• Nenhum resultado encontrado

2 MODO DE REGULAÇÃO, ESTADO E MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA

2.6 A perspectiva de Poulantzas

2.6.3 Para uma teoria relacional do poder

O Estado para Poulantzas não é o sujeito da história real, mas a luta de classes. É ela que detém a primado sobre o aparelho de Estado. Não existe Estado se não há luta de classes. O Estado capitalista não é uma entidade intrínseca, mas uma relação, uma condensação material e específica de uma relação de forças entre classes e frações de classe13. O Estado é constituído e dividido de lado a lado pelas contradições de classe (entre as frações de classe no poder e as classes fundamentais). Assim, a política do Estado é consequência das contradições de classe dentro da própria estrutura do Estado (Estado-relação).

No que concerne às classes dominantes, sobretudo à burguesia, o Estado possui o papel principal de organizador, a longo prazo, do interesse político do bloco no poder, inclusive assimilando estrategicamente as reivindicações das classes subordinadas. É no seio do Estado que a burguesia organiza a “unidade conflitual da aliança de poder e do equilíbrio instável dos

13

Carnoy (2006) destaca que, entre as primeiras publicações de Poulantzas (1968) e as mais recentes (1978), as suas teorias passaram por mudanças importantes. Nos primeiros estudos, o autor tinha uma concepção fortemente estruturalista e entendia que “o Estado reproduz a estrutura de classes porque é uma articulação das relações econômicas de classe, na região política” (CARNOY, 2006, p. 129), sendo que a sua forma e função moldam-se, portanto, pela estrutura das relações de classe. Já nas publicações mais recentes, Poulantzas defende que o Estado é conformado pela própria luta de classes.

compromissos entre seus componentes, o que se faz sob a hegemonia e direção, nesse bloco, de uma de suas classes ou frações, a classe ou fração hegemônica” (Idem, p. 129), constituindo assim a unidade política do bloco histórico. Papel que pode ser cumprido graças à autonomia do Estado capitalista, baseada na separação do Estado das relações de produção. Característica indispensável para que o Estado assegure o interesse geral da burguesia sobre a direção de uma das suas frações.

O conceito de hegemonia gramsciano pressupõe essa relação. Para Gramsci (2007) na realização da hegemonia é imprescindível levar em conta os interesses e tendências dos grupos sobre os quais ela será exercida, compondo um certo equilíbrio de compromissos. Ou seja, para se estabelecer a hegemonia é necessário que o grupo dirigente faça concessões de ordem econômico-corporativa. Contudo, Gramsci salienta que essas concessões não envolvem o essencial, uma vez que “se a hegemonia é ético-política, não pode deixar também de ser econômica, não pode deixar de ter seu fundamento na função decisiva que o grupo dirigente exerce no núcleo decisivo da atividade econômica” (GRAMSCI, 2007, p. 48).

Neste sentido, Poulantzas (1978) explica que as lutas populares também perpassam todo o Estado (e vão além dele) e constituem a sua ossatura. Entretanto, o autor destaca que elas não se materializam da mesma forma que as classes e as frações dominantes. Ao contrário dessas, que se constituem no Estado mediante aparelhos ou setores, aquelas têm um modo específico “sob forma de focos de oposição ao poder das classes dominantes”. Para ele, a presença das classes subalternas no Estado não significa que elas detenham poder. Para isso, haveria que acontecer uma transformação radical desse Estado. As classes populares no Estado constituem um lugar específico exatamente como dominadas. Poulantzas destaca ainda:

O Estado não se reduz à relação de forças, ele apresenta uma opacidade e uma resistência próprias. Uma mudança na relação de forças entre classes certamente tem sempre efeitos no Estado, mas não se expressa de maneira direta e imediata: ela esgota a materialidade de seus diversos aparelhos e só se cristaliza no Estado sob uma forma refratada e diferencial segundo seus aparelhos. Uma mudança de poder do Estado não basta nunca para transformar a materialidade do aparelho Estado: essa transformação provém, sabemos, de uma operação e ação específicas (Idem, p. 133).

O Estado é a condensação material de uma relação de forças, na medida em que ele possui uma ossatura específica que implica, para alguns de seus aparelhos, a exclusão da presença física e direta das massas populares do interior dessas estruturas. A relação hierárquica entre os aparelhos de Estado é realizada em acordo com os interesses das classes dominante, ou melhor, da fração de classe no poder, em sua estratégia frente às lutas com a classe dominada.

Para Poulantzas (1970) uma classe social é definida em dois níveis: primeiro, e principalmente, por sua posição no processo de produção, na esfera econômica; mas também por sua posição de classe, ou seja, por critérios políticos e ideológicos. Assim, o autor define que uma classe social é definida no conjunto das práticas sociais, ou ainda, por seu posicionamento no conjunto da divisão social do trabalho. No nível econômico, a classe é definida de acordo com sua posição dada nas relações de produção, que engloba dois tipos de relação: a relação dos não trabalhadores (proprietários) com os meios de produção, o seu controle, explorando assim os trabalhadores por meio do sobre-trabalho; assim como a relação dos produtores diretos com o objeto e os meios de trabalho (relação de apropriação real). O autor esclarece que no modo de produção capitalista não é o salário que define uma classe, mas o trabalho produtivo, que produz mercadoria e, portanto, a mais-valia. “O trabalho produtivo leva diretamente à divisão de classes nas relações de produção” (POULANTZAS, 1970, p. 10).

Para esclarecer a questão dos técnicos e dos “trabalhadores assalariados de escritórios”, segundo o autor, tema controverso em Marx, Poulantzas explica que o trabalho produtivo não é o trabalho dos participantes da produção no aspecto técnico, mas dos produtores de mais valia; “tais trabalhadores são explorados como classe, de maneira determinada, ocupando eles um lugar determinado na divisão social do trabalho” (Idem, p. 13). Além disso, a definição de uma classe está atrelada a seu posicionamento político e ideológico, isto é, a sua consciência de classe. Tratando da questão dos técnicos, que possuem uma autoridade de vigilância do processo de trabalho, o autor afirma que cabe procurar se essa autoridade é exercida de forma predominantemente despótica na organização capitalista do trabalho, ou se antes há a solidariedade com a classe operária.

Tal critério político e ideológico deve ser adotado também nas discussões acerca das camadas de classe e das frações de classe, assim como das categorias sociais. “As frações, as camadas, e as categorias não estão ‘fora’ ou ‘à margem’ das classes sociais; fazem parte das classes” (Idem, p. 23). A diferença entre as categorias sociais, e as amostras de classe e frações de classe, é que “enquanto os critérios políticos e ideológicos intervêm de maneira mais ou menos importante na determinação das últimas, os ditos critérios determinam sempre o papel dominante na determinação das categorias sociais” (Idem, p.25). Para o autor a função principal das

categorias sociais é fazer funcionar os aparatos de Estado e da ideologia, como é o caso da burocracia administrativa e dos intelectuais14.

O autor esclarece que cada modo de produção, de forma pura e abstrata, comporta duas classes; exploradora e explorada, mas uma sociedade concreta comporta mais de duas classes, “na medida mesmo em que está composta de vários momentos e formas de produção” (Idem, p. 15). No entanto, as duas classes fundamentais de toda formação social são as do modo de produção dominante nessa formação: a burguesia e o proletariado, no caso do capitalismo. Por último, destaca que para Marx as definições de classe, frações, camadas e categorias não podem ser feitas senão seguindo a dinâmica da luta de classes de acordo com o processo histórico15.

Nesse sentido, Poulantzas (1978) entende o poder como a capacidade, aplicada às classes sociais de conquistar seus interesses políticos. O poder refere-se ao campo da luta de classes, o das relações de força entre uma classe e outra e a capacidade de cada uma de realizar seus interesses; portanto, o campo do poder é estritamente relacional. O autor entende que o poder não é uma substância que uma determinada classe tem em mãos, não é um objeto quantificável, mas o lugar objetivo ocupado por cada umas nas relações de poder (econômicas, políticas e ideológicas). Ou seja, o lugar de uma classe é delineado pela posição das demais. “O poder não é portanto uma qualidade imanente a uma classe em si no sentido de uma reunião de agentes, mas depende e provém de um sistema relacional de lugares materiais por tais ou quais agentes” (POULANTZAS, 1978, p. 149). Para além do lugar ocupado, o poder político de uma classe está atrelado também a sua capacidade e estratégia diante delas.