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4 O MODO DE REGULAÇÃO DA RADIODIFUSÃO NA VENEZUELA

4.4 Novas concessões, velhas políticas

A partir da década de 1980, a bonança das receitas fiscais petroleiras começa a declinar. O excesso da oferta do produto com a evolução do Irã e a queda da demanda, consequência da desaceleração econômica, levou à queda do preço do barril e inaugurou no país um período de recessão econômica. Nessa época, o ouro negro representava 80% das exportações do país. Ainda assim, foram insuficientes para dar cabo ao programa de investimentos que estava sendo implantado no governo de Carlos Andrés Pérez. Além disso, conforme explica Cano (2002), em 1976, o balanço das transações correntes torna-se deficitário, provocando um endividamento externo crescente, que saltou de seis bilhões de doláres para 23 entre 1975 e 1979. O governo de Herrera Campins (1979-1984) iniciou uma política de características neoliberais, fomentando a desaceleração do PIB, mas com valorização cambial para conter a inflação.

A valorização cambial e a política recessiva contiveram a inflação, mas provocaram grande fuga de capital, piorando o balanço de pagamentos. Contudo, a crise da dívida externa dificultou o corte maior do elevado gasto público, aumentando o déficit fiscal, com o que o governo fez um ajuste ortodoxo entre 1982 e 1984. O “sucesso” em conter a inflação resultou em queda de 12% no PIB, entre 1979 e 1985, triplicando a massa de desempregados e reduzindo o salário real em torno de 25% (CANO, 2002, p. 6).

Lacabana (2006) salienta que a fuga de capitais deve-se também à luta entre as frações de classe burguesas e foi impulsionada por ações financeiras especulativas de grupos econômicos e bancos. Para o autor, foi em torno da taxa de câmbio fixo e da livre conversão que as frações burguesas tornaram-se o bloco social dominante. Assim a desvalorização do bolívar e o fim da livre conversão gerou uma crise política.

A chegada de Jaime Lusinchi ao Executivo em 1984 não alterou a prática de utilizar a renda petroleira como mecanismo principal de distribuição (LACABANA, 2006, p. 15). Por

outro lado, de acordo com Cano (2002), tentou-se alterar a política econômica. Formou-se a Comissão para a Reforma do Estado (Copre), que tentou refundar o Pacto de Punto Fijo com novos acordos entre empresários e trabalhadores, negociou o pagamento da dívida externa privada, buscou o refinanciamento da dívida externa, e procedeu a uma abertura comercial. Em 1986, diante da queda drástica do preço do petróleo, o governo anunciou uma nova desvalorização do câmbio, que somada ao pequeno crescimento da produção petroleira , conteve o impacto da redução dos seus preços, subsidiando a continuidade dos altos gastos públicos, o que, segundo Maya (2006), somando-se a outros desequilíbrios econômicos, levou o presidente a declarar uma moratória do pagamento da dívida em janeiro de 1989. A inflação alcançou marcos históricos de 28% em 1987 e 29,46% em 1988. Já o PIB, caiu na década de 1980, 6,8%, juntamente com a renda média por habitante.

Na década de 1990, inicia-se um terceiro momento do puntofijismo Na análise de Barros (2007), sob a influência do Consenso de Washington, iniciou-se uma agenda de liberalização e abertura da economia. Em 1998, o líder adeco Carlos Andrés Pérez, defendendo a idéia de democracia com energia, retornou ao poder com uma expressiva votação de 56,4%, graças à vinculação da sua imagem ao período áureo do boom petroleiro dos anos 1970. Mas Pérez encontra a economia do país em forte declínio, com uma redução nas reservas do Banco Central, alta inflação, elevadas taxas de desemprego, salários reais em decadência. Alegando necessidade de tornar a economia mais produtiva e competitiva, Andrés Pérez assinou um acordo com o FMI e conseguiu um empréstimo de US$ 4,5 bilhões. Em contrapartida, o governo implementou uma política de restrição do gasto fiscal e dos níveis salariais, unificação do regime cambiário com paridade unitária, maior liberalização dos preços, aumento dos preços dos itens de primeira necessidade, criação de imposto sobre a venda, ajustes de tarifas dos produtos e serviços fornecidos por empresas estatais, liberalização das importações, privatizações e aumento do preço da gasolina (MAYA, 2006, p.26; MARINGONI, 2009, p. 70) 61. Nenhuma dessas medidas havia sido debatida com a população durante a campanha.

A nova política provocou um forte protesto popular que se iniciou em 27 de fevereiro de 1989 e ficou conhecido como El Caracazo ou Sacudón. O movimento durou cinco dias. Houve barricadas, fechamento de ruas e avenidas, incêndio de veículos, apedrejamento ao comércio e

61 No final de semana dos dias 25 e 26, havia sido implementado um reajuste de 100% no preço da gasolina, o que

saques. Segundo Maringoni (2009), embora tenha conseguido sobreviver ao Caracazo, o governo perdeu grande parte de sua legitimidade. “Pérez, em poucos dias, deixara de ser a grande solução e se tornara o emblema de uma derrocada estrepitosa” (MARINGONI, 2009, P. 73). O Pacto de Punto Fijo começava a perder forças.

Em 1991, Pérez iniciou a privatização das telecomunicações, com a venda de 40% das suas ações ao consórcio Venworld Telecom, capitaneado pela empresa norte-americana GTE. Coube à empresa também a administração da CANTV. O restante do capital da empresa ficou conformado da seguinte maneira: 49% do Estado, 10% dos trabalhadores da empresa e 1% para o plano de benefícios. Em 1996, durante o governo de Rafael Caldera (1994-1999), foram privatizadas 40% das ações em mãos do poder público.

Como a privatização do petróleo causaria um forte impacto para a sua gestão, Pérez revogou parte da Lei de Nacionalização Petroleira, que ele mesmo tinha sancionado na sua gestão anterior, permitindo que a PDVSA se associasse a empresas privadas de capital internacional, dando a essas total isenção de impostos. Além disso, Barros (2007) explica que o presidente restringiu a participação dos empresários nacionais nas licitações da empresa. Assim, a nova estratégia “liberou a entrada de capitais transnacionais nas atividades primárias, além de reduzir a soberania jurídica e impositiva, diminuiu, de forma significativa, os ingressos fiscais do petróleo e colocou a Venezuela em rota de colisão com OPEP” (BARROS, 2007, p.97). Na análise de Oliveira (2009), a política de Andrés Pérez beneficiou essencialmente as frações do bloco no poder vinculadas ao capital financeiro, hegemônico nesta etapa do capitalismo contemporâneo.

O presidente fez também mais concessões de espaços no espectro eletromagnético. Desta vez, um dos grupos “beneficiados” foi o Santaella-Bancor, segundo Díaz (2007), banco que financiou parte da campanha eleitoral do presidente. Anos depois, diante da crise econômica que se instalou no país, o Canal Máximo Televisón (CMT) foi vendido ao grupo do empresário italiano Humberto Petrica, antigo apoiador dos governos da AD. Em 1994, uma outra concessão fez surgir o canal Bravo TV, posteriormente chamado Puma TV, fruto de uma concessão feita por Andrés Pérez a um dos seus principais garoto propaganda, o cantor José Luíz Rodriguéz. Em 2007, o canal passou às mãos do empresário Wilmer Ruperti, que modificou o nome da emissora para Canal i, tornando-o um canal de notícias. No mesmo ano, Pérez concedeu mais uma emissora a um grupo de amigos políticos. Assim, Luis Teófilo Núñez, Guillermo Zuloaga,

Nelson Mezerhane e Alberto Federico Ravell, inauguraram a Globovisión (Canal 33), que só foi ao ar durante o governo de Rafael Caldera.

Em 1991, embora a economia estivesse mais estabilizada com o crescimento do PIB ,que alcançou a marca dos 9,7% com aumento das reservas nacionais, crescimento da indústria e do setor financeiro, os níveis de pobreza e desemprego no país continuavam elevados62. A crise econômica levou o governo a perder o apoio de diversas instituições que eram eixos de sustentação do Pacto, como a Fedecámaras e a CTV.

Em fevereiro de 1992, um movimento denominado Movimento Bolivariano Revolucionário (MBR-200), composto por militares de baixa e média patente e comandado pelo tenente-coronel Hugo Chávez, tentou dar um golpe de Estado, mas a estratégia fracassou. O grupo esperava a chegada do presidente em seu palácio residencial. Andrés Pérez, que estava em viagem a Davos, na Suíça, ficou sabendo da movimentação e, ao chegar ao país, dirigiu-se para a emissora de televisão Venévisión, de propriedade de Diego Cisneros, onde fez pronunciamento para a nação e deu ordens aos grupos de militares vinculados ao governo que reprimissem o movimento. Os líderes do movimento foram presos. Nove meses depois, outro movimento composto por militares de alto escalão tentou derrubar o presidente. Mais uma vez o objetivo não foi alcançado. Após as tentativas de golpe, o governo entrou em forte processo de perda de apoio político, que culminou com o seu impeachment no Congresso Nacional, por corrupção.

O ano de 1994 marcou a quebra do puntofijismo. Naquele ano, de acordo com Maringoni (2009), as urnas expressaram o rompimento do apoio popular aos partidos AD e Copei, que juntos tinham alcançado, nos 40 anos anteriores, a maioria dos votos e das vagas no legislativo. A vitória das eleições coube a Rafael Caldera com 30,46% dos votos, que deixou o seu antigo partido Copei para se candidatar por uma coalizão de 17 pequenos partidos chamada Convergência Nacional. Os candidatos da AD e Copei alcançaram, respectivamente, 23,6% e 22,73% dos votos. O abstencionismo alcançou a marca dos 38,84%. Embora tenha ganhado popularidade pelas críticas feitas ao governo anterior, diante da crise bancário-financeira que se instaurou no país e da consequente fuga de capitais, Caldeira repetiu a política neoliberal de Carlos Andrés Peréz. Em 1996, foi lançado um pacote de medidas denominado “Agenda Venezuela” que previa o aumento do preço da gasolina, a liberação das tarifas dos serviços

62 Dados apresentados por Maya (2006) mostram que, em 1991, 35,37% da população se encontravam em situação

de pobreza e 16,01 em estado de extrema pobreza. No que se refere ao desemprego, 8,70% da população estava nessa situação e 40,50% estavam ocupadas no setor informal.

públicos, plano de privatizações das empresas públicas, liberação total do controle de câmbio seguida de desvalorização, liberação do controle de preços, criação de um fundo para proteção do sistema bancário e incremento das taxas de juros. Além disso, adotou-se uma política de “Abertura Petroleira”, que “planteó para el sector la transferencia del sector público al privado de atividades tanto conexas como medulares de la industria petrolera [...] se sostuvo que los precios internacionales del petróleo debían ser fijados por leyes del mercado, sin interferencias (LÓPEZ MAYA, 2006, p. 30).

Uma das beneficiadas pelos recursos públicos provenientes da exploração petroleira foi a Igreja Católica que, apoiando a política de Caldera, obteve diversos favores políticos, como a construção de prédios institucionais e a participação direta em cargos do governo. Nesse sentido, o presidente doou à Igreja, o Canal 5, ocupado pela Televisora Nacional. A nova emissora, denominada Vale TV, iniciou suas atividades em 1998 e define-se como um canal educativo e cultural, sem fins lucrativos. Segundo Cáceres et al (2007), atualmente o grupo Cisneros também administra o canal em parceria com Conferência Episcopal Venezuelana.

A queda dos preços do petróleo a partir de outubro de 1997, também resultado da abertura e do crescimento da produção no país, e uma nova crise econômica deslegitimam as medidas da Agenda. Lacabana (2006) explica que as políticas adotadas não conseguiram estabilizar a economia, nem reduzir a inflação e a queda dos salários. Ao contrário, houve o crescimento das conseqüências negativas.

De acordo com López Maya (2006), o crescimento do país entre os anos de 1979 e 1999 foi praticamente nulo (0,1%), levando-se em conta os alternados anos de crescimento e recessão. Já a inflação chegou a 35,78% em 1998 e 23,56% no ano seguinte. Naquele período, um produto que custava 100 bolívares passou a custar 30.923 e a desvalorização do bolívar alcançou a marca dos 15.238%. Em 1994, o setor informal da economia ocupava cerca de 40% da população, alcançando a taxa de 48% em 1998. No mesmo ano, cerca de 50% da população se encontrava em situação de pobreza e um quarto em extrema pobreza. No que concerne à violência, o número de homicídios em Caracas era de 81/100.000 hab. e de 25/100.000 hab. no restante do país. Entre 1987 e 1999, o aumento dessas taxas foi de, respectivamente, 25% e 20,9%.

A situação do país na década de 1990 provocou um forte falta de confiança da população nos partidos políticos, já demonstrada no número de abstenções durante as eleições de 1993. Desde a tentativa de golpe, Hugo Chávez começou a ganhar popularidade e a fazer parte do

imaginário da população, que o identifica como representante de um rompimento com a política que tinha se desenvolvido no país nos últimos anos. Em 1997, o MBR-200 decidiu lançar candidato próprio ao Executivo. No mesmo ano, Chávez e seus companheiros fundaram o partido Movimento Quinta República (MVR). O nome representava uma ruptura com as quatro repúblicas vividas anteriormente pelo país e propunha uma nova era política. A candidatura de Chávez se fortaleceu com o apoio de outros partidos de esquerda, como o Pátria Para Todos (PPT), uma parte de La Causa R, o MAS e o Partido Comunista.