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1 AMANHECEEE!!!! O FANDANGO DA ILHA DOS VALADARES – UMA

3.1 DOS BATIDOS AOS BAILADOS – CONTEXTUALIZAÇÃO DO FANDANGO

O fandango Deus deixou Pro regalo da pobreza Quem se mete com fandango Não se lembra da riqueza Versos de Fandango da Ilha dos Valadares

O Fandango Paranaense ou Fandango Caiçara23 é uma manifestação popular do sul do Brasil que reúne dança e música, com complexidade estético-artística, assim, não possui uma única configuração, mas compreende múltiplos formatos

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O caiçara é fruto do aporte cultural dos europeus, negros e índios, que viviam da pesca e da agricultura. Tendo vasto conhecimento do mar e da mata, sobretudo o que diz respeito à previsão do tempo, fundamental para a pesca e plantio, através de sinais como o tipo do vento, de nuvem, de maré, de corrente marítima, de fases e posições da lua (DIEGUES, 2004).

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(IPHAN, 2011). Em cada localidade existem características específicas, criando uma realidade artística rica e variada.

É possível dizer que ele possui múltiplas matrizes, pois é rico em detalhes e técnicas, derivadas de diversas influências. Fandango reúne a ideia de festa, realizado sempre sob a forma de divertimento coletivo. Não é possível dançar nem tocar fandango sozinho. Ainda hoje são os mestres que constroem seus instrumentos e tamancos para a dança. É uma manifestação popular, como tantas outras, que envolve grande parcela da comunidade (DIEGUES, 2004).

Para Azevedo (1973, p. 32), “o Fandango, no Paraná, é uma festa típica dos caboclos e dos pescadores habitantes da faixa litorânea do estado, na qual se dançam várias danças regionais, denominadas marcas de Fandango”. O Caderno sobre o Fandango “Mestre Eugênio e os tocadores de Paranaguá” descreve o fandango como “uma dança de origem híbrida, dançada no seu início no litoral do Paraná por negros e índios, com aspectos resultados da fusão das culturas portuguesa, espanhola, africana e indígena” (SONORA BRASIL, 2002, p. 4).

O Fandango Paranaense acontece em diversas ilhas das cidades de Paranaguá e Guaraqueçaba e na cidade de Morretes. O locus desta pesquisa é a Ilha dos Valadares, pertencente ao município de Paranaguá, no Paraná. Conforme Diegues (2004), essa região está entre as primeiras colonizadas pelos ibéricos, tanto espanhóis quanto portugueses, que em inícios do século XVI disputaram a posse dessa terra de fronteira. Esses colonizadores encontraram aí povos nativos de origem Tupi que tinham sido precedidos por outros que deixaram um grande número de sítios arqueológicos. A contribuição dos povos indígenas foi essencial para a constituição dos instrumentos usados para a pesca, a caça e a produção de farinha de mandioca, dos falares locais, dos nomes de acidentes geográficos, da fauna e da flora.

O processo de colonização desta região foi de apogeus e decadências, e assim surgiram os caiçaras, resultado da miscigenação entre os colonizadores ibéricos, os índios e, posteriormente, os negros africanos.

Na segunda metade do século XVI, a busca pelo ouro deslocou os primeiros migrantes em direção à baía de Paranaguá. A exploração do ouro, intensificada nas primeiras décadas do século XVII, foi de fundamental importância para a ocupação do território de Paranaguá. [...] Em 1660, Paranaguá tornou-se Capitania, passando à condição de cidade em 1842. A baixa produtividade das minas da baía de Paranaguá, associada à

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descoberta do ouro em Minas Gerais – em fins do século XVII –, levou a região a uma grave crise. O grande fluxo migratório em direção a Minas provocou o esvaziamento populacional e econômico de grandes áreas produtoras [...] (PIMENTEL; GRAMANI; CORRÊA, 2006, p. 50).

Embora o esvaziamento da região tenha resultado em estagnação econômica, foi o movimento da mineração que povoou Paranaguá e suas pequenas ilhas. Através do porto de Paranaguá e da navegação costeira o Paraná estabeleceu relações econômicas com todo o país, sendo seu principal meio de transporte. Além da estagnação econômica derivada da exploração de minérios em Minas, Paranaguá passou por outros processos de decadências, tais como a especulação imobiliária e as leis ambientais, que foram determinantes para o êxodo de caiçaras. “Boa parte dos moradores da Ilha dos Valadares, onde reside a maioria dos fandangueiros de Paranaguá, veio justamente de Guaraqueçaba” (PIMENTEL; GRAMANI; CORRÊA, 2006, p. 50).

O folclorista Inami Custódio Pinto apresenta, em uma entrevista, outra justificativa além do êxodo resultante das leis ambientais para o povoamento da Ilha dos Valadares:

A Ilha de Valadares estava mais perto de Paranaguá, ela se tornou uma ilha de grileiros [...]. Tinha gente que vinha da IIha do Teixeira, Ilha do Mel, de Guaraqueçaba, de todos os cantos, atrás de assistência na “capital do litoral”, que seria Paranaguá. E não encontrando, pra não ter que voltar e morrer tão longe, eles faziam suas casinhas na Ilha de Valadares (SOUZA NETO, 2004, p. 227).

Muitas famílias vindas de Guaraqueçaba e região povoaram Valadares e compuseram sua população. Fortes (2004) descreve que os caiçaras tinham a família como unidade social de produção na roça, onde havia divisão de trabalho entre homens, mulheres e crianças. Nos trabalhos mais pesados, como um plantio de roça grande ou na colheita de arroz, usava-se o mutirão24 ou puxirão, que consiste em uma forma de ajuda mútua entre os caiçaras. Normalmente o mutirão ocorria nos fins de semana, quando os vizinhos cooperavam com um sitiante. Essa forma de colaboração coletiva não tinha somente função produtiva, era também o estreitamento de laços sociais.

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Mutirão: também conhecido como pixirão ou puxirão, ocasião em que os vizinhos auxiliavam o dono da casa nos trabalhos da roçada ou plantação, após a plantação ou colheita o dono da casa oferecia um Fandango de agradecimento, o que era muito apreciado pelos trabalhadores.

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Ao final de um dia de mutirão acontecia o Fandango, que era paga de trabalho, a festa envolvia muita música, dança, comidas e bebidas típicas. Desta forma, o Fandango possui caráter tanto de festa como de trabalho, estando atrelado a estes dois universos, sendo impossível dissociar essas práticas para fazer Fandango.

Se, por um lado, o fandango feito na ilha pode ser considerado um divertimento trabalhado, por outro, o fandango pode ser também apreendido enquanto obrigação. Para os moradores da ilha, o fandango é acima de tudo uma “função”. Há que se trabalhar muito para se fazer um fandango, seja para preparar o espaço da festa, seja para construir seus instrumentos. Fandango e trabalho são atividades que não se desvinculam (MARTINS, 2006, p. 3).

O Fandango ainda possui este caráter de “função”, mas os mutirões foram ressignificados. Outras formas de ajuda mútua acontecem nas Ilhas atualmente, seja um mutirão para preparar um baile, para fazer uma peixada, ou ainda para apanhar caranguejo no mangue. O trabalho coletivo acontece, e ao fim do dia é possível se divertir cantando e dançando Fandango. A manifestação só pode ser apreciada dentro do universo da cultura popular, de trabalho e festa, da construção de instrumentos e da culinária caiçara.

Para a festa do Fandango acontecer, a comunidade, ainda hoje, mesmo com todas as mudanças nesse processo, precisa se mobilizar. Há a necessidade de se conseguir um local para a realização do baile, alguém tem de chamar os músicos, há que convidar a todos que queiram comparecer. [...]. Providencia-se a comida, o tradicional barreado e a bebida, a mãe c‟á filha (mistura de aguardente com melado) e o fuscão preto (feito com vinho, aguardente, cravo e canela). Todo esse movimento vai abastecendo as pessoas de novas histórias, fortalecendo e recriando as relações entre elas, além de servir de ponto de encontro, de despertar lideranças, namoros, disputas, piadas e diversão para a semana, ou até que o próximo fandango se realize (MARCHI, 2004, p. 488).

A configuração histórica do fandango me instigou a pesquisá-lo, pois as poucas referências que encontrava traziam um pessimismo em relação ao futuro do Fandango, dando a ele uma vida de no máximo algumas décadas. Segundo Azevedo (1973, p. 33), “O Fandango tem, no Paraná, uma vitalidade e uma pureza raras, embora a tendência, em nossos dias, seja para o seu total desaparecimento, dentro de mais duas ou três gerações”. A preocupação maior era que os mestres do Fandango estavam envelhecendo e os jovens já não eram mais atraídos por esta prática, havia um desinteresse e a perda de valores culturais. Azevedo

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complementa, “os que mantêm a tradição do Fandango vívida e pura são os velhos e os homens feitos. Os jovens da nova geração já não querem dançar o Fandango, sentem-se envergonhados e preferem danças modernas” (1973, p. 34). Neste sentido, pode-se afirmar que houve um enfraquecimento do Fandango durante algumas décadas, no sentido de os mais jovens não compreenderem a cultura caiçara como deles, porém, conforme Martins (2006):

Podemos afirmar que nunca ouviu se falar tanto em Fandango como na última década. Parte deste contexto se deve ao renovado interesse urbano por temas que envolvem a cultura popular. Este é um movimento de revalorização da “cultura que vem do povo” (MARTINS, 2006, p. 6).

Mesmo que exista este movimento mais intenso de pesquisadores interessados no fandango, ainda assim há campo para ser explorado e investigado dentro do universo desta manifestação.

Para dar seguimento a esta contextualização se faz necessário apresentar uma breve descrição sobre a música do Fandango para, posteriormente, investigar a dança.

Segundo Martins (2006), o Fandango tem para seu acompanhamento um pequeno conjunto musical, composto por uma ou duas violas caipiras, uma rabeca25 e um adufo (ou pandeiro). O tamanco de madeira também é utilizado como instrumento vital para produzir som nos fandangos batidos. Os cantos são tirados pelos dois violeiros, em vozes paralelas, e podem ser tradicionais ou improvisados. Grande parte dos músicos, residentes das Ilhas, trabalha em suas oficinas na fabricação dos instrumentos do Fandango.

A viola e a rabeca são construídas pelos próprios pescadores, de uma madeira denominada cacheta. A cacheta é uma árvore grande e grossa, útil para construção, e que não é afetada pelo cupim. No corpo da viola fazem incrustações de canela ou imbuia, representando pombinhas ou desenhos geométricos (AZEVEDO, 1973, p. 34).

Com as leis ambientais o manejo da cacheta foi proibido e os pescadores não puderam mais utilizá-la na construção dos instrumentos, e hoje outras madeiras são utilizadas, porém o som dos instrumentos não é o mesmo que o das violas e

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A rabeca é um instrumento musical de cordas friccionadas, aparentado ao violino, tido como sua versão mais rústica ou primitiva. É provável que tenha chegado ao Brasil nos primórdios da colonização portuguesa.

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rabecas construídas com a cacheta. Os músicos reclamam que diminuiu a qualidade do som dos instrumentos. Também “existem combinações diferentes dos instrumentos, como a inclusão de alguma percussão fazendo um papel próximo da caixa, ou duas colheres tocadas pelo avesso e até chocalho” (MARCHI, 2004, p. 486).

No caso do Fandango Paranaense há um diálogo entre os músicos e batedores26, em alguns momentos não é possível ao olhar estranho, distante e alheio, compreender os acontecimentos. Por exemplo, ao assistir a uma apresentação não conseguimos perceber que existe uma inversão de regência entre um dos violeiros e um dos batedores de tamanco. Assim, ora o mestre é o violeiro, ora é o batedor. Essa dinâmica, que pode ser, inclusive, sem marcações prévias, ou seja, improvisada, consiste numa troca sutil, é um movimento corporal, um olhar e uma expressão que determinam se o comando é da música ou se é da dança. O universo do Fandango está rodeado de brincadeira e improvisação, na tentativa de desestabilizar o outro, em um constante desafio, diálogo e provocação.

É difícil dissociar música e dança do Fandango, pois, além do tamanco ser uma percussão para a música, há uma dialogia constante entre batedores de tamanco e tocadores de viola e rabeca, que, por vezes, soa como desafio e outras como uma conversa de compadres. Apesar deste processo imanente, apresentaremos em separado a dança, que, apesar de eleita como objeto desta pesquisa, se compõe pelos elementos da música, sendo complementares no Fandango.

Fandango é um conjunto de danças e marcas que são divididas em valsadas e batidas. Segundo Azevedo (1973), a marca batida é realizada pelo sapateado dos homens, que consiste no batido do tamanco forte e barulhento, que abafa quase completamente a música do conjunto, e esse bater do tamanco chama-se, em alguns lugares, rufar, em roda acontece a evolução da coreografia, aos pares, com as mulheres. As valsadas ou bailadas acontecem no intervalo das batidas. O Fandango valsado é considerado um bailado e a cada batido são dançados dois bailados, é o momento no qual os batedores descansam para os próximos batidos.

As marcas e modas são denominações que os fandangueiros utilizam para definir os diferentes momentos do fandango. As chamadas marcas são

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aquelas onde acontece o batido de tamancos acompanhados por evoluções em roda, sempre em sentido anti-horário, para isso é necessário um conhecimento prévio das marcas por parte dos dançadores a fim de executarem as complexas coreografias. [...] quem bate tamanco são somente os homens, acompanham os tocadores através de diferentes frases rítmicas. As mulheres conduzem a roda com alguns movimentos que podem ser chamados de passeado. Cada marca exige um tipo de performance dos fandangueiros, sendo várias as coreografias executadas por pares em meio ao salão (MARTINS, 2006, p. 4).

Segundo os mestres de Fandango da Ilha dos Valadares, existiam mais de trinta marcas batidas, porém na pesquisa de campo pude constatar que atualmente aproximadamente dez marcas são praticadas, entre elas estão: Anú, Xará, Queromana, Feliz, Marinheiro, Xarazinho e Tonta. Outras marcas batidas como Sapo, Caranguejo e Vilão de Lenço foram citadas pelos mestres como fazendo parte do repertório coreográfico, porém não vi os grupos dançando-as em ensaios ou apresentação27. As demais foram esquecidas ou deixaram de ser executadas pelos fandangueiros. O mestre Romão28 atribui o esquecimento das marcas à falta de músicos que tenham o repertório musical ampliado para acompanhar o Fandango batido. As marcas batidas que não se praticam mais não possuem registros além da memória dos mestres. Azevedo (1973, p. 33) afirma: “temos registrado perto de trinta marcas diferentes e muitas outras existem ainda, próprias de cada região em que se dança o fandango”. Apesar desta afirmação de Azevedo, alguns registros estão presentes apenas na recordação dos mestres e outros já foram esquecidos, a documentação registrada pelo autor é de grande importância para o Fandango, mas ela constitui-se de apenas algumas marcas, que já passaram por transformações e foram ressignificadas, ao passo que outras marcas e coreografias são desconhecidas pelas novas gerações. A documentação não foi atualizada e apresenta lacunas, precisando passar por novas traduções.

O ambiente para essa dança precisa ter o assoalho com tábuas de madeira largas e flexíveis, atualmente um tablado de madeira substitui as tábuas largas. Antigamente os salões de Fandango possuíam um buraco abaixo do assoalho, com alguns metros de diâmetro e profundidade, para que tivesse a função um tambor

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Essas marcas não serão descritas por não ser este o foco desta investigação.

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Entrevista concedida por Romão Costa. Entrevista I [dezembro. 2015]. Entrevistadora: Thais Ferreira. Paranaguá, 2015. 1 arquivo .mp3 (53‟27‟‟).

Romão Costa, dança fandango desde os 12 anos de idade, aprendeu muito sobre o fandango com seus pais. Foi este conhecimento que lhe rendeu o título de “Mestre”, pois “Mestre”, em fandango, é aquele que domina todas as marcas (NOVAK, 2005, p. 56).

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gigante, desta forma o som da Ilha de Valadares podia ser ouvido em Paranaguá e outras localidades. Segundo o folclorista Inami Custodio Pinto,

Para a tamancada ressoar a quilômetros de distância, eles faziam uma cava embaixo do salão de quatro a cinco metros de diâmetro e um e meio de fundura. Enchiam de água e tinham um condutor. Então, eu tenho registro de que quando batiam aqui na Ilha de Valadares, lá em São Francisco do Sul (SC), Guaratuba, escutavam o bater dos tamancos. Isso porque a água é um condutor de som por excelência (NETO, 2004, p. 227).

Muitas características históricas do fandango se perderam, por exemplo, os dançadores batem tamanco na maioria das vezes sobre o tablado, mas já pude acompanhá-los em palco sem essa estrutura adequada. As ausências da dança do Fandango se justificam pela sua configuração histórica, e, ao observar a dança, é possível compreender as relações culturais, sociais e políticas a que os caiçaras foram submetidos durante um longo período da história.

Na sociedade paranaense do século XIX as classes dominantes viveram um processo de diferenciação cultural do restante da população. Essa cisão se manifestava exemplarmente no ato de dançar. As famílias morigeradas promoviam bailes e funções por motivo de “regozijo particular”, ao mesmo tempo em que acusavam os bailes populares de ajuntamentos para “dar pasto à devassidão” (PEREIRA, 2004, p. 64).

O professor e pesquisador Magnus Pereira (2004) apresenta a dança em dois espaços distintos, realizada ora pela burguesia, ora pela classe popular no mesmo momento da história. No começo do século o Sargento-mor organizou uma demonstração de danças como a chula e o anu, que correspondem hoje a fandangos regionais, a descrição apresentada foi a seguinte:

O Sargento-mor não se limitou a fornecer a música; cuidou também para que houvesse dança. [...]. Os convidados dançaram aos pares uma dança muito semelhante às antigas alemanas, e outras danças a quatro e denominadas, na região, de anu e chula, em que os dançarinos fazem uma espécie de sapateado, dobrando os joelhos, e que não deixam de ter seu encanto (PEREIRA, 2004, p. 66).

Os processos de ressignificação das tradições possibilitaram negociação das diferenças no Fandango, que ora assumia uma dança organizada e sistematizada em função de uma elite, ora apresentava a dança como expressão da cultura de origem, em que movimentos corporais refletiam sentimentos, desejos e anseios. De um lado, o encanto da dança da classe morigerada e do outro a intensidade da

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maneira de dançar das classes populares, descrita pelo engenheiro inglês Thomas Biggwither, que teve a oportunidade de vivenciar um fandango:

Em passo batido e lento, mas rítmico, acompanhando as violas, os homens começaram primeiro a dança, adiantando-se e retirando-se para o centro do círculo alternadamente, e as mulheres também, batiam os pés, mas não avançavam. Ao fim de doze compassos musicais, todos em conjunto, homens e mulheres, batiam palmas três vezes, o que servia de sinal para que todos dessem maior intensidade aos movimentos de corpo e batessem com mais força no chão. Durante aqueles minutos que pareciam intermináveis, tivemos então de bater os pés também sobre o soalho pesado, sacudir os braços e o corpo e bater palmas. À proporção que a dança continuava a agitação ficava mais forte, a voz se transformava em grito, o menear do corpo, antes gracioso, tendia a contorções violentas (PEREIRA, 2004, p. 64).

Essas contorções violentas se referiam a movimentações sensuais, que ofendiam as classes dominantes, e, a partir de leituras eurocêntricas de danças populares, o Fandango ficou à margem da sociedade no Brasil Império, no qual chegou a ser proibido por ser considerado lascivo. Anos depois, no período do Brasil República, surgiu uma tentativa de resgatar o fandango, nesta época ele recebeu uma permissão para que pudesse ser realizado, porém as prefeituras cobravam uma taxa exorbitante para a casa que tivesse a intenção de realizar o Fandango, de forma que os caiçaras não puderam mais praticá-lo como atividade social dos grupos.

Para Magnus Pereira (2004), é provável que as danças populares daquela época pouco se parecessem com os seus resquícios pasteurizados hoje reconhecidos como manifestações folclóricas. Para ele,

Muitas das danças latino-americanas, quer as dos brancos, quer as dos negros, eram pantomimas sexuais. A insistência no aspecto da lascívia das danças paranaenses mais antigas deve-se principalmente a um motivo: deixar claro que o principal móvel das proibições aos fandangos foi a nova moral burguesa adotada pelas classes dominantes locais. Em alguns momentos, transparece na legislação pertinente um certo cálculo econômico, ou seja, que ao proibirem as danças, os senhores procuravam impedir que seus escravos e empregados gastassem energia em atividades não produtivas. Embora não se possa desconsiderar completamente este aspecto, ele decerto não foi decisivo (PEREIRA, 2004, p. 65-66).

A burguesia, como cultura elitizada, submeteu os modos de vida da classe popular aos seus interesses, criando estratégias de negação da cultura popular, que foi negligenciada neste processo. Em relação aos fandangos, essa postura

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influenciou a limitação da sua prática e descontinuidade em todo o litoral paranaense, e, apesar das proibições às classes populares, eram dadas permissões através de licença de autoridade policial para a elite local realizar os bailes públicos. Num espaço de tempo, as classes baixas urbanas começaram a adotar as maneiras de dançar da elite, e apenas nos sítios ainda se reconhecia o Fandango.

A partir deste momento a cultura popular precisou negociar as diferenças com