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2 MODO DE REGULAÇÃO, ESTADO E MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA

2.6 A perspectiva de Poulantzas

2.6.1 O Estado e a economia

Para Coutinho (1989), a economia em Gramsci não é entendida apenas como simples produção de objetos materiais, mas, para além disso, é o modo como os homens produzem e reproduzem suas próprias relações sociais globais. Assim como Marx, Gramsci se recusa a entender a economia como algo exterior à totalidade social, ao “conjunto das relações sociais”.

Segundo ele, o conjunto complexo e contraditório das superestruturas é o reflexo do conjunto das relações sociais de produção, ou seja, em Gramsci, a estrutura determina em última instância as superestruturas. “A economia determina a política não mediante a imposição mecânica de resultados unívocos, fatais, mas condicionando o âmbito das alternativas que se colocam à ação do sujeito” (COUTINHO, 1989, p. 57). A gênese do político depende das relações de produção. É por meio da divisão social do trabalho que se dá o aparecimento das classes sociais.

Para Poulantzas (1978), o espaço, o objeto e o conteúdo da economia se modificam de acordo com os diversos modos de produção, assim como nos diversos estágios e fases do capitalismo, “exatamente na medida em que ele constitui um modo de produção apresentando uma reprodução ampliada” (POULANTZAS, 1978, p. 168). Para o autor, a modificação dos espaços do político e do econômico no capitalismo monopolista é uma separação relativa que não está abolida justamente pelo engajamento decisivo do Estado na economia, que não foi mais que a forma específica da presença do Estado nas relações de produção. É a forma como ele se insere na acumulação e na reprodução do capital. É o modo de produção, “unidade de conjunto de determinações econômicas, políticas e ideológicas”, que estabelece os espaços do econômico e do político, delimitando seus campos, definindo os elementos constitutivos de cada um, pois é por meio do seu relacionamento e articulação que eles são formados.

É na exata medida em que (em razão de modificações nas relações de produção, na divisão do trabalho, na reprodução da força de trabalho, na extração da mais- valia e na exploração) uma série de domínios, por ‘marginais’ que fossem anteriormente (qualificação da força de trabalho, urbanismo, transportes, saúde, meio-ambiente etc), se integram diretamente, ao expandir e modificá-lo, no espaço-processo de reprodução e valorização do capital, que o Estado nesses domínios ganha um novo sentido (Ibidem, p. 169).

É essa transformação do espaço-processo econômico que altera os pontos de impacto do Estado e faz com que ele funcione no núcleo de reprodução do capital. A forma do Estado moderno, representativo, nacional-popular, organizado em aparelhos de Estado, não é senão o meio encontrado para concretizar aquele objetivo. “Esses aparelhos não são simples apêndices do poder, porém detêm um papel constitutivo, pois o próprio Estado está presente organicamente na geração de poderes de classe” (POULANTZAS, 1978, p. 43).

Para Poulantzas, esse tipo de Estado separa, com maior êxito, o trabalhador da luta pelos meios de produção, reproduzindo assim as relações capitalistas com mais sucesso. Além disso, garante e reforça as bases jurídicas da “troca” capitalista, que são fundamentais às condições sob as quais a burguesia pode acumular e controlar o capital. No que concerne ao Estado capitalista, é

a partir da separação relativa das relações de produção que se constitui o fundamento organizacional da sua ossatura orgânica estatal, o que comprova o seu vínculo com as classes sociais e a luta de classes sob o capitalismo. O poder emana das relações de produção e das ligações que a compõem (propriedade econômica), de forma que a economia se torna um dos principais campos da dominação estatal. Nesse sentido, Poulantzas concorda com Gramsci na medida em que entende a política como consequência das limitações impostas pelo momento econômico.

Porque é precisamente considerando o processo econômico e as relações de produção como rede de poderes, que se pode compreender que as relações de produção, como poderes, estão ligadas constitutivamente às relações políticas e ideológicas que as consagram e legitimam e que estão presentes nas relações econômicas (Idem, p. 34).

Contudo, Poulantzas destaca que não é o caso de estabelecer uma ordem teórica de uma existência cronológica e genealógica da divisão social do trabalho em classes e de poder de classe anterior à existência do Estado. Tal perspectiva não faz sentido, uma vez que, para ele, “onde existe divisão de classes, há portanto luta e poder de classe, existe o Estado, o poder político institucionalizado” (Idem, p 37). Trata-se da primazia que a luta de classes tem sobre os aparelhos-instituições. Ela os ultrapassa constantemente, pois todo poder, e não somente o de classe, só existe materializado nos aparelhos .

Poulantzas critica a separação entre aparelhos repressivos e aparelhos ideológicos (Althusser e Gramsci), uma vez que ela pode levar à subestimação do papel repressivo do Estado, pois a ideologia imposta por ele também é uma forma de violência sobre corpo. “Um dos aspectos essenciais do poder, condição de sua instauração e manutenção, é a coerção dos corpos” (Idem, p. 27). Além disso, essa distinção só pode ser feita a título meramente descritivo e indicativo. “Se ao mesmo tempo esta concepção baseada nas análises de Gramsci, tem o mérito de ampliar o espaço do Estado nas instituições ideológicas, não impede, entretanto, que de fato funcione de maneira restritiva” (Idem, p.28). Já a concepção de Althusser, baseia-se no pressuposto de que o Estado só agiria pela repressão e pela doutrinação ideológica, o que, segundo Poulantzas, supõe que o Estado só atua de maneira negativa, proibindo, excluindo, impedido (repressão) ou enganando, ocultando (ideologia) e considera que o econômico seria uma instância auto-reproduzível e auto-reguladora, onde só caberia ao Estado aplicar as regras negativas.

O Estado também age de maneira positiva, cria, transforma, realiza. Não se pode tomar as atuais ações econômicas do Estado, a menos que se faça um jogo de palavras, sob o

exaustivo ângulo da repressão e da doutrinação ideológica, ficando claro, contudo, que estes aspectos existem claramente na materialidade das atuais funções do Estado (Idem, p. 29).

O maior inconveniente dessa concepção, conforme explica Poulantzas, é a redução da especificidade do aparelho econômico. Para o autor, as funções do Estado, sejam repressivas ou ideológicas não podem ser consideradas isoladamente da sua função econômica. “O conjunto das operações do Estado se reorganiza atualmente em relação ao seu papel econômico” (Idem, 170). Para além das operações ideológico-repressivas, o econômico define a estruturação do espaço e do tempo, o estabelecimento de novos processos de individualização e corporalidade capitalistas, a elaboração de discursos estratégicos, a produção da ciência. As funções econômicas estão mais além daquelas, e são articuladas num ritmo específico de acumulação e reprodução do capital, seguindo uma lógica própria, que muitas vezes se contrapõe à organização do consentimento e evidencia o vínculo do Estado de bem-estar e de interesse geral com os interesses do capital. Por outro lado, o autor destaca que o aparelho econômico também possui a função de reproduzir a ideologia dominante, portanto toda ação econômica é também política, inclusive adequando-se às necessidades da classe hegemônica.

Nesse sentido, o Estado tem o papel primordial na existência e na reprodução dos poderes de classe, sobretudo na luta de classes, o que justifica sua ação direta nas relações de produção. “Referir-se à reprodução da força de trabalho permite não apenas situar a ação do Estado no domínio primordial das relações de produção, mas também entender com precisão sua importância em domínios tais como a circulação e o consumo” (Idem, p. 181). Poulantzas explica que é o engajamento do Estado na economia que permite uma determinada regulação política, “sempre relativa: trata-se então de um equilíbrio instável de compromissos” (Idem, p 186).

O Estado organiza e reproduz a hegemonia de classe ao fixar um campo variável de compromissos entre as classes dominantes e as classes dominadas, ao impor muitas vezes até às classes dominantes certos sacrifícios materiais a curto prazo com o fim de permitir a reprodução de sua dominação a longo termo [...]O mesmo se pode dizer quanto à organização pelo Estado da área cultural, como também da área do lazer e do esporte (Idem, p. 188 e 191).