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4 CAMINHOS E ENCONTROS – EDUCAÇÃO, CULTURA E PROCESSOS DE

4.2 DANÇAR FANDANGO? PROCESSOS DE APRENDIZAGEM INVENTIVA

No fandango nada se ensina, tudo se aprende. Versos de Fandango

Abrir espaço para as experiências da vida nos proporciona aprendizado e não há construção de saber desvinculado da noção de experiência em constante processo. Estar em contato com os outros, reconhecer os não saberes e permitir ser atravessado por outros saberes, sendo estes atravessamentos invenções de problemas, possibilita uma aprendizagem inventiva, mas realocar e reproduzir saberes no sentido de repeti-los47 e representá-los pode obliterar o processo de inventividade. Na dança do fandango paranaense, manifestação popular que possui dinamismo, os dançarinos, folgadores48 e batedores estão constantemente em contato com instabilidades, seja pelo fato de que cada grupo musical tem um ritmo próprio, fazendo com que a dança precise se adaptar à singularidade dos violeiros ou rabequista, seja pelo puxador49 da dança, batedor mestre responsável, que pode modificar o batido, decidir o tempo de entradas e saídas dos batidos, ou ainda pelo espaço da dança, apropriado ou não para bater fandango. Sendo assim, na dança do fandango há momentos de adequação no sentido de repetição e reprodução de padrões de movimentos pré-estabelecidos na busca pela estabilidade ao mesmo tempo em que há problematização e invenção, bem como invenção e solução de problemas, que Kastrup (2007) esclarece:

O problema não é uma forma percebida, não é uma imagem, é, antes, uma potência de chegar a imagens, mas sem ter, em princípio, sua forma exterior e aparente. [...]. Problema aqui não tem o sentido negativo de lacuna ou falta, mas o sentido positivo de exigência de criação. Problema que não é objetivo, que não é da ordem do percebido, mas que consiste numa problematização da subjetividade, numa exigência da criação. A

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Repetição – não é cópia idêntica, mas o sentido do mesmo.

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Os termos “folgadores e folgadeiras” derivam da palavra folga, é como eram chamados os fandangueiros, os quais faziam Fandango nas folgas do trabalho.

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Puxador é o mestre da dança, responsável por puxar os batidos, é ele quem dá o sinal de início e o arremate final da dança.

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invenção começa como invenção de um problema, problema esse que exige uma solução. Só assim, precedida de problematização, a invenção pode, do ponto de vista de seus resultados, ser entendida como solução de problemas (KASTRUP, 2007, p. 117).

Para a autora, o trabalho da invenção consiste, assim, num movimento de vaivém, indo do esquema às imagens e vice-versa. A invenção implica tateamentos, experimentação e imprevisibilidade. E transformar uma ideia implica em gestar algo novo, que vai além da recognição. No fandango, compor uma moda é transformar uma ideia em som, pois o invento toma forma e corpo através dos saberes e dos arranjos que se fazem deles.

Em determinados momentos, ao deslocar o eixo de análise da estrutura da coreografia para o corpo dos dançarinos do Fandango é possível reconhecer processos inventivos, a partir da observação de dinâmicas corporais, e não do passo sistematizado e organizado, vislumbram-se, assim, problematizações. É o estado corporificado que ao ser problematizado pode resultar em invenção e solução de problemas. Porém, o conjunto coreográfico, os passos e evoluções da dança sugerem a repetição, pois estão submetidos a algumas regras e desenhos coreográficos preestabelecidos que são copiados e reproduzidos a cada dança dos grupos. Porém essa compreensão da dança não se fecha, pois é na coletividade do fandango bailado que podem ser reconhecidos processos de aprendizagem inventiva.

Ao observar o conjunto coreográfico solidificado e estruturado dificilmente é possível identificar processos de aprendizagem inventiva –, porém, ao analisar o estado de corpo de cada dançarino e batedor, reconhecemos que há problematização e invenção de soluções, mas não é possível afirmar que isso se dá constantemente na dança. O que é considerado invenção em um momento pode tornar-se repetição e reprodução no momento que segue, dependendo das dinâmicas corporais dos dançarinos. Ressalta-se que a repetição não se dá como cópia original do movimento e nem está subordinada ao idêntico “fazendo com que cada retorno do movimento tenha seu próprio significado” (MATOS, 2012, p. 31).

Assim como o estado corporal pode assumir um padrão mecânico de movimento, também é possível observar, em passos organizados e coreografias, problematizações. Por exemplo, ao observar a coreografia de um batido do fandango é possível perceber que alguns dos batedores da roda alteram os batidos

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da sola com o bico do tamanco (Figura 5), tendo um estilo próprio e subjetivado de dançar, enquanto os demais seguem o padrão do passo, rufando com a sola do tamanco.

Figura 5 - Fandango batido - diferença nos modos de bater o tamanco. Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora

Na imagem acima alguns batedores estão executando a coreografia, porém criam formas diferentes dos outros batedores de emitir o mesmo som e cumprir com a função de percussão do tamanco, mas de uma maneira singular, que os próprios caiçaras chamam de “enfeite”. E para “enfeitar” no fandango é necessário se despir das conservações e permanências que o permeiam, criando e inventando novas soluções.

Assim, é difícil identificar o processo inventivo na coletividade de um grupo específico do Fandango batido, mas ele se dá de forma aparente nas sutilezas dos movimentos de cada dançarino. Porém, ao observar os distintos grupos é possível perceber que é do coletivo que emergem as diferenças, por exemplo o Grupo Folclórico do Mestre Romão tem o batido acelerado e enérgico se comparado ao Grupo Pés de Ouro, cujo ritmo é espaçado e o batido do tamanco é mais suave, e foi com base nas diferenciações que se apresentou a pista corpo-dança.

Durante a terceira etapa da pesquisa de campo, ao questionar o mestre Brasílio50 sobre as transformações na dança do Fandango, ele afirma que “a diferença no modo de dança é do jeito de bate” e cada grupo da Ilha “tem um estilo de dança, tem um modo de dança, tem um modo da marca também”, e, mesmo

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acreditando que antigamente “a dança era a mesma e a música era a mesma também” (FERRES, 2015), ele reconhece que diferenças se fazem presentes.

Para o Mestre Brasílio, “naquele tempo tinha quem dançava mesmo, que dançava pesado, que tem que ter força na perna, né? A dança era a mesma coisa que antes, mas eu era novo [...]” (FERRES, 2015). Essa percepção da diferença na dança é uma tradução que o Mestre faz do Fandango hoje, atualizado a partir de algumas variáveis, podendo ser o contexto onde se fazia Fandango, a idade avançada dos batedores atualmente, as influências sociais e culturais que atravessaram a trajetória da manifestação ou ainda outras possibilidades que interferiram e ressignificaram os processos de fazer Fandango.

Identificar a inventividade na dança, nos modos de problematizar e inventar solução é uma forma de compreender o Fandango como intervenção no real, como presença, que reflete formas de luta e resistência. Somente a recognição não daria conta de fazer resistir a manifestação popular, a criação também delineou a figura atual do Fandango e ele continua a se redesenhar e reinventar.

Segundo Varela,

As unidades apropriadas de conhecimento são, antes de mais nada, concretas, corporificadas, vividas. O conhecimento é contextualizado, e sua unicidade, sua historicidade e seu contexto, não são “ruídos” que impedem a compreensão do fenômeno cognitivo em sua verdadeira essência, a de uma configuração abstrata. O concreto não é um degrau para algo de diverso: é como chegamos onde estamos (apud KASTRUP, 2007, p. 153).

Essa afirmação de Varela nos aproxima da noção apresentada pelo autor de enação. Esta remete a uma cognição corporificada, encarnada, distinta da cognição entendida como processo mental. Sendo assim, é resultante das ações e das experiências, não se inscreve apenas mentalmente, mas no corpo. Este processo de enação envolve acoplamentos sociais e linguísticos, e desta forma o corpo está em constante troca com o ambiente.

No Fandango é possível identificar a noção de enação apresentada, pois a aprendizagem da dança se dá pela observação dos movimentos, sejam os batidos, os bailados ou as evoluções coreográficas, e na observação se dão a corporificação e a inscrição do conhecimento no corpo, pois observar é criar imagem, é corporificar. A dança não funciona como representação da manifestação, pois seu valor é real e vai além do simbólico.

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Ao considerar o fandango e seus dois diferentes modos de dançar – batido e bailado, é possível maximizar o campo de observação e perceber diferenças nos processos de aprendizagem de cada um deles. Para o Mestre Nemésio51, “na dança os batido continua a mesma coisa, os bailado pode muda, batido não, bailado tem tipo de „don don‟, tem um tipo de „chamarrita‟, toca de um jeito, toca de outro, dança de um jeito, dança de outro [...]” (COSTA, 2015). Ao tocar um tipo de chamarrita ou dondon se estabelece também um jeito de dançar, pelo toque da viola e rabeca e pelo ritmo mais acelerado ou não, cada tocador tem um estilo, fazendo da dança uma dinâmica.

Além da música, no bailado não se tem par fixo, a todo momento fandangueiros tiram as damas para dançar e a cada novo encontro na dança surgem processos de adaptação e modificações do estado de corpo. As problematizações são constantes e a busca por soluções reflete a aprendizagem inventiva no fandango bailado. Assim, a dança é uma inscrição no real e não apenas representa algo.

Representar, para Kastrup (2007), seria destituir referências biológicas, históricas e fenomenológicas, perdendo toda dimensão experiencial, como algo mecânico passível de repetição e previsão em seus resultados. A autora dá como exemplo a máquina, dizendo que “Nada resta de virtual, inventivo ou problemático na máquina. Não há conhecimento que se atualize por diferenciação e divergência, pois não há abertura para o sistema de experiência” (KASTRUP, 2007, p. 158). Logo, a noção de enação é uma superação do modelo de representação, que se relaciona com a regularidade e previsibilidade.

Para a autora, a enação envolve um campo aberto e movente, no qual a problematização é incessante, que depende de acoplamentos flexíveis, e, assim, o cognitivismo se mostra insuficiente, logo não se trata de representação, mas de enação com o sentido de invenção do mundo. Na música e dança do Fandango os dançarinos e tocadores se colocam em um campo instável e flexível, pois se fazem necessárias as improvisações. Conforme o mestre Nemésio, “os batido... tem batido que você sobe lá em cima a voz, tem que ir lá, senão não dá certo [...]” (COSTA, 2015). Para ele, é necessário modificar o jeito de cantar para dar conta de

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acompanhar a percussão dos tamancos que ora pode soar baixa, ora pode soar muito alto ofuscando o som da viola, rabeca, adufo e canto.

Essa expansão do domínio de interações são redes de conexões ricas e densas que circundam o processo de aprendizagem como invenção de problemas. As sinapses, as ligações neurais não possuem linearidade e estão permanentemente sujeitas à diferenciação e ao crescimento. Kastrup entende este processo como rizoma52:

O sistema nervoso expande o domínio de interações de um organismo, que passa a acoplar as superfícies sensoriais e motoras mediante uma rede cuja configuração pode ser muito variada. O próprio cérebro, como estrutura central, tem uma dinâmica extremamente cambiante. Possui uma arquitetura indefinida e sempre plástica, na qual as relações não são localizáveis, mas distribuídas pela rede (KASTRUP, 2007, p. 170).

O sistema nervoso constitui uma imensa rede que não distingue perturbações, não representa, mas é interface entre fora e dentro, desta mesma forma a aprendizagem é potencializada pela possibilidade da contínua mudança e, a partir da noção de rede, a aprendizagem pode ser inteiramente ressignificada, criando constantemente novas conexões. Para Varela,

Tudo o que temos dito aponta para entender a aprendizagem como uma expressão do acoplamento estrutural, que sempre caminha para manter uma compatibilidade entre o operador do organismo e o meio em que ele se dá (VARELA, 1986, apud KASTRUP, 2007, p. 171).

“Aprender é coordenar mente e corpo, fazer com que organismo e meio entrem em sintonia. Isso significa encarnar ou inscrever a cognição no corpo” (KASTRUP, 2007, p. 172). No entendimento de Kastrup (2007), trata-se de uma aprendizagem que começa com representação e instruções simbólicas. Aprender a dançar o Fandango batido é seguir regras, mas a aprendizagem também pode dar abertura para que esse processo tome outra proporção de acoplamento, e aprender, neste caso, não é adequar-se à dança, mas agenciar-se com ela.

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Para Deleuze e Guattari (GALLO, 2013), rizoma é um sistema aberto. Um sistema é um conjunto de conceitos. Um sistema aberto é quando os conceitos estão relacionados a circunstâncias e não mais a essências. Mas os conceitos não são dados prontos, eles preexistem, é preciso inventar, criar. No rizoma são múltiplas as linhas de fuga e portanto múltiplas as possibilidades de conexões, aproximações, cortes, percepções etc.

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O acoplamento como agenciamento é comunicação direta, sem mediação da representação. Comunicação sem subordinação, hierarquia ou determinismo. Não opera por causalidade, mas por implicação recíproca entre movimentos, processos, ou fluxos heterogêneos, por dupla captura. [...] trata-se da produção de uma unidade complexa aprendiz-instrumento, capaz de produzir um processo de diferenciação recíproca (KASTRUP, 2007, p. 172).

Se entendermos que a aprendizagem da dança, e neste caso do Fandango, é um potencial agenciamento53, então aprender é eliminar distâncias, da observação à concretização do aprendizado da dança. Aprende-se a observar os dançarinos e batedores, atenta-se à movimentação das mulheres dialogando com o movimento coreográfico dos homens, aprende-se no contato com o meio.

Pensando o acoplamento maquínico, fica evidenciado que o produto da aprendizagem não é uma repetição mecânica, repetição do mesmo, mas uma atividade criadora, que elimina o suposto determinismo do objeto ou do ambiente, atividade sempre em devir. Aprende verdadeiramente aquele que cria permanentemente na relação com o instrumento, reinventando-se também de maneira constante (KASTRUP, 2007, p. 173).

Aqui podemos conectar essa articulação do pensamento deleuziano sobre a repetição com a própria dança. Nele pode-se perceber que a repetição, como deslocamento do mesmo, também pode ser um modo de emersão para processos inventivos de aprendizagem na dança. Virginia Kastrup (2007) encontra em Deleuze alguns caminhos para pensar a aprendizagem, seja através da ideia de que aprender é decifrar signos, como a percepção de que aprendizagem é um movimento de vaivém, como uma série de saltos do objetivo para o subjetivo e vice- versa, e essa é a única possibilidade a se chegar ao que ela chama, nesse momento, a essência do signo ou sua diferença.

Se aprender é decifrar signos, esse aprendizado se dá por investigação e percepção de mundo. No Fandango há coisas que acontecem que são alheias a quem assiste, nem todo diálogo estabelecido entre tocadores e batedores fica evidenciado para a observação estrangeira àquele universo. E a relação

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Para Deleuze (1992), segundo um primeiro eixo, horizontal, um agenciamento comporta dois segmentos, um de conteúdo, outro de expressão. De um lado ele é agenciamento maquínico de corpos, de ações e de paixões, mistura de corpos reagindo uns sobre os outros; de outro, agenciamento coletivo de enunciação, de atos e de enunciados, transformações incorpóreas atribuindo-se aos corpos. Mas, segundo um eixo vertical orientado, o agenciamento tem ao mesmo tempo lados territoriais ou reterritorializados, que o estabilizam, e pontas de desterritorialização que o impelem.

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estabelecida neste momento entre tocadores e batedores é de inventividade e solução de problemas. Para o Mestre Aorélio Domingues:

Tem coisas que ninguém percebe, só os violeiros percebem, então violeiro é quem? Quem é o mestre do grupo? Mestre do grupo é aquele que canta em primeira voz com a primeira viola, não é o que canta em segunda, o repique da viola é diferente e a voz é diferente, mas ele tem total dominação sobre o ato fandanguesco. Na dança, a partir do momento em que ele toca um batido, e que esse tamanqueado é iniciado, ele perde totalmente o poder como mestre daquela situação. Ele fica, no caso, esperando o sinal ou o repique de um puxador, e aquele puxador às vezes é determinado ou não. O próprio puxador se mostra na roda dando um passinho pra frente, um volteio pro lado, pra dentro da roda. Então, todo mundo sabe que ele vai repicar... ou pelo salto que ele vai dar ou a posição do corpo, isso são coisas que a gente percebe, mas que as pessoas não percebem. Agora, quando a gente vai fazer folcloricamente, isso não precisa, a gente já sabe quem é o menino que vai bater, a gente sabe quantos versos a gente vai cantar e que verso a gente vai cantar. E na hora do baile não, a gente canta qualquer verso, por isso que às vezes nem as pessoas entendem o que a gente fala na música, porque às vezes eu começo a cantar... o compadre ali, pensa que eu vou cantar uma coisa eu canto outra. Então isso tudo é um universo, faz parte da brincadeira (DOMINGUES, 2014).

A ação corporificada de dançadores e tocadores é dinâmica, exige improvisação e criação, e ao considerar a flexibilidade de hierarquização no Fandango, que desliza a maestria entre mestre da música e mestre da dança, é possível entender o processo de aprendizagem em constante construção, configurado na improvisação e criação de soluções, e esse diálogo provocativo no Fandango remete ao caráter brincante das danças populares. Ainda neste sentido, ao analisar o tamanqueado é possível perceber que ele acontece na brincadeira, em forma de desafio. E que cada batedor apresenta idiossincrasias a partir de um estilo próprio de dançar, caracterizando e identificando seu batido.

O tamanqueado, ele rola na brincadeira, do bate mais forte ou bate mais fraco, bate conjuntamente igual. Numa roda de fandango tradicional, na comunidade, às vezes ninguém bate, tem uma célula principal, mas a forma de rufar no caso, né, ou o repicar é diferente. Então, a gente que conhece, a gente percebe isso. Se eu fechar meu olho, por exemplo, e tá os batedores passando, eu sei quem está passando pelo tipo de bater o tamanco. Eu sei quem é o Seme, eu sei quem é Agripino, o Zequinha sei que dá uma puxadinha, o Paulinho ele faz assim. Então eu sei, na maioria deles eu sei quem é, conheço o som que eles emitem, e tudo isso faz parte da brincadeira, da vivência. Então é um universo de coisas, né. É uma dança? É uma dança, mas o que torna ele espontâneo e vivo é essa brincadeira. As brincadeiras nas culturas populares, elas não podem se perder, nem os signos e as funções (DOMINGUES, 2014).

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Se o som emitido por Seme, Agripino ou Zequinha, aprendizes54 da dança no Fandango, podem ser identificados pela sensibilidade dos músicos e pela repetição dos modos de bater o tamanco, então o fandango batido não pode se considerar invenção, mas a repetição nos modos de bater dos dançarinos é singular e apresenta modos de subjetivação que permitem identificá-los. Para Lúcia Matos (2012),

Ao explorar a complexidade do movimento, o transmutar do que se repete no corpo em seus diferentes estados, provoca deslocamentos, retroações, simulacros, pelos quais a diferença transita na organização que ocorre em cada repetição, transbordando séries heterogêneas de movimento que possuem sentidos e metáforas próprias, fazendo com que a repetição seja a diferença em si mesma (MATOS, 2012, p. 31).

Assim, mesmo que as repetições se façam presentes na dança do Fandango elas são singulares, quando não são a repetição do mesmo, conforme já foi explicitado, proporcionando que cada retorno ao movimento tenha seu próprio significado e desta forma as repetições também são afetadas por diferenças, tendo signos transitórios. Assim, no caso da dança – e, neste caso específico, do Fandango:

Uma mudança de percepção só poderá ser configurada, após o contato e a efetivação nas interações estabelecidas, com a nova informação incorporada se, e apenas se, essa informação propiciar um outro entendimento de dança (MATOS, 2014, p. 38).

Ao observar os grupos de dança no Fandango e a relação estabelecida com os músicos é possível reconhecer que suas necessidades de adaptação passam a assumir o caráter de invenção, baseado em diferenciações que se fazem constantes nas ações que emergem do ato de fazer Fandango. Nesse sentido, a aprendizagem passa a ser uma desestabilização e atravessamento, uma rede de conhecimento hibridizado, que transita no fluxo do movimento, permite a interpretação singular e a percepção diferenciada do objeto. No Fandango a aprendizagem está em processo, bem como o aprendiz se faz no processo, não há receituário ou modelo de aprender e experienciar, e, a cada bailado e a cada batido, novas formas de fazer fandango

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Os batedores citados são veteranos na dança, mas será adotado o conceito de aprendiz para todo aquele que não está na condição de mestre do grupo.

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podem se apresentar. Em algumas experiências do fandango há produção de novidades e de surpresas potenciais, mas não é possível generalizar.

Para Deleuze, a arte é o destino inconsciente do aprendiz. Não dispõe da melhor aprendizagem aquele que toca repetindo a música sempre da mesma forma, mas aquele que é capaz de interpretá-la, ou seja, aquele