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1 AMANHECEEE!!!! O FANDANGO DA ILHA DOS VALADARES – UMA

3.3 DANÇAS POPULARES BRASILEIRAS – DISTINTAS CONFIGURAÇÕES

Ao imergir nas leituras sobre as danças populares específicas foi possível vislumbrar olhares diferenciados para a dança, que iam em direções desiguais, mas mantinham elos encruzilhados, pois dialogavam a partir de um mesmo espaço, de um mesmo interior: a cultura popular. E, apesar de apresentarem entendimentos distintos do corpo na dança, possibilitaram criar conexões e articular os conhecimentos acerca das diferentes configurações de danças populares brasileiras.

A dança popular brasileira – adota-se aqui esta nomenclatura – apresenta díspares definições, que vão desde a dança afro, passando por dança brasileira contemporânea, dança popular, dança folclórica, dança tradicional, dança brasileira, dramática ou teatral, entre outras. Esses entrelaçamentos de configurações das danças populares permitem observar o dinamismo da cultura popular e abrem um leque de possibilidades de como identificar a dança neste contexto. Isso complexifica a compreensão, porém enriquece e potencializa o alcance das danças populares brasileiras, abarcando suas multiplicidades.

No seu livro Dança Popular: espetáculo e devoção, Marianna Monteiro (2011) apresenta as concepções de popular presentes em alguns autores românticos e de outros folcloristas e, por essa via, observa-se uma crítica ao romantismo, pois muitos saberes e fazeres populares ficaram invisibilizados. Na análise a autora situa a falsificação e obscurecimento do estudo das nossas origens, acumulando ausências de saberes na nossa existência. Conforme o início deste capítulo, o movimento dos folcloristas pela busca de afirmação de uma identidade nacional procurava utilizar-se de um viés da etnografia, apresentando-a como mais rica e precisa nas observações, com mais rigor e investigação das fontes. Porém, para Monteiro (2011), ainda assim românticos e folcloristas alimentavam uma visão negativa da cultura dos dominados que, consequentemente, refletia nas manifestações populares. De um lado, o olhar que distinguia a “ralé” da elite e, do outro lado, o enfoque evolucionista que considerava a cultura do selvagem e do primitivo.

A autora Marianna Monteiro (2011) revisita o passado para compreender as danças populares, como as Danças Dramáticas, de Mário de Andrade, e as Danças Teatrais, e apresenta um olhar político, filosófico, histórico e antropológico da dança popular. Com seu retorno ao passado, ela revela que modelos europeus subjazem os atuais e que a dança traz em seu interior processos ideológicos europeus. Neste

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sentido, no caso do Fandango Paranaense fica perceptível a influência dos padrões europeus nos modos de dançar, na tentativa de refinar e verticalizar os movimentos corporais.

Para a autora, ainda há a visão excludente da dança popular, do ponto de vista da cultura elitizada, e para modificar esse entendimento faz-se necessário ampliar a discussão sobre cultura popular e cultura erudita. Monteiro considera que cultura popular e cultura erudita se retroalimentam e que há um intenso tráfego nas duas direções. Porém as apropriações das danças populares feitas pela cultura erudita ou de massa não dão conta de fazer uma tradução aceitável, e muitas vezes esses são processos de “vampirização”, que, segundo a autora, é “uma antropofagia predatória, por parte da cultura elitizada, incapaz de operar uma síntese fecunda e honesta entre os dois universos” (MONTEIRO, 2011, p. 19).

Neste mesmo sentido, como já foi citado, Desmond (2013) apresenta as danças sociais populares que passam por um processo de embranquecimento, sendo a prática da dança domesticada, atenuada, verticalizada – alinhamento para a dança ficar mais ereta, para que ela seja aceita pelas elites da sociedade, nas quais se pagam professores brancos para aprender versões brancas de danças negras. Essas apropriações nem sempre tomam a forma de empréstimos dos grupos subordinados pelo grupo hegemônico, pois os significados dos movimentos mudam quando transportados para o grupo de adoção, e essas transferências não levam em conta mudanças do significado ideológico que as acompanham. Para Monteiro (2011), este processo é de vampirização, e para Desmond (2013) este processo é de apropriação e remodelamento.

Monteiro (2011) não acredita na dança popular fora do seu contexto, pois ela se enfraquece e dificilmente contamina com sua vitalidade a dança nos palcos ou outros espaços. A dança perde a identidade e autonomia e acaba operando ancorada por meros clichês. Ou seja, a dança popular desvinculada do seu contexto perde o sentido e os signos, pois os significados da sua prática são múltiplos e entrelaçados, qualquer tentativa de deslocamento pode modificar sua tradução e fazer com que a manifestação popular altere sua verdadeira simbologia. No Fandango o deslocamento para fora do contexto é considerado como folclorização da dança, que se descaracteriza para assumir a função de representação de uma determinada realidade.

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A autora reconhece a importância da tradição e a impossibilidade de se pensar a dança popular fora dos seus mecanismos, pois existem nela formas expressivas vindas do passado, porém atualizadas a partir de novas dinâmicas. Para Monteiro, “a percepção dessas cristalizações parece essencial à compreensão dos sentidos das danças populares na sua existência atual” (2011, p. 44). Neste mesmo sentido, Acselrad afirma que:

Estudar esse caráter efêmero e variável dos processos culturais leva-nos a um questionamento acerca do que permanece, mesmo que através de constantes revisões, e do que existe em toda produção simbólica e diz respeito à invenção de novas realidades, do jogo com o dito real, numa sucessão de tempos, espaços e sujeitos (ACSELRAD, 2013, p. 121).

Assim, mesmo que as danças populares apresentem características das tradições elas também passam por processos de invenção da realidade, na qual se atualizam criando novos significados e construções na cultura popular. Considerando os conceitos apresentados no segundo capítulo sobre as tradições e traduções, podemos perceber que para entender as configurações de danças populares brasileiras é preciso compreender esses processos vinculados a essas manifestações, pois dança popular e cultura estão atreladas e são indissociáveis. Assim, os processos tradutórios da cultura popular acontecem sincronicamente com as danças populares brasileiras.

A autora Renata Lima Silva (2012) compreende a dança brasileira contemporânea como uma linguagem híbrida, fruto de um diálogo criador entre a cultura popular e a dança contemporânea, um vínculo entre tradição e contemporaneidade. Ela considera a contemporaneidade como o encontro de diversas formas de pensar e fazer dança na atualidade. Apresenta a necessidade de especificá-la não por uma questão formal, mas por uma questão ideológica de afirmação de identidade cultural. Para ela, há “uma necessidade de divulgar a cultura popular como fonte de saber para além de si mesma e de abordar a dança brasileira contemporânea como uma linguagem que também escreve a história da dança no Brasil” (2012, p. 24). Silva (2012) questiona os saberes marginalizados num país onde ainda são visíveis os conflitos de cor e de classe, e no qual a história da arte apenas referencia teorias ocidentais.

Silva (2012) aborda uma dança brasileira contemporânea, que investiga as danças brasileiras e busca uma linguagem estética para esta expressão, a qual

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contempla a história pessoal, busca de identidade, afirmação de cidadania e respeito à diversidade. Através da sua trajetória pessoal, Silva (2012) reflete sobre o modo de fazer dança contemporânea a partir das matrizes de manifestações da cultura popular brasileira. A autora adota o termo dança brasileira contemporânea na medida em que se interessa pela discussão em torno do diálogo existente e possível da dança contemporânea com a cultura popular brasileira (2012, p. 17). Ainda considera a dança brasileira contemporânea atrelada às matrizes africanas plurais e alicerçada em questões histórico-sociais sobre o negro no cenário nacional.

A dança brasileira contemporânea que aqui defendo é aquela pautada em expressões populares brasileiras. Isto é, aquela que tem a poética corporal elaborada em motivos da corporeidade presente em manifestações dançadas da cultura popular brasileira fundida a parâmetros estéticos fornecidos pela dança contemporânea (SILVA, 2012, p. 19).

Silva (2012) apresenta a seguinte questão: “Que dança é essa?”, e ao longo de suas discussões é possível encontrar algumas pistas, bem como entender a dificuldade de obter uma única resposta que contemple sua compreensão de Dança Popular. Neste mesmo movimento de Silva (2012), não pretendemos aqui responder a esta questão e conseguir conceituar danças populares brasileiras, mas sim discorrer acerca das diferentes configurações de danças populares e apresentar a concepção de corpo adotada pelas autoras. Ao abordar as percepções corporais em danças brasileiras contemporâneas, a autora comenta:

No cerne de mestres e brincantes populares que existem de fato, Seu Firmino impressiona, “com o jeito que seu corpo dá”, “suas pernas fazem miserê, dá rasteira em cobra e nó em corda seca”. No momento da roda da capoeira, de samba, de jongo e tantas outras manifestações populares brasileiras em que se pode encontrar a firmeza de Firmino, vemos o jogo do corpo, movimento no qual a cultura se movimenta no corpo e corpo movimenta a cultura (SILVA, 2012, p. 46).

Partindo da reflexão de que “a cultura se movimenta no corpo e o corpo movimenta a cultura” é que podemos considerar a pertinência das danças populares brasileiras, bem como a complexidade deste mover-se no corpo-cultura como algo de um alcance imensurável, no qual nem sempre as palavras não dão conta de descrever, seja pela impossibilidade de relatar as percepções corporais ou pela abrangência simbólica das manifestações populares. Como afirma Silva (2012, p. 46), “na roda, movimento é o próprio pensamento do corpo” e assim, como

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pensamento, movimento e corpo são constantemente ressignificados. Se conseguirmos compreender as entrelinhas invisibilizadas pela história teremos certamente um campo potencial de pesquisa e articulação de diversas formas de manifestações não apenas artísticas, mas sociais e políticas, pois há nas Danças Populares a pluralidade cultural brasileira e a ampla possibilidade do hibridismo.

No caso do Cavalo-Marinho, investigado por Maria Acselrad, foi a dança no interior da brincadeira que chamou atenção da autora e representou o principal canal de comunicação entre a pesquisadora e seu objeto de estudo. Para Acselrad (2013, p. 22), “a dança possibilitou a compreensão daquilo que significa ser brincador, ao considerarmos dança não apenas um conjunto de padrões de movimento e deslocamentos espaciais no tempo [...], mas possibilitando a compreensão de valores éticos e estéticos ali em jogo”. Para a autora:

As danças populares e tradicionais possuem como elemento principal o fato de que precisam do corpo para acontecer. “Cavalo Marinho é brincadeira de presença”, dizia Bio Roque (dono do grupo Cavalo Marinho Boi Brasileiro). Com o corpo, no corpo e através do corpo se faz dança, música e poesia. Lugar atravessado por desejos e em constante formação e transformação, o corpo aqui desencadeia processos que caracterizam a brincadeira como experiência de multiplicidade subjetiva. Esse corpo extrapola a si mesmo, se expande, se contrai, torce e distorce, se multiplica e, assim como invade, é invadido. Ao nos apresentar formas diferentes de se mover, nos revela formas diferentes de ver e ser (ACSELRAD, 2013, p. 23).

O corpo, nas Danças Populares Brasileiras, é este misto de brincadeira e vida real, de trabalho e lazer, de encontro e presença, de memória e história. O corpo, seja no samba de roda, cavalo-marinho ou em outras danças populares, apresenta uma identidade singular, que se expressa e movimenta de acordo com as vivências e experiências que permeiam seu dia a dia e que contextualizam sua história. É um corpo que exprime memória, ancestralidade e contemporaneidade ao mesmo tempo. Corpo que, ao sambar ou ao bater tamanco – como no fandango –, expressa o que vive das suas tradições e atualizações, no sentido de traduzir sentimentos, desejos e anseios.

O corpo é, dessa maneira, a identidade de cada integrante do samba de roda, não no sentido da escultura físico-corporal, linhas ou curvas que deram muitas vezes o tom de “exótico” ao corpo negro, mas o corpo enquanto lugar da memória e da criatividade (AMOROSO, 2009, p. 91).

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O corpo é lugar da memória e criatividade e por isso ele está atrelado às tradições e aos conhecimentos vindos do passado, bem como conectado ao presente de um modo dinâmico, que permite transformações e ressignificações constantes. Ao olhar para a formação cultural brasileira e para as teias de manifestações e interseções que as relacionam, é possível perceber entrecruzares. Neste sentido, Oliveira (2007 apud SILVA, 2012) apresenta o conceito de encruzilhada, que pode ser considerada como um “entrelugar”: “Partimos do lugar africano que é um lugar desterritorializado. Pela diáspora negra e pela própria aventura humana, o lugar cultural africano tornou-se o entrelugar” (p. 62). A encruzilhada representa para a autora um lugar comum das manifestações, da cultura afrodescendente, do trânsito de identidades. A encruzilhada é apresentada não como um lugar concreto, mas como uma metáfora de tempo-espaço.

A encruzilhada43 ou entrelugar está submetida a diversos tipos de relações de poder, tanto se pensarmos nas tradições como nas tentativas de traduções pelo viés etnocêntrico. As danças populares brasileiras são um modo de resistência e sobrevivência social, e podemos observar isso, por exemplo, nos congos, nos boi- bumbás, na capoeira ou nos sambas de umbigada. No decorrer da história foi possível minimizar o poder que tudo determinava através destas manifestações, algumas vezes com confrontos diretos como as proibições da capoeira e rodas de batuque e outros momentos sem confrontos e através de um espírito brincante, participativo, colaborativo, no qual as relações de poder eram “mascaradas” e transformadas em motivações das festas populares, através das quais os grupos foram se fortalecendo e transformados em potência crítica e criativa.

A encruzilhada se constitui justamente nesse processo de encontro, tensão, paixão, conflito, incorporação, assimilação, sincretismo, que tecem identificações afro-brasileiras, aparentes em costumes, na culinária, na religião, na língua e, sobretudo, no corpo (SILVA, 2012, p. 65).

As encruzilhadas, nessa perspectiva, são vias que tecem as identidades, móveis e transitórias, e que justificam e dão sentido às linguagens, elas são transformadas e reatualizadas constantemente e neste dinamismo dão lugar às singularidades e às alteridades imbricadas no corpo. Enfim, para a autora,

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A autora Oliveira (apud SILVA, 2012) adota o conceito de encruzilhada entendendo-o como um entrelugar.

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encruzilhada é a construção social e histórica da corporeidade na dança popular brasileira. Neste sentido, Oliveira afirma:

Um corpo é uma construção cultural, por isso ele é território dos sentidos. Sente na sua pele os apelos do mundo e sofre em sua extensão o amálgama da cultura. O corpo nunca pode ser reduzido a um conceito, posto que é território da cultura, portanto, lócus da experimentação. O corpo, ao mesmo tempo, significa e é significado, interpreta e é interpretado, representa e é representado. O corpo é, ao mesmo tempo, índice, ícone e símbolo. Daí que o corpo não é apenas um organismo biológico, mas um tecido cultural (OLIVEIRA, 2007 apud SILVA, 2012, p. 66).

O corpo, como tecido cultural, está conectado às dinâmicas sociais e, a partir de territórios distintos, como é o caso dos espaços que ocupam os mestres, brincantes, dançarinos ou tocadores, são construídos corpopulares44, que apresentam fronteiras entrelaçadas, teias culturais inscritas e ressignificadas no corpo através de experiências, fazendo das danças populares brasileiras a tradução da nossa história, memória e ancestralidade.

Entrecortando relações marcadas por identidades específicas, que se fazem múltiplas e em constante construção, as danças populares com suas características transitam pela festa, brincadeira, trabalho, religião e pelo fazer cotidiano. Neste sentido, observamos a especificidade das brincadeiras no fazer popular e a percebemos como parte de um universo transformativo, de fatalidade móvel, sendo as manifestações capazes de conviver com a alteridade, fazendo de cada momento da brincadeira único e singular (ACSELRAD, 2013).

Para Acselrad (2013), é preciso entender que nas danças e manifestações populares a brincadeira é indissociável e dá sentido às práticas; o popular congrega com o universo brincante, repleto de símbolos e signos que produzem a cultura popular e são produzidos por ela. As brincadeiras têm, por um lado, um teor irônico e grotesco das piadas e, por outro, torna a brincadeira algo divino. Para compreender melhor o significado das brincadeiras na cultura popular, Maria Acselrad explica:

Na brincadeira, a beleza é o resultado de uma relação criativa que se expressa através do cuidado com a brincadeira. E a brincadeira, o resultado de uma relação de cuidado que se expressa de maneira criativa com a vida.

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Corpopular, o corpo que quer pular, o corpo popular. Corpopular é o nome criado pelo artista Leandro Medina, que assina o poema que faz abertura do livro Corpopular – Interseções Culturais, organizado por Renata de Lima Silva e José Luiz Cirqueira Falcão.

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Ter uma brincadeira, como afirma Bio Roque, significa “ter uma alegria na vida” (ACSELRAD, 2013, p. 50).

Ao passo que Bio Roque45 afirma que “ter uma brincadeira é ter uma alegria na vida”, a qual envolve uma relação de cuidado, no samba de roda o estado de alegria parte de um estado individual de festa, misto de alegria e prazer, motivado pela música e significado, e inscrito no corpo. “A alegria do samba de roda provoca esse sentimento de êxtase no qual o corpo físico, que pode ser velho ou novo, dá lugar ao corpo-dança, sem idade e fica pleno” (AMOROSO, 2009, p. 95). É possível perceber que tanto o cavalo-marinho quanto o samba de roda são brinquedos de gente grande, os quais não determinam idade, apenas agregam pessoas com disposição em comum, porém o sentimento de alegria possui signos diferentes em cada uma das manifestações – de um lado a relação de cuidado e do outro o estado individual de festa.

Quando uma baiana entra para sambar, faz o seu pinicado e escolhe outra, ela já vem brincando com a outra, jogando com ela como que dizendo com o corpo: “agora é sua vez”. Quando a menina sai para a roda no “sai ô piaba”, no qual ela realiza a mímese do que a letra da música fala, ela brinca, envergonha-se, exprime-se e se revela através do jogo do “agora é sua vez” (AMOROSO, 2009, p. 95).

O jogo em forma de desafio no samba de roda indica ações corporais e exprime a brincadeira, mas os significados destes símbolos podem ir além das brincadeiras e revelar outros sentimentos. No cavalo-marinho, ao mesmo tempo em que Bio Roque afirma que “brincar é ter uma alegria na vida”, a brincadeira também é considerada coisa séria, pois normalmente está atrelada ao trabalho e obrigações, ao ofício, aos saberes e heranças.

O brincador é aquele que gosta de festa, de farra, de samba. Não pode viver sem isso. Precisa da ordem e da desordem que a brincadeira coloca a sua disposição. A vadiação, o namoro, a cachaça, a amizade, o fumo, a alegria são elementos recorrentes nas toadas da brincadeira (ACSELRAD, 2013, p. 48).

E, para dar conta destes dois universos, do trabalho e da festa, a autora sugere que a relação com o improviso na brincadeira seja responsável por esse diálogo, que é uma metáfora da vida do brincador com a relação com a terra,

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Brincante da cultura popular, dono do Cavalo-Marinho Boi Brasileiro. Faleceu em abril de 2010 (ACSELRAD, 2013).

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passando ambas pelo cuidado. As danças populares brasileiras são pautadas nessas dinâmicas da brincadeira, da festa, da coletividade, da multidimensionalidade, bem como da improvisação. No caso do samba de roda,

O improviso acontece também dentro da roda, quando uma sambadeira entra pra sambar e revela a sua individualidade, o seu “jeito” de sambar. [...] Além disso, o improviso salta aos olhos quando a sambadeira entra em diálogo com a viola ou com o timbau, onde é imprevisível a movimentação do corpo e é o instantâneo se revelando naquele momento e espaço que não se repetirá mais daquela mesma maneira (AMOROSO, 2009, p. 91).

A dinamicidade possibilitada pelas danças populares, utilizando o “jogo de cintura” para improvisar, da entrega para dançar, da busca por entender o contexto para poder interagir, do diálogo do dançarino com a música, permite revelar a complexidade e completude possíveis em cada manifestação popular. Isso não responde a modelos predeterminados, mas se transforma e ajusta constantemente, de acordo com as relações, necessidades e particularidades, tanto do local na qual está inserida quanto aos dançarinos, brincadores e público.

Amoroso revela a participação e interação do público no samba de roda, o qual ora é participante sambando junto na roda, ora é plateia, especialmente nas apresentações em palco. Para ela, “o samba de roda revela-se, dessa maneira, como um elemento aglutinador das pessoas em torno da festa” (AMOROSO, 2009, p. 83). Tanto no samba de roda como em outras danças populares é possível perceber este caráter da coletividade, da proximidade e da interação entre dançarinos e público, ambos relacionados por interesses em comum.

“O samba de roda é coletivo, é alegre, é festivo” (AMOROSO, 2009, p. 94). Essas características do samba também podem ser identificadas no boi-bumbá, nos sambas de umbigada, no cavalo-marinho e também no Fandango Paranaense. Diferentes manifestações populares, com características díspares, mas com desejos e alcances similares, como o sentido de festa.

O estado de festividade do coletivo no samba de roda cria o que posso chamar de uma atmosfera de festa. Essa atmosfera festiva é determinada