• Nenhum resultado encontrado

2 MODO DE REGULAÇÃO, ESTADO E MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA

2.7 Da teoria do Estado à teoria da regulação

Para Bruno Theret (2001), um modo de regulação social deve ser pensando a partir dos momentos econômico e político por meio da análise da ambivalência da moeda e do direito enquanto invariantes estruturais no seio de cada um deles. Assim como Poulantzas, o autor

14 Para uma análise aprofundada dessa questão ver POULANTZAS, Nikos. As Classes Sociais. Biblioteca Cebrap.

Disponível em <www.cebrap.org.br>.

15 Para uma crítica ao conceito de classe social de Poulantzas, ver CARDOSO, Fernando Henrique.

Althusserianismo ou marxismo? A propósito do conceito de classe em Poulantzas. Biblioteca Cebrap. Disponível

entende que a separação entre o econômico e o político no capitalismo significa a criação de um espaço social no qual a dominação do homem pelo homem não acompanha uma extorsão direta do excedente econômico, “onde a acumulação de riquezas não é destinada a se auto-sustentar”; por outro lado, criou-se um outro espaço onde a dominação é mobilizada para permitir essa extorsão e onde a acumulação do excedente é endogenizada.

Esta separação necessita uma (ou mais) mediação(ões) isolando a prática política de dominação da prática econômica de exploração. A existência de tais mediações não implica, contudo, por nada em contrapartida, insistamos sobre isso, que a dominação política seja puramente abstrata, imaterial, discursiva ou ideológica, se quisermos, concentrando-se toda a materialidade econômica na esfera dita econômica. Ela implica somente que a ordem política separada seja o espaço de uma economia mediada, agora já dependente economicamente da ordem econômica propriamente dita - lugar da economia imediata - através destas mediações que evitam à dominação política ser confundida com a exploração econômica (THERET, 2001, p. 17).

Theret (2001) entende que não há ordem econômica sem política interna, tampouco ordem política sem economia interna, sendo que a separação em ordens distintas do social não significa que toda a política está de um lado e toda a economia do outro. Fazendo a crítica aos conceitos de economia de Karl Polanyi e Maurice Godelier, Theret (2001) considera que a economia “é a dimensão material das práticas sociais, que ela é o nível destas práticas, constituído pela relação direta entre homens e coisas, relações aos objetos inanimados constitutivos dos recursos materiais dos homens em suas diversas práticas” (Idem, p. 14). Portanto, ele defende que a economia só existe como nível, parcialmente separado institucionalmente, de uma ordem de práticas sociais estruturada por uma invariante, uma vez que toda ordem de práticas sociais tem igualmente um nível político. Ou seja, existe no econômico uma dimensão política; assim como há no político uma dimensão econômica.

De acordo com o autor, da mesma maneira que o capital é essencialmente uma relação econômica permitindo a acumulação de um excedente e uma relação política subsidiando a dominação daqueles que controlam a acumulação, o Estado é relação econômica de apropriação deste mesmo excedente e relação política de dominação sobre os indivíduos (THERET, 2001, p. 15).

Neste sentido, Theret (2001) defende que o direito e a moeda são mediações funcionais entre a economia e a política, articulando assim a unidade do social. Já a conversão no seio de cada ordem da economia em política, e vice-versa, é realizada pelas práticas simbólicas. Para ele, não é possível considerar que as relações homens-coisas equivalham a relações homens-homens

sem pensar as operações e atividades simbólicas específicas que assegurem tal conversão. Assim, para que uma relação econômica se torne relação política, de modo que tenham o mesmo valor, é necessária a idealização, a representação, na qual a coisa vale o homem, a coisa significa o homem, este encarnando a coisa.

Para que uma relação social exista e se reproduza, quer como relação econômica, quer como relação política, é preciso que ela passe por uma forma mediada simbólica, que

funciona como duplo representante, representante político das práticas econômicas e

representante econômico das práticas políticas. Em poucas palavras, o nível simbólico é aquele de um espaço intermediário (fronteira) entre a economia e a política, que assegura (e controla) a passagem, a correspondência ou então a homogeneização, conforme a teleonomia da ordem na qual ele funciona, das práticas econômicas e políticas. Dito de outra forma, para passar do real das relações econômicas ao imaginário das relações políticas, precisa uma transformação-mediação simbólica, uma troca de tipo totalmente particular que, por uma produção própria ou pela reinterpretação de símbolos emprestados, permite a colocação em forma-valor comum, o reconhecimento recíproco das coisas e dos homens, dos seres e dos haveres (Idem, p. 25).

As práticas simbólicas asseguram assim a comunicação entre as práticas econômicas e as práticas políticas. Ou seja, constituem um meio de comunicação, uma mídia, que homogeneiza o conjunto dos valores no seio da ordem que se encontra. O autor destaca que é importante perceber que o valor próprio da mídia está na capacidade de ser simultaneamente meio de reificação (ou de objetivação) e meio de personificação (ou de subjetivação) das relações sociais que prevalecem na ordem em que ele funciona como mídia.

Theret (2001) explica que no nível econômico esse processo de capitalização simbólica se traduz com a transformação da moeda em “capital fictício”, garantido a equivalência entre as relações econômicas e as relações de propriedade e estruturando a esfera política da ordem econômica. “A moeda como símbolo do valor econômico assegura, portanto, o funcionamento da interface entre o sistema econômico produtivo e as formações políticas do econômico (grupos, corporações, federações patronais, sindicatos operários e ordens diversas)” (Idem, p. 31). Portanto, a estruturação do que Theret denomina “formações políticas do econômico”16 depende fortemente do capital, pois é ele que realiza a conversão dos rendimentos monetários em direitos políticos de propriedade sobre os meios de produção. Já a forma jurídica, no sistema político, corresponde à monetarização das relações sociais no econômico. “É pela forma simbólica do Estado, que é Estado jurídico-financeiro, que passam as interdependências funcionais entre o sub- sistema político e o sub-sistema econômico do Estado” (Idem, p. 32).

16 Vale destacar que o autor entende os conceitos de sociedade civil e sociedade política no sentido marxiano

A partir dessa análise, Bruno Theret entende que o direito e a moeda não são apenas mediações internas às ordens política e econômica, sendo o elo de conversão entre recursos materiais e recursos imaginários, mas também realizam a comunicação entre os sistemas políticos e os sistemas econômicos mercantis e não mercantis. “A moeda assegura a articulação entre a economia produtiva e a economia administrativa; o direito aquela entre a sociedade civil e a sociedade política (no sentido clássico destas expressões)” (Idem, p. 34). O autor acrescenta:

Os sistemas monetário e jurídico não são somente estruturados por formas funcionais, assegurando tendencialmente a reprodução do econômico e do político; eles são também subsistemas mistos, ambivalentes, nos quais as duas lógicas do econômico e do político se confrontam permanentemente. E eles são, por esta razão, os nexos centrais do modo de regulação social, ou seja, os lugares onde se fixam os compromissos de base entre o Estado e o capitalismo, quaisquer que sejam as formas assumidas por estes invariantes (Idem, p. 35).

Portanto, na análise do autor a moeda e o direito são requisitos primordiais para a reprodução concomitante do Estado e do capital, em qualquer forma histórica de acumulação econômica e política. “Moeda e direito definem assim o nó duro de um espaço social misto – lugar nodal das práticas de regulação social – suscetível de incluir outras relações sociais” (Idem, p. 35).