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2 MODO DE REGULAÇÃO, ESTADO E MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA

2.5 O papel dos partidos políticos no modo de regulação

Coutinho (1989) explica que, nas sociedades modernas, o partido político desempenha as funções que Maquiavel atribui a uma única pessoa, o moderno príncipe. Ele é o intelectual coletivo, à medida que proporciona a fusão entre os intelectuais orgânicos de um determinado grupo. Ou seja, é o elemento catártico que possibilita a síntese das diferenças no seio de um dado grupo, como o grupo dominante e os intelectuais tradicionais. O partido organiza e prepara seus componentes, participantes de um grupo social nascido e desenvolvido como “econômico”, tornando-os “intelectuais políticos qualificados, dirigentes, organizadores de todas as atividades e funções inerentes ao desenvolvimento orgânico de uma sociedade integral, civil e política” (GRAMSCI, 1991, p.14).

Segundo Gramsci (1991), ao se vincular a um partido político, o indivíduo se torna um intelectual do grupo social que o partido representa, o que não ocorre através da participação individual na vida estatal, senão de forma medíocre. Embora se possa realizar uma distinção de graus, em alguns casos um partido poderá ter uma mais ampla ou mais restrita composição do grau mais alto ou mais baixo de intelectual, contudo ele entende que esse não seja o fator mais importante: “importa, sim, a função, que é diretiva e organizativa, isto é, educativa, intelectual” (Idem, p. 15).

Um comerciante não passa a fazer parte de um partido político para poder comerciar, nem um industrial para produzir mais e com custos reduzidos, nem um camponês para

aprender novos métodos de cultivar a terra, ainda que alguns aspectos destas exigências do comerciante, do industrial, do camponês possam ser satisfeitos no partido político. Para estas finalidades, dentro de certos limites, existe o sindicato profissional (GRAMSCI, 1991, p. 15).

Gramsci (1991) afirma que, no partido político, os componentes de um grupo social ultrapassam o momento do seu desenvolvimento histórico e se transformam em agentes de atividades gerais, de caráter nacional e internacional. Coutinho (1989) explica que a construção homogênea da vontade coletiva é a prioridade do partido político. Assim, só quando se forma a vontade coletiva é que se pode construir um novo bloco histórico revolucionário. Tal processo só pode ser efetivado com base nos sentimentos espontâneos das massas e não como uma ação arbitrária do partido, realizada “pelo alto”.

Embora construídos e atuantes na sociedade civil, sabe-se que os partidos políticos, enquanto condensação das vontades das formações sociais no nível econômico, agem no âmbito do parlamento (sociedade política) por meio dos seus representantes eleitos, ao menos na maior parte das sociedades ocidentais. É também no parlamento onde se produzem as leis, os regulamentos, que asseguram por meio da coerção o consenso e a hegemonia conquistados na sociedade civil. De acordo com o estudo de Portelli (1977), Gramsci compreende o parlamento como um órgão ambivalente, pois pertence à sociedade política, enquanto instituição que elabora a lei, mas também é igualmente sociedade civil, à medida que é a tradução oficial da opinião pública. Isto é, o parlamento possui a função de força e consenso.

O exercício normal da hegemonia no clássico terreno do regime parlamentar caracteriza- se pela combinação entre a força e o consenso, que se equilibram variavelmente, sem que a força supere demais o consenso, tentando fazer, assim, com que a força se apóie no consenso da maioria, expresso pelo que se conhece como órgãos da opinião pública – jornais e associações -, os quais, por isso, em certas situações, multiplicam-se artificialmente (GRAMSCI, 2007, p. 95).

Se o partido é o intelectual orgânico coletivo de um grupo social, é no parlamento onde ele se encontra oficialmente para institucionalizar o acordo por meio da lei. Cada um atua, em geral, em defesa dos interesses econômicos do grupo que representa. A partir do controle da hegemonia e do consenso na sociedade civil, os partidos da classe dominante serão também hegemônicos no âmbito da sociedade política, embora a presença dos partidos contra- hegemônicos seja uma necessidade para o estabelecimento da própria hegemonia da classe fundamental, conforme afirma Poulantzas (1978). Nesse sentido, compreende-se que as formas institucionais definidas por Boyer (a lei, a regra ou o regulamento; o compromisso e o sistema de valores e representações) são sintetizadas no partido político e articuladas no âmbito do

parlamento, a partir da concepção de mundo dominante na sociedade civil e do seu embate com a ideologia das classes dominadas. Dessa forma, é possível garantir a relativa estabilidade do sistema de produção vigente, rearticulando as contradições que emergem na dinâmica histórica do sistema capitalista.

Nesse sentido, Gramsci (2007) faz uma distinção do que denomina de grande política (alta política) e pequena política (política do dia-a-dia, política parlamentar, de corredor, de intrigas). A primeira diz respeito à fundação de novos Estados, à luta pela destruição, criação e conservação de determinadas estruturas orgânicas econômico-sociais; enquanto a outra, compreende questões pontuais, parciais e cotidianas que aparecem no interior de uma determinada estrutura já estabelecida como consequência das disputas pela hegemonia entre as diversas frações de uma mesma classe política. “É grande política tentar excluir a grande política do âmbito interno da vida estatal e reduzir tudo a pequena política” (GRAMSCI, 2007, p. 21). Gramsci (2007) explica, por outro lado, que para estudar a estrutura é necessário distinguir os movimentos orgânicos, relativamente permanentes, dos movimentos de conjuntura, que são ocasionais, imediatos e quase acidentais. Contudo, ele salienta que os fenômenos de conjuntura estão atrelados aos orgânicos, embora não tenham um amplo alcance histórico. Segundo Gramsci, essa separação é de grande relevância na análise de um período histórico. Quando se propõem mudanças que afetam a grande política vigente se inicia um período de desequílibrio ou de crise, no sentido da escola da regulação.

Tem lugar uma crise que, às vezes, prolonga-se por dezenas de anos. Esta duração excepcional significa que se revelaram (chegaram à maturidade) contradições insanáveis na estrutura e que as forças políticas que atuam positivamente para conservar e defender a própria estrutura esforçam-se para saná-las dentro de certos limites e superá-las (Idem, p. 37).