motriz social, o trabalho, com base em determinações consensuais/

cooperativas internas e conscientemente adotadas. Esta comprovação só pode ser antecipada teoricamente e apenas em linhas gerais: mediante a indicação, em termos positivos, de suas condições de possibilidade de realização e, em termos negativos, as tendências destrutivas insustentáveis da ordem existente, que apontam na direção de sua necessária ruptura. A parte decisiva dessa comprovação deve ser a reconstituição do próprio trabalho, não apenas como antagonista do capital, mas como agente soberano criativo do processo do trabalho – um agente capaz de assegurar as condições escolhidas (em oposição às atuais, impostas de fora pela divisão social estrutural/hierárquica do trabalho) de reprodução expandida sem as muletas do capital. Este é o verdadeiro significado da crítica prática marxista da economia política do capital relativa à ne­

cessidade de ir além do capital e de sua rede, hoje universalmente dominante e, pelo visto, permanente, das mediações de segunda ordem.

4.4.2

A crítica aos “moinhos satânicos” do capital apareceu na história paralelamente ao estabelecimento dos próprios moinhos, durante a até então decididamente mais dinâmica fase de desenvolvimento do sistema do capital. Contudo, para sucesso duradouro dessa “crítica prática” marxista, nem mesmo a mais apaixonada denúncia dos “moinhos satânicos” seria suficiente, pois a mais do que compreensível e justificável tentação de se engajar nessas denúncias não proporcionaria a medida adequada de força para não apenas superá­los negativamente, mas também para positivamente tomar seu lugar no momento da indispensável autoemancipação do trabalho. O aspecto mais desconcertante da “crítica prática” socialista foi o fato de

que as mediações de segunda ordem do capital não seriam negativamente superadas se não fossem, ao mesmo tempo, positivamente substituídas pelas necessárias alternativas estruturais. O sistema do capital poderia recuperar seu poder – ainda que temporariamente subjugado, sob as grandes crises e emergências históricas – caso as funções vitais sociometabólicas de sua rede mediadora estreitamente interligada deixassem de ser incorporadas às formas alternativas de funcionamento eficaz: formas capazes de superar a contradição de ter de paralisar o produtor, o preço a ser pago por uma boa redução nos custos materiais da produção. Por esta razão, a paixão e a compaixão da denúncia moral evidentes nos escritos dos grandes utopistas socialistas, aliadas à concepção nobre (mas idealizada) do “educador” iluminado da humanidade que vem em seu socorro, também deveriam estar sujeitas a uma crítica minuciosa, que enfatizasse a necessidade de se reestruturar a essência das próprias condições objetivas que inevitavelmente também “educam os educadores”.

Para se ter alguma esperança de êxito na luta contra as incorrigíveis ten­

dências estruturalmente destrutivas do capital, não bastaria apontar suas óbvias fraquezas (de modo algum estruturalmente intranscendíveis, mas historicamente emergentes e superáveis dentro das limitações do sistema), como, por exemplo, a cruel exploração do trabalho infantil. Ao contrário, seria preciso admitir a exis­

tência da força total do sistema do capital, reconhecer seu avanço histórico – por mais problemático que fosse – sobre todos os modos anteriores de reprodução sociometabólica. É por isto que já em seus Manuscritos econômicos e filosóficos de 1844, Marx falava sobre a vitória civilizada dos bens móveis38, ressaltando também que “precisamente o fato de que na troca e na divisão do trabalho, como encar­

nações da propriedade privada, está a dupla comprovação de que, por um lado, a vida humana exigia a propriedade privada para sua realização e, por outro, que ela agora exige a superação da propriedade privada”39.

As mesmas reflexões foram reiteradas por Marx desde as primeiras versões até os volumes publicados de O capital. Assim, nos Manuscritos econômicos de 1861-63, ao discorrer sobre o processo capitalista da reificação e sobre a “inversão do sujeito em objeto e vice­versa”, ele insistia em que...

... examinada historicamente, essa inversão aparece como o ponto de entrada indispensável para reforçar a criação da riqueza em prejuízo da maioria, ou seja: as forças implacáveis do trabalho social que, sozinho, pode dar a base material para uma sociedade humana livre. É preciso passar por essa força antagônica, assim como o homem teve primeiro de moldar suas forças espirituais numa forma religiosa, como poderes independentes de si. É o processo de alienação em relação a seu próprio trabalho.

O trabalhador aqui está, desde o início, em situação superior à do capitalista, porque este está enraizado no processo de alienação e nele encontra sua satisfação absoluta, ao passo que o trabalhador, desde o início vítima desse processo, tem com ele uma relação de rebeldia e o percebe como processo de escravização. Na medida em que o processo de produção é ao mesmo tempo um processo real de trabalho e o capitalista

38 Marx, Economic and Philosophical Manuscripts of 1844, Londres, Lawrence and Wishart, 1959, p. 91.

39 Id., ibid., p. 134.

tem de desempenhar a função de supervisão e direção na produção real, na verdade sua atuação adquire com isso um conteúdo múltiplo específico. O processo de trabalho em si apenas aparece como um meio para o processo de valorização, assim como o valor de uso do produto aparece como veículo de seu valor de troca. A autovalorização do capital (criação da mais­valia) é, portanto, o objetivo determinante, dominante e subjugante do capitalista, força motriz absoluta e conteúdo de sua ação, de fato apenas impulso objetivo racionalizado do açambarcador. Este é um conteúdo totalmente miserável e abstrato, que faz o capitalista parecer tão subjugado à relação do capital quanto o trabalhador no extremo oposto, ainda que sob ângulo diferente.40

Assim, no final, o que decidiu a questão foi: durante quanto tempo as mediações de segunda ordem da relação-capital historicamente estabelecida teriam condições de cumprir suas funções produtivas, apesar de exercidas de forma desumana, “em prejuízo da maioria”. “Antes de mais nada, a produtividade do capital, mesmo quando se con­

sidera apenas a subordinação formal do trabalho ao capital, consiste na compulsão de produzir o trabalho excedente; trabalhar além das necessidades imediatas do indivíduo.

O modo de produção capitalista compartilha essa compulsão com modos de produção anteriores, mas o exerce e o realiza de maneira mais favorável à produção”41. O capital também é produtivo, “absorvendo dentro de si e apropriando­se das forças produtivas do trabalho social e das forças sociais da produção em geral”42. Esta consideração é muito importante, porque com o pleno desdobramento da relação­capital desenvolve­

­se “uma grande continuidade e intensidade do trabalho e uma economia maior no emprego das condições de trabalho, no sentido de que se façam todos os esforços para garantir que o produto só represente o tempo de trabalho socialmente necessário (ou melhor, menos do que isso). E isso tanto se aplica ao trabalho vivo empregado para produzir o produto como em relação ao trabalho objetificado – que, assim como o valor dos meios de produção empregados, entra como fator no valor do produto”43.

Contudo, esses aspectos – historicamente positivos – do modo estabelecido de repro­

dução sociometabólica é apenas um lado da moeda. Do outro lado, o sistema de produ­

ção baseado na relação­capital está cheio de antagonismos. Os capitalistas particulares e os trabalhadores individuais nele funcionam apenas como personificações do capital e do trabalho e têm de sofrer as consequências de dominação e subordinação implícitas na relação entre as personificações particulares e o que está sendo personificado. A lei do valor, por exemplo, que regula a produção do valor excedente, “parece infligida pelos capitalistas uns sobre os outros e sobre os trabalhadores – e, por isso, aparece de fato apenas como uma lei do capital atuando contra o capital e contra o trabalho”44. O trabalho – em suas personificações gerais e nas particulares – é profundamente afe­

tado pela subordinação estrutural ao capital em todos os aspectos. Esta é uma relação antagônica da maior intensidade, com sua inegável influência sobre as limitações e potencialidades produtivas de todo o sistema do capital. Essas contradições também

40 Economic Manuscripts of 1861-63, MECW, vol. 34, pp. 398­9. O grifo é de Marx.

41 Ibid., p. 122. O grifo é de Marx.

42 Ibid., p. 128.

43 Ibid., pp. 430­1. O grifo é de Marx.

44 Ibid., p. 460.

surgem nos lugares onde menos seriam esperadas, surgindo até mesmo das realizações positivas da relação­capital. Pois, dentro da estrutura das mediações de segunda ordem do capital, a produção...

... não está limitada por quaisquer barreiras predeterminantes ou predeterminadas impostas pelas necessidades. (Seu caráter antagônico implica barreiras à produção, a serem ultrapassadas. Daí as crises, o excesso de produção etc.) Este é um lado, a diferença em relação ao modo de produção anterior, o lado positivo, SE VOCÊ PREFERIR . O outro é o lado negativo, o antagônico: a produção em oposição ao produtor, sem se preocupar com este. O produtor real como simples meio de produção, a riqueza objetiva como fim em si. Portanto, o desenvolvimento dessa riqueza objetiva em oposição ao indivíduo humano e em prejuízo dele.45

Marx jamais discutiu detalhadamente as formas históricas intermediárias e cor­

respondentes de intercâmbio metabólico que ligam a relação­capital à ordem social por ele antevista. As restrições socioeconômicas de sua época e o ponto de vista que Marx adotou em relação a elas tornaram­no impossível. Não obstante, ele baseava suas previsões críticas em dois pilares sólidos: (1) a avaliação realista das realizações históricas e a imensa força prática do sistema do capital, e (2) a identificação dos an­

tagonismos estruturais que tendiam a prejudicá­lo como sistema viável de reprodução sociometabólica ou “processo de vida social”. Ao apoiar seus argumentos sobre esses dois pilares, ele concluiu a linha de pensamento que o distanciou e até o opôs diame­

tralmente aos clássicos da economia política, declarando que, por meio da articulação da relação­capital...

... tem lugar uma completa revolução. Por um lado, ela cria, pela primeira vez, as condições reais para a dominação do capital sobre o trabalho, complementando­as, dando­

­lhes uma forma adequada. Por outro lado, nas forças produtivas do trabalho que ela desenvolve em oposição ao trabalhador, nas condições de produção e nas relações de comunicação, ela cria as condições para um novo modo de produção, relegando a forma antagônica do modo de produção capitalista e lançando a base material para um processo de vida social com nova formação e, daí, uma nova formação social.

Esta é uma concepção essencialmente diferente da dos economistas políticos que se prendem aos preconceitos capitalistas, que se consideram capazes de verificar como a produção é realizada na relação­capital, mas não como se produz esta relação propriamente dita e como, ao mesmo tempo, se produzem dentro dela as condições materiais para sua dissolução, eliminando assim sua justificação histórica como forma necessária do desenvolvimento econômico da produção da riqueza social.46

Desnecessário dizer que a perda da antiga justificação histórica como forma ne­

cessária para a continuidade do desenvolvimento econômico ainda está a uma distância astronômica do estabelecimento de um “processo de vida social radicalmente novo”. A presente incorporação da relação­capital em base material economicamente avançada não passa de mera potencialidade para a criação do novo modo, radicalmente diferente, de controle da reprodução sociometabólica. O novo modo de intercâmbio reprodutivo só aparece como tal no horizonte externo positivo de uma prática socialmente trans­

formadora abrangente. Seus objetivos esperados serão atingidos apenas na condição

45 Ibid., p. 441. O grifo é de Marx.

46 Ibid., p. 466. O grifo no último parágrafo é de Marx.

de que sua prática transformadora tome o lugar (e no grau em que o conseguir), por meio da articulação e do funcionamento de suas mediações de reprodução de primeira ordem “radicalmente novo”47, da realidade opressora do sistema estabelecido do capital.

Assim, a questão importante diz respeito à transformação da potencialidade em realidade. Essa tarefa não pode ser realizada sem a reestruturação radical da “base material” e das “condições materiais” cada vez mais destrutivas do ubíquo sistema do capital – que criaram “pela primeira vez as condições para a dominação do capital sobre o trabalho” – num quadro de intercâmbio sociometabólico utilizável pelos indivíduos para garantir seus próprios fins. Em outras palavras, a tarefa em questão só pode significar a garantia dos fins conscientemente escolhidos pelos indivíduos sociais e sua realização como indivíduos (e não como personificações particulares do capital ou do trabalho)48 no processo. E, ao fazê­lo, deixar de se resignar, como são obrigados hoje, a um sistema que apresenta, em seu próprio nome, os imperativos da produção como “fim em si” indiscutível, impondo­os implacavelmente com o círculo vicioso de suas mediações de segunda ordem, apesar do inegável desperdício e da crescente destrutividade de seu modo de controle. Naturalmente, para passar ao modo de reprodução sociometabólica previsto por Marx, é preciso uma mudança qualitativa, com grandes implicações também na “base material” e nas “condições materiais”. Pois, em sua modalidade atual, elas são absolutamente incompatíveis com as aspirações socialistas.

Produzir a necessária mudança qualitativa exige o estabelecimento de formas e ins­

trumentos apropriados de intercâmbios da mediação, a fim de tornar aquelas condições materiais utilizáveis, em primeiro lugar, para os objetivos positivos de um “processo de vida social com nova formação”. Hoje, mais do que nunca, corresponder à difi­

culdade dessa trabalhosa transformação qualitativa deve ser o princípio orientador essencial do projeto socialista. Apesar das realizações produtivas do sistema do capital no período histórico decorrido (ou melhor: precisamente por sua própria perversida­

de), as condições materiais existentes são hoje ainda menos utilizáveis diretamente na realização das aspirações socialistas do que o eram na época em que Marx vivia. As mediações de segunda ordem do modo estabelecido de reprodução sociometabólica, profundamente arraigadas, excluem categoricamente a possibilidade de caminhos mais curtos para a realização dos objetivos socialistas originalmente previstos.

4.5 A articulação alienada da mediação da reprodução social básica

No documento P ara além do capital (páginas 194-200)