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A dissonância entre as estruturas reprodutivas materiais do capital e sua formação de Estado

No documento P ara além do capital (páginas 120-128)

A ORDEM DA REPRODUÇÃO SOCIOMETABÓLICA DO CAPITAL

2.3 A dissonância entre as estruturas reprodutivas materiais do capital e sua formação de Estado

2.3.1

Mesmo assim, não é necessário que o círculo vicioso dessa reciprocidade seja eternamente esmagador. Como já foi mencionado acima, podemos identificar também uma grande dissonância estrutural entre o Estado moderno e as estruturas reprodutivas socioeconômicas do capital: dissonância essa que é muito relevante para a avaliação das perspectivas futuras. Ela diz respeito inicialmente à ação humana de controle – o sujeito social – em relação à escala cada vez mais extensa da operação do sistema do capital.

Como um modo de controle sociometabólico, o sistema do capital é singu-lar na história também no sentido em que é, na verdade, um sistema de controle sem sujeito. As determinações e os imperativos objetivos do capital sempre devem prevalecer contra os desejos subjetivos – para não mencionar as possíveis reservas críticas – do pessoal controlador que é chamado a traduzir esses imperativos em diretrizes práticas. É por isso que as pessoas que ocupam os altos escalões da

es-trutura de comando do capital – sejam eles capitalistas privados ou burocratas do partido – só podem ser consideradas “personificações do capital”, independente do seu maior ou menor entusiasmo, como indivíduos particulares, ao pôr em execução os ditames do capital. Neste sentido, graças à estrita determinação de sua margem de ação pelo capital, os próprios atores humanos como “controladores” do sistema estão sendo de modo geral controlados e, portanto, em última análise, não se pode afirmar a existência de qualquer representante humano autodeterminante no controle do sistema.

Esse modo peculiar de controle sem sujeito, em que o controlador é na verdade controlado pelas exigências fetichistas do próprio sistema do capital, é inevitável, devido à separação radical entre produção e controle no âmago deste sistema. No entanto, uma vez que a função de controle assume uma existência à parte, devido ao imperativo de subjugar e manter permanentemente sob sujeição os produtores, apesar de seu status formal de “trabalho livre”, os controladores particulares dos microcosmos reprodutivos do capital devem sujeitar-se ao controle do próprio sistema, pois, ao deixar de fazê-lo, estariam destruindo sua coesão como sistema reprodutivo viável.

As apostas envolvidas no funcionamento do modo de controle sociometabólico do capital são grandes demais para deixar às “personificações do capital” o controle real da estrutura de comando e a avaliação de sua própria tarefa em termos das possíveis grandes alternativas. Além do mais, não somente é grande o que está em jogo, mas está também tornando-se cada vez maior, conforme o sistema passa das pequenas unidades produtivas fragmentadas do início do desenvolvimento capitalista para as gigantescas corporações transnacionais de sua plena articulação global. E, com o aumento da escala das operações pela integração das unidades de produção, aumen-tam aumen-também as dificuldades de assegurar o domínio do capital sobre o trabalho por meio de uma estrutura de comando sem sujeito.

O sistema do capital se baseia na alienação do controle dos produtores. Neste processo de alienação, o capital degrada o trabalho, sujeito real da reprodução social, à condição de objetividade reificada – mero “fator material de produção” – e com isso derruba, não somente na teoria, mas na prática social palpável, o verdadeiro relacionamento entre sujeito e objeto. Para o capital, entretanto, o problema é que o “fator material de produção” não pode deixar de ser o sujeito real da produção.

Para desempenhar suas funções produtivas, com a consciência exigida pelo pro-cesso de produção como tal – sem o que deixaria de existir o próprio capital –, o trabalho é forçado a aceitar um outro sujeito acima de si, mesmo que na realidade este seja apenas um pseudo-sujeito. Para isto, o capital precisa de personificações que façam a mediação (e a imposição) de seus imperativos objetivos como ordens conscientemente exequíveis sobre o sujeito real, potencialmente o mais recalcitrante, do processo de produção. (As fantasias sobre a chegada do processo de produção totalmente automatizado e sem trabalhadores são geradas como a eliminação ima-ginária deste problema.)

O papel do Estado em relação a esta contradição é da maior importância, pois é ele quem oferece a garantia fundamental de que a recalcitrância e a rebe-lião potenciais não escapem ao controle. Enquanto esta garantia for eficaz (parte na forma de meios políticos e legais de dissuasão e parte como paliativo para as piores consequências do mecanismo socioeconômico produtor de pobreza, por

meio dos recursos do sistema de seguridade social), o Estado moderno e a ordem reprodutiva sociometabólica do capital são mutuamente correspondentes. No entanto, a alienação do controle e os antagonismos por ela gerados são da própria natureza do capital. Assim, a recalcitrância é reproduzida diariamente através das operações normais do sistema; nem os esforços mistificadores de estabele-cimento de “relações industriais” ideais – seja pela “engenharia humana” e pela

“administração científica”, seja pela indução dos trabalhadores à compra de meia dúzia de ações, tornando-se assim “coproprietários” ou “parceiros” na adminis-tração do “capitalismo do povo” etc. –, nem a garantia dissuasória do Estado contra a potencial rebelião política podem eliminar completamente as aspirações emancipatórias (autocontrole) da força de trabalho. No final, essa questão é de-cidida pela viabilidade (ou não) dessa ordem sociomentabólica de autocontrole, baseada na alternativa hegemônica da força de trabalho à ordem de controle autoritário, sem o sujeito, do capital. A ideia de “paz perpétua” entre capital e trabalho, não importa o esforço despendido em sua promoção a toda hora, termina não sendo mais realista do que o sonho de Kant da “paz perpétua”

entre os Estados nacionais que supostamente emanaria exatamente do “espírito comercial” capitalista.

Há realmente uma dimensão muito importante dos desenvolvimentos so-cioeconômicos correntes relativa à questão do controle, que escapa à combinação da competência das personificações do capital, dentro das unidades de produção, com a intervenção potencial do Estado, em sua própria esfera, como estrutura de co-mando política totalizadora do sistema. Encontramos aí uma grande contradição, que objetivamente se intensifica entre os imperativos materiais do capital e sua capacidade de manter seu controle sobre o que mais importa: o próprio processo de produção.

A base desta contradição é a tendência a uma crescente socialização da pro­

dução no terreno global do capital. Este processo transfere objetivamente algumas potencialidades de controle aos produtores (ainda que, na estrutura da ordem sociometabólica estabelecida, apenas em sentido negativo), abrindo algumas possibilidades de aguçar ainda mais a incontrolabilidade do sistema do capital.

Este problema será discutido com mais detalhe no capítulo 5. Aqui só queremos enfatizar a dissonância estrutural entre as estruturas reprodutivas materiais do ca-pital e sua formação de Estado. Isto porque o Estado – apesar de sua grande força repressiva – é totalmente impotente para remediar a situação, não importando o grau de autoritarismo da intervenção pretendida. Neste aspecto, não existe ação política remediadora concebível em relação à base socioeconômica do capital. As complicações e contradições incontroláveis do capital, devidas à própria socializa-ção crescente da produsocializa-ção, afetam o núcleo mais central do capital como sistema reprodutor. Paradoxalmente, elas resultam do maior trunfo do sistema do capital:

um processo de avanço produtivo dinâmico ao qual é impossível o capital renun-ciar sem enfraquecer sua própria força produtiva e a concomitante legitimidade.

É por isso que a dissonância estrutural aqui referida tende a permanecer conosco por tanto tempo quanto o próprio sistema do capital.

Vale realmente a pena lembrar – lembrete que serve também de indicador para o futuro – que uma das principais contradições que fez implodir o sistema do

capital soviético é que, neste aspecto, ele se baseou muito em sua formação de Estado para impor a desejada, mas impossível, ação remediadora. O Estado soviético foi mobilizado pela força a aumentar a socialização da produção – para poder maximi-zar politicamente a extração do trabalho excedente – e, ao mesmo tempo, tentou reprimir com todos os meios a sua disposição, como se nada houvesse acontecido desde 1917, as consequências que necessariamente surgiriam da maior socialização para a potencial emancipação do trabalho. Assim, em vez de remediar os defeitos produtivos do sistema do capital soviético pós-capitalista por meio de uma taxa politicamente imposta de produção, ele terminou com uma taxa de socialização da produção altamente forçada, que não poderia ser sustentada devido ao fracasso estrutural no controle do trabalho recalcitrante e também ao baixo nível de produ-tividade que a acompanhou. A implosão do sistema soviético ocorreu sob o peso inadministrável dessas contradições.

2.3.2

Sob outro aspecto vital, a dissonância estrutural pode ser identificada no relacionamento contraditório entre o mandato totalizador do Estado e sua capacidade de realização.

O Estado só conseguirá cumprir seu papel se puder melhorar o potencial produtivo inerente à irrestringibilidade das unidades reprodutivas particulares, dado que estas constituem um sistema. Em outras palavras, o que está em jogo aqui, em última análise, não é simplesmente a eficácia do apoio proporcionado pelo Estado a esta ou àquela fração particular do capital sob sua jurisdição. É antes a capacidade de assegurar o avanço do “todo” na dinâmica variável da acumulação e expansão. O apoio privilegiado que qualquer Estado pode proporcionar a suas seções dominantes do capital – a ponto de facilitar a expansão extremamente monopolista – é parte da lógica de sustentação do avanço do “conjunto” dado (o que, na prática, significa: o capital nacional total do Estado em questão), sujeito à necessidade de se ajustar aos limites estruturais do próprio sistema do capital.

E aqui vem à tona uma importante contradição. No sistema do capital – da ma-neira como ele se constituiu historicamente –, o “conjunto” forçosamente sustentado pelo Estado não pode abranger a totalidade das unidades socioeconômicas reprodutivas existentes do capital. Não é preciso dizer que a emergência e a consolidação dos capitais nacionais é um fato historicamente consumado. Da mesma forma, não pode haver dúvida quanto à realidade das – muitas vezes desastrosamente conflitantes – interações de Estados nacionais. No entanto, isso significa também que os capitais nacionais, em todas as suas formas conhecidas de articulação, estão inextricavelmente entrelaçados aos Estados nacionais e se baseiam no apoio destes, sejam eles dominantes e imperia-listas, ou, ao contrário, estejam sujeitos à dominação de outros capitais nacionais e seus respectivos Estados.

Em compensação, o “capital global” é desprovido de sua necessária formação de Estado, apesar do fato de o sistema do capital afirmar o seu poder – em forma altamente contraditória – como sistema global. É assim que “o Estado do sistema do capital” demonstra sua incapacidade de fechar a lógica objetiva da irrestringi-bilidade do capital. Inúmeros Estados modernos foram constituídos sobre a base material do sistema do capital conforme ele historicamente se desenvolvia, desde

as primeiras formações capitalistas aos Estados coloniais, bonapartistas, burgueses--liberais, imperialistas, fascistas etc. Todas essas categorias do Estado moderno per-tencem à categoria de “Estados capitalistas”. Por outro lado, uma série de Estados pós-capitalistas também se constituiu – de forma um tanto alterada – sobre a base materialmente persistente do capital, nas sociedades pós-revolucionárias, desde o Estado soviético até as chamadas “democracias populares”. Além do mais, as novas variações não são apenas teoricamente viáveis no futuro, mas já são identificáveis em nossos dias, especialmente a partir da implosão do antigo sistema soviético.

Os Estados que surgem das ruínas deste sistema não poderiam ser caracterizados simplesmente como “Estados capitalistas”, pelo menos até o momento. Se no futuro poderão ou não ser assim descritos, é algo que depende do sucesso dos esforços atuais de restauração do capitalismo. Aqueles que, no passado, costumavam carac-terizar a União Soviética como sociedade “capitalista de Estado” deveriam agora repensar esta ideia, à luz do realmente ocorrido no passado recente. Mesmo hoje, mais de dez anos depois de Gorbachev haver iniciado a obra de restauração capi-talista como Secretário do Partido recém-promovido, os antigos líderes stalinistas da União Soviética continuam a encontrar imensas dificuldades em seus esforços para completar esse processo. Apesar de estar na moda falar em “conservadores” e

“reformistas”, uma conversa totalmente vazia, com certeza suas dificuldades não resultam da falta de tentativas. Os “conservadores” de hoje são os “reformistas” de ontem e seus sucessores igualmente desacreditados – os diversos Yeltsin há pouco celebrados com entusiasmo pela imprensa capitalista ocidental – são acusados (por The Economist de Londres, nada menos) de “atos de flagrante irresponsabilidade”21. No entanto, a verdade que está sendo claramente demonstrada pelo fracasso até o momento da completa restauração capitalista atualmente em andamento na Rússia (bem como em outras das antigas repúblicas soviéticas) é que as tentativas de derrubar um sistema reprodutivo social por meio da intervenção política, não importa em que níveis, nem sequer conseguem arranhar a superfície do proble-ma, quando é a própria base sociometabólica do sistema do capital (neste caso, do sistema do capital soviético pós-capitalista) que impõe o verdadeiro obstáculo para as transformações visadas.

Não é possível restaurar nem mesmo o Estado capitalista apenas pela mudança política e menos ainda instituir a “economia de mercado” capitalista sem intro-duzir mudanças bastante fundamentais (com seus vastos pré-requisitos materiais) na ordem sociometabólica das sociedades pós-revolucionárias em relação ao modo profundamente alterado – essencialmente político e não econômico – de regular a extração do trabalho excedente que vigorou durante os setenta anos de poder soviético. A isca da “ajuda econômica” capitalista ocidental pode, no máximo, ajudar na restauração política, como até agora o fez, mas é ridícula em termos da monumental mudança sociometabólica requerida. Esta ajuda é distribuída se-gundo o modelo da velha “ajuda aos países subdesenvolvidos”, atada a cordinhas políticas com cinismo deslavado e completa desconsideração pela humilhação imposta aos que “recebem a ajuda”. The Economist não hesita em defender aber-tamente o uso do “porrete das sanções econômicas”, estrondeando (no mesmo

21 “Yeltsin devalued”, The Economist, 31 de julho-6 de agosto de 1993, p. 16.

editorial em que censurava Yeltsin antes que dissolvesse o parlamento e ordenasse que um regimento de tanques atirasse no edifício e nas pessoas que ali estivessem, provando conclusivamente suas boas credenciais, em perfeito acordo com as “ex-pectativas democráticas” ocidentais) que “não se deverá oferecer mais ajuda”22 até que o presidente russo entre na linha, expie sua “flagrante irresponsabilidade”, despeça “a direção do banco central” e “faça sentir sua autoridade por trás” do prato preferido do momento, “o ministro reformista Bóris Fiodorov” etc.

Não obstante, em todas essas abordagens à “ajuda” é sempre esquecido ou ignorado o fato de que os países do chamado “Terceiro Mundo” não eram apenas subordinados, mas partes integrantes dos impérios capitalistas antes de tentarem tomar (como se viu, com muito pouco êxito) a via da “modernização” pós-colonial.

Portanto, ao contrário da Rússia, onde a questão em jogo é a grande mudança de uma extração política do trabalho excedente pós-capitalista para um retorno ao antigo modo econômico capitalista de extração da mais-valia, os países pós-coloniais não precisaram fazer esforço algum para se tornarem partes dependentes do sistema capitalista global, pois já eram completamente dependentes desde o início. Eles não tinham de lutar pela restauração do capitalismo, pois já o tinham – não importa em que forma “subdesen-volvida” – no momento em que o impacto do “vento da mudança”, potencialmente prejudicial, foi admitido (no famoso discurso de MacMillan) por seus antigos senhores imperialistas, de modo que estes pudessem manipular as novas formas de dominação

“neocapitalista” e “neocolonialista”. Nos países da União Soviética prevaleciam (e, até um ponto relativamente significativo, ainda prevalecem) condições muito diferentes – precisamente porque estavam sob o domínio do capital em uma de suas variedades pós­capitalistas. É por isso que mesmo uma “ajuda econômica” do capitalismo ocidental (cuja magnitude, repetidamente prometida, mas jamais realmente entregue a Gorbachev e Yeltsin, é risível em comparação ao que seria necessário para, por exemplo, transformar a Albânia num próspero país capitalista) cem vezes maior continuaria absolutamente insignificante em relação à dimensão real do problema, medido na escala da necessária mudança sociometabólica.

Estados particulares do sistema do capital – em suas variedades capitalistas e pós--capitalistas – afirmam (alguns com maior e outros com menor sucesso) os interesses de seus capitais nacionais. Em perfeita oposição, “o Estado do sistema do capital como tal” permanece até hoje apenas uma “ideia reguladora” kantiana, sem que se perceba, sequer como discreta tendência histórica, qualquer indício de sua realização futura. O que não surpreende. A realização desta “ideia reguladora” deveria pressupor o sucesso na superação de todos os grandes antagonismos internos dos constituintes conflitantes do capital global.

Assim, a incapacidade do Estado de realizar plenamente o que em última análise é exigido pela determinação interior totalizadora do sistema do capital re-presenta um grande problema para o futuro. A seriedade deste problema é ilustrada pelo fato de que mesmo o Estado capitalista dono do poder hegemônico mais pri-vilegiado – hoje, os Estados Unidos – deverá fracassar em suas tentativas de levar a

22 Ibid., p. 17.

cabo a missão de maximizar a irrestringibilidade global do capital e impor-se como incontestável Estado dominante do sistema do capital global. Inevitavelmente, ele permanece nacionalmente limitado em seu empreendimento, tanto política como economicamente – e sua posição de poder hegemônico está potencialmente ameaçada em função da mudança na relação de forças no nível dos confrontos e intercâmbios socioeconômicos internacionais –, independente de sua posição dominante como potência imperialista.

Esta incapacidade de levar o interesse do sistema do capital à sua conclusão lógica fundamental resulta da dissonância estrutural entre os imperativos que emanam do processo sociometabólico do capital e o Estado como estrutura abran-gente de comando político do sistema. O Estado não pode ser verdadeiramente abrangente nem totalizador no grau em que “deveria ser”, pois em nossos dias isto não está mais de acordo nem mesmo com o nível já atingido de integração sociometabólica, muito menos com o exigido para livrar a ordem global de suas crescentes dificuldades e contradições. Ainda hoje não há nenhum evidência de que esta profunda dissonância estrutural possa ser remediada pela formação de um sistema global do capital, capaz de eliminar com sucesso os antagonismos reais e potenciais da ordem metabólica global estabelecida. As soluções substitutivas propostas no passado – na forma das duas guerras mundiais iniciadas em nome de uma nova configuração das linhas então vigentes das relações hegemônicas de poder – só nos fazem lembrar de catástrofe.

O sistema do capital é um modo de controle sociometabólico incontrolavelmen-te voltado para a expansão. Dada a deincontrolavelmen-terminação mais inincontrolavelmen-terna de sua natureza, as funções políticas e reprodutivas materiais devem estar nele radicalmente separadas (gerando assim o Estado moderno como a estrutura de alienação por excelência), exatamente como a produção e o controle devem nele estar radicalmente isola-dos. No entanto, neste sistema, “expansão” só pode significar expansão do capital, a que deve se subordinar tudo o mais, e não o aperfeiçoamento das aspirações humanas e o fornecimento coordenado dos meios para sua realização. É por isso que, no sistema do capital, os critérios totalmente fetichistas da expansão têm de se impor à sociedade também na forma de separação e alienação radicais do poder de tomada de decisões de todos – inclusive as “personificações do capital”, cuja

“liberdade” consiste em impor a outros os imperativos do capital – e em todos os níveis de reprodução social, desde o campo da produção material até os níveis mais altos da política. Uma vez definidos à sua maneira pelo capital os objetivos da existência social, subordinando implacavelmente todas as aspirações e valores humanos à sua expansão, não pode sobrar espaço algum para a tomada de decisão, exceto para a que estiver rigorosamente preocupada em encontrar os instrumentos que melhor sirvam para atingir-se a meta predeterminada.

Mas, mesmo que se decida a desconsiderar a desolação da ação humana confinada à margem tão estreita da busca fetichista material, não são boas as pers-pectivas de evolução a longo prazo. Sendo um modo de controle sociometabólico incontrolavelmente voltado para a expansão, ou o sistema do capital sustenta o rumo de seu desenvolvimento impelido pela acumulação, ou, mais cedo ou mais tarde, implode, como aconteceu com o sistema do capital pós-capitalista soviético.

Não havia – nem poderia haver – meio de derrubar do exterior o sistema do capi-tal soviético, sem arriscar a eliminação da humanidade com uma guerra nuclear.

Dar uma mãozinha a Gorbachev e seus amigos (com quem até Margaret Thatcher

& companhia podiam “negociar”), facilitando com isso a implosão do sistema em algum momento, era uma aposta bem melhor. Da mesma forma, hoje é impossível imaginar que se possa “derrubar do exterior” o sistema do capital, pois ele não tem

“exterior”. Além disso tudo, para imensa tristeza de todos os defensores do capital, o mítico “inimigo externo” – o “império do mal” de Ronald Reagan – agora também desapareceu. Contudo, mesmo em sua quase absoluta dominância atual, o sistema do capital ainda não está imune às ameaças de instabilidade. O perigo não vem do mítico “inimigo interno”, tão caro ao coração de Reagan e ao de Thatcher quanto o “inimigo externo” na forma do “império do mal”. Ele reside mais na perspectiva de, um belo dia, a acumulação e a expansão do capital se deterem por completo. O “Estado estacionário” de John Stuart Mill – politicamente liberal-democrático e baseado na meta da expansão impelida pela acumulação do capital, de cuja sustentabilidade material ele não tinha a menor dúvida – não passa de fantasia e autocontradição a que na realidade só pode corresponder o pesadelo absoluto do autoritarismo global, comparado ao qual a Alemanha nazista de Hitler brilharia como um modelo de democracia.

SOLUÇÕES PARA A INCONTROLABILIDADE

No documento P ara além do capital (páginas 120-128)