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5 Ô DE CASA! ENTRE TAMANCOS, RABECAS, CAIÇARAS E BARREADOS –

5.4 FANDANGO – REGISTRO COMO PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL

A partir da discussão anteriormente apresentada relacionada às políticas públicas para o Fandango, enfatizando a relação do trabalho com a festa/baile, apresenta-se este subcapítulo que aponta para a compreensão da importância do registro do Fandango como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro (IPHAN) e, assim, discorrer como os mestres do Fandango percebem as transformações neste percurso. Para este entendimento, é importante ressaltar que, segundo o IPHAN,

[...] os bens culturais de natureza imaterial dizem respeito àquelas práticas e domínios da vida social que se manifestam em saberes, ofícios e modos de fazer; celebrações; formas de expressão cênicas, plásticas, musicais ou lúdicas; e nos lugares (como mercados, feiras e santuários que abrigam práticas culturais coletivas). A Constituição Federal de 1988, em seus artigos 215 e 216, ampliou a noção de patrimônio cultural ao reconhecer a existência de bens culturais de natureza material e imaterial (IPHAN, Instrumentos de Salvaguarda).

Assim, o IPHAN apresenta um plano de salvaguarda68 das manifestações registradas, neste caso o Fandango Caiçara, que considera os modos de vida e representações de coletividades humanas e o princípio do relativismo cultural de respeito às diferentes configurações culturais e aos valores e referências, compreendidos a partir dos contextos em que se inserem. Por outro lado, também reconhece a diversidade cultural como definidora da identidade cultural brasileira, incluindo referências significativas dessa diversidade.

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Salvaguardar um bem cultural de natureza imaterial é apoiar sua continuidade de modo sustentável, atuar para melhoria das condições sociais e materiais de transmissão e reprodução que possibilitam sua existência. O conhecimento gerado durante os processos de inventário e registro é o que permite identificar de modo bastante preciso as formas mais adequadas de salvaguarda. Essas formas podem variar da ajuda financeira a detentores de saberes específicos com vistas à sua transmissão, até, por exemplo, a organização comunitária ou a facilitação de acesso a matérias- primas. Para a implantação do Plano o requisito básico é a inscrição de um bem cultural em um dos Livros de Registro do Iphan (IPHAN - http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/684/.).

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Neste sentido, “os anos 1980 marcam a crescente organização e articulação dos caiçaras, que contaram com o apoio de organizações não-governamentais, de centros de pesquisa de diversas universidades [...] que os auxiliaram na reconstrução de sua identidade” (DIEGUES; COELHO, 2013, p. 93).

Porém acredita-se que o movimento de salvaguarda antecede este período, sendo desenvolvido pelos próprios caiçaras no interior das comunidades. Os mestres das comunidades caiçaras assumiram papel relevante neste sentido, pois podem ser considerados a memória viva da cultura popular, e “sabemos que é exatamente por meio da memória que se constrói a noção de patrimônio cultural” (DIEGUES; COELHO, 2013, p. 94). Neste sentido, Leite (2011) afirma que o patrimônio cultural está ligado ao território e à memória, ambos operando como vetores de identidade. Nos autos do processo de registro do Fandango Caiçara consta:

Sendo o fandango uma prática já enraizada e repleta de significados torna- se uma manifestação de referência cultural para as comunidades que os executam. Através do fandango se revelam e se atualizam formas, valores, ritos e crenças, tornando-se o registro um importante instrumento de reconhecimento e sustentabilidade para essa prática. Com a instituição do fandango enquanto um bem de caráter imaterial almeja-se o fortalecimento de condições para a sua reprodução resguardando toda sua complexidade e dinâmica própria. [...] O reconhecimento do fandango caiçara como patrimônio cultural é também elemento fundamental para a conformação [das] leis [ambientais] ao abrigo e à permanência das populações tradicionais que habitam a região, de modo a facilitar a continuidade dos ofícios e práticas culturais (Documento constante dos autos do processo de registro nº 01450.014268/2008-59 do DPI a respeito do Fandango Caiçara, fls. 22, apud DIEGUES; COELHO, 2013, p. 95).

Assim, “a forma de expressão denominada Fandango Caiçara ressurge como fruto desse movimento pela retomada da identidade, na tentativa de a comunidade tradicional caiçara se autorreconhecer” (DIEGUES; COELHO, 2013). Para o IPHAN (2011), já é percebida

[...] em ação toda uma rede ativada de trocas e também de sociabilidade, que conecta e mobiliza os participantes, colocando-os em relação, sejam eles tocadores, dançadores, construtores de instrumentos, jovens e velhos, turistas, pesquisadores, gestores culturais e agentes governamentais (IPHAN, 2011, p. 42).

A partir dessas ações se estabelece um momento de diálogos e trocas entre todas as esferas sociais, afirmando assim o dinamismo das culturas populares.

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“Neste circuito entre fandangos, criam-se redes onde as trocas ocorrem em nível material e simbólico, trocam-se: versos, cd‟s, fotografias, instrumentos, afinações, saberes de uma identidade em constante construção” (IPHAN, 2011, p. 45-46).

Durante a pesquisa de campo pude compartilhar dois momentos distintos relacionados à salvaguarda do fandango, a data em que o Fandango recebeu o título do registro, em agosto de 2014, e um ano depois. Percebi uma vivacidade e uma mobilização muito significativa dos caiçaras em 2014, mas em 2015 senti que aquela sensação tinha um tom mais realista e menos sonhador. Assim, acrescentei na entrevista a questão acerca das mudanças políticas a partir do registro do Fandango como Patrimônio Cultural Imaterial.

Dentre as respostas, três mestres, Nemésio, Brasílio e Luiz Carlos (representando o Mestre Romão) concordaram em dizer que desde a data não houve mudanças políticas. Para o mestre Nemésio, “não teve nada, nenhuma mudança, não teve política nenhuma, nosso fandango continua porque nóis tamo vivo, e se nóis fosse depende do fandango morria de fome” (COSTA, 2015). Neste mesmo sentido, o mestre Brasílio afirma: “Não mudo nada, fico a mesma coisa, já passo quase dois ano e tá tudo igual... até agora nada!” (FERRES, 2015). E Luiz Carlos complementou: “Sinceramente, não vi mudança, existe muita boa vontade, mas pouca praticidade, existem boas intenções, mas nada de ações [...]” (AGUIAR JR., 2015).

Apesar de entender que a salvaguarda é uma ação do governo federal, reconhecemos que há uma parceria com estados e municípios. Conforme o IPHAN, reconhece-se a inclusão, no patrimônio a ser preservado pelo Estado em parceria com a sociedade, dos bens culturais que sejam referências dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. Neste sentido, IPHAN e sociedade precisam estabelecer parcerias para salvaguardar a manifestação. Assim, os mestres questionam alguns posicionamentos, em especial da Prefeitura de Paranaguá, por exemplo, a Casa do Fandango, que foi anunciada aos caiçaras durante o evento da entrega do registro, mas que não se transformou em ação. Também apresentaram insatisfação com questões relacionadas aos cachês e à lei dos mestres, reinvindicações que contribuiriam para a salvaguarda do fandango, mas, como disse Luiz Carlos, “não passaram de boas intenções”.

Mestre Aorélio comenta que o processo ainda está em discussão: “Não se fez acontecer, mas a discussão existe, foram oportunizados vários momentos de

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conversa entre as comunidades e governo federal” (DOMINGUES, 2015). Para ele, hoje em dia “o Fandango chega em qualquer ambiente de encontros de culturas populares brasileiras marcando território... marcando o território caiçara como uma das questões da diversidade cultural brasileira” (DOMINGUES, 2015).

O registro tem sua importância, pois, a partir dele, o governo tem compromisso com a salvaguarda dessa manifestação. Aorélio Domingues (2015) conta que existem editais do governo federal voltados só para manifestações registradas, assim o título do registro dá mais crédito ao Fandango, mas reconhece que muitas coisas que ainda estão sendo discutidas não foram implementadas.

Frente às divergências entre os relatos dos mestres acerca das mudanças após o registro do fandango, principalmente do Mestre Aorélio com os demais, é possível perceber que há falhas na comunicação e, ao mesmo tempo, desconhecimento. Assim, questiono: Por que os outros mestres não comentam, não sabem ou não participam dessas discussões? Foi realizado um mapeamento de quatro grupos, mas nas discussões é centralizada a voz de apenas um mestre? Ou, se os outros grupos participam, por que os mestres não apresentaram este conhecimento nas entrevistas? Ou, ainda, por que para os mestres não fica evidente que as discussões de que participam são decorrentes do registro e do plano de salvaguarda do Fandango?

Essas questões apontadas não apresentam respostas, mas sim uma problemática criada a partir do registro do Fandango pelo IPHAN relacionada aos fluxos de informações e debates, pois, se as discussões estão em processo e existem algumas políticas públicas para garantir a salvaguarda, como é o caso dos editais, então isso deveria ser comunicado em linguagem acessível e de forma descentralizada e, assim, alcançar os interessados no sentido de possibilitar a participação de todos e garantir os mesmos direitos.

Acredita-se que devem ser criadas estratégias para comunicar a todos e esclarecer os encaminhamentos decorrentes do registro do Fandango como Patrimônio Cultural Imaterial, pois assim não serão apresentadas divergências nas opiniões dos mestres que não conseguem identificar que o plano de salvaguarda vem sendo realizado, mesmo que, de maneira sutil, baseado em discussões, isso venha acontecendo.

Os mestres da cultura popular precisam se articular com as políticas públicas, e as instituições – como o IPHAN e a FUMCUL – precisam facilitar esse acesso e

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diálogo. Pude, durante um breve retorno à Ilha dos Valadares em janeiro de 2016, conversar com Mestre Zeca, que, em 2015, prestava serviço para Fundação Municipal de Cultura de Paranaguá como professor de viola caipira e rabeca, porém ele relatou que em 2016 não poderia dar sequência às aulas porque a FUMCUL abriu edital para inscrição de oficinas que seriam realizadas em 2016 e ele, além de não ser informado, declarou que não saberia escrever um projeto – “[...] alguém tinha que me ajudar. Aí, eu perdi! Vô trabalha com a carpintaria”.

Apesar de o Mestre Zeca comentar que não teria problema em não dar as aulas, ele disse que era um dinheiro bom que o ajudava, mas o que o deixava mais triste é que os alunos que tinham aulas gratuitas na FUMCUL agora ficariam sem aula ou precisariam pagar por elas. E, assim, teriam menos aprendizes interessados na cultura popular da Ilha dos Valadares. Isso expressa a realidade das ações políticas perante a comunidade caiçara, que muitas vezes obliteram a continuidade da manifestação quando o interesse e proposição deveria ser salvaguardar.

Assim, neste capitulo foi possível discorrer sobre algumas problemáticas que surgiram durante as vivências do campo, bem como apresentar peculiaridades da Ilha. Esses apontamentos são complementares aos capítulos anteriores e apresentam uma proximidade da pesquisadora com relações pertinentes do campo. E abrem espaços para novas discussões a partir das questões levantadas. Essa tradução é contextualizada ao período do campo e reflete a experiência da pesquisadora em contato com a coletividade do fandango, sendo assim, a leitura das entrevistas e das vivências é por um olhar subjetivo, sendo esta tradução uma versão dos processos de tradução do fandango, que podem ser ressignificados por um novo olhar em outro processo de imersão.

Ao considerar que o Fandango está sempre em processo apresento algumas informações obtidas após a pesquisa de campo, que dão novos sentidos a algumas descrições acima.

A primeira informação refere-se às oficinas de rabeca e viola caipira ministradas pelo mestre Zeca, o qual no período da pesquisa de campo comentou que estaria afastado deste ofício no ano de 2016 por não ter inscrito projeto para o edital da Fundação Municipal de Cultura de Paranaguá. Houve uma mudança, visto

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que em março de 2016, um email informativo da FUMCUL apresenta a divulgação das oficinas do mestre.

A segunda informação refere-se ao mestre Brasilio Ferres, afastado do fandango por questões de saúde e religiosas. No dia 23 de abril de 2016 recebi por meio de mensagem instantânea do Sr. Siqueira (cinegrafista do Fandango), a notícia do retorno do mestre ao Mercado do Café. Nessa data recebi fotos do mestre Brasilio tocando viola caipira e dançando Fandango batido, o que ocorreu em decorrência da sua possível desfiliação à religião evangélica.

A terceira informação refere-se à construção da Casa do Fandango em Paranaguá, obra tão esperada pelos mestres. No dia 26 de abril de 2016 reuniram- se mestres do Fandango na FUMCUL para conhecerem o desenho na planta do novo espaço.

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ARREMATE – ao som e na reverberação dos batidos do tamanco

Lá vai outra despedida Agora sim é verdade Vou cantar no Valadares Pra escutar em outras cidades Versos de Fandango da Ilha dos Valadares

Agora sim é verdade... o arremate, a despedida do que se fez no Valadares pra ecoar em outras cidades. No momento do arremate os batedores de tamanco se concentram no batido forte e percussivo com a intenção de finalizar a dança fazendo a poeira do tablado subir e as tábuas vibrarem. O batido é intenso, enérgico, demanda força e concentração, ritmo e sincronia. Assim como o batido do arremate, se fez esta pesquisa – intensa na relação com o campo, enérgica na processualidade da escrita, demandou força e concentração na busca por pistas e no desvelar caminhos, e apresentou ritmo e sincronia na construção do conhecimento relacionando teoria e prática.

O fandango pediu passagem e a pesquisa se fez no processo, articulada a três questões que nortearam a problemática apresentada. Para as considerações finais faço uso de cada uma delas delineando o caminho percorrido e expressando as distintas possibilidades no caminhar, que não levam a um fim, mas são meios de encontrar novos caminhos e novos significados.

A primeira questão, “Em que medida a abordagem da tradição contribui para distintos processos de tradução cultural?”, possibilitou pensar a contextualização histórica do fandango e o que reverberou dos processos de tradição nas traduções apresentadas. Antes de tudo é preciso deixar claro que as traduções são constantemente ressignificadas, tanto pela ótica do pesquisador quanto pela cultura dinâmica e movente. E este processo de tradução cultural do fandango foi permeado por vivências e experiências subjetivas compostas por hibridismos, mas construída na coletividade da manifestação.

As questões emergentes do campo, como os processos de colonização que acompanharam o fandango caracterizando e estilizando-o, foram imprescindíveis para compreender as ausências de saberes e as linhas abissais da manifestação caiçara. Questões políticas, sociais e ambientais foram determinantes na trajetória

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do fandango, que, a partir das obliterações apresentadas nesses âmbitos, deixou de ter o caráter de mutirão nos sítios e passou a não ter ocorrência registrada.

O viés da tradição permitiu adentrar em questões que remeteram ao folclore e sua influência no Fandango Paranaense, que foi um divisor de águas – tornando aparente uma tradição invisibilizada. Os folcloristas Inami Custódio Pinto e Fernando Correa de Azevedo foram influências significativas no sentido de romper entraves que localizavam o fandango do “outro lado da linha” e que o deslocaram para “este lado da linha” (SANTOS, 2010), porém nesta transição de ocupação a manifestação foi ressignificada e romanticizada, descaracterizando e desterritorializando o fandango.

O folclorista Inami Pinto, na preocupação de apresentar o fandango como a dança popular do Paraná, no sentido de afirmar a identidade do estado, acabou por transformá-lo, em diversos momentos, em espetáculo. E, assim, o fandango assumiu outra configuração na Ilha dos Valadares, passando a se organizar em grupos. Essa divisão gerou divergências entre mestres e aprendizes que se identificavam com formas diferentes de fazer fandango. Neste sentido, o Grupo Folclórico do Mestre Romão se manteve com a função de apresentação e espetáculo e o outro grupo (Mestre Eugênio) que existia na Ilha tinha função local, promovendo bailes e festas na comunidade. Após o falecimento do Mestre Eugênio seu grupo se desmembrou, e hoje temos quatro grupos pertencentes à Ilha dos Valadares.

Mais tarde, na década de 1990, convidaram um coreógrafo do Teatro Guaíra para reorganizar o Fandango, foi um processo de recolonização, pois, mais uma vez, as experiências dos caiçaras foram ressignificadas por um olhar estrangeiro, modificando o modo de fazer e dançar fandango.

Assim, a partir destas dinâmicas e instabilidades, o fandango foi se traduzindo e apresentando pistas do que ele é hoje. Nesta pesquisa foram tecidos aspectos das tradições e observadas as configurações atuais de dança e compreensão de corpo no Fandango, que resultaram em processos contínuos de ressignificação e reinscrição de uma tradição.

O fandango é composto por atravessamentos, residindo no entre-lugar da cultura popular, no espaço que permite transições e entrecruzamentos, possibilitando sua constante reinscrição. A dança do fandango pode ser traduzida de modos distintos, cada grupo tem suas especificidades e permitem traduções díspares, abertas e complexas. Os quatro grupos observados em bailes, ensaios e

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mutirão possuem singularidades e os respectivos mestres apresentam em suas compreensões do Fandango consonâncias e dissonâncias, o que reflete nos modos de dançar de cada grupo. Além das diferentes perspectivas apresentadas pelos mestres, a formação dos grupos também determina suas traduções, no caso os grupos compostos por jovens apresentam problemas similares em relação a cachês, ao passo que os grupos de veteranos possuem outra dinâmica de dança e ensaio, que reverberam em outras questões.

Assim, a existência das tradições não fechou as possibilidades de traduções, mas abriu espaço para outra questão norteadora desta pesquisa: “De que forma os sujeitos criam/apresentam discursos sobre a prática/aprendizagem na dança do Fandango?”

Os sujeitos da pesquisa, mestres e aprendizes, apresentaram discursos a partir de suas experiências com/no fandango. As traduções culturais são alicerces que consolidam os discursos sobre a prática e aprendizagem da dança do Fandango. Os aprendizes refletem discursos dos mestres, pois ao comporem os grupos criam-se relações por afinidade e afetividade. Os mestres Brasílio e Nemésio, os quais vivem o fandango desde pequenos, participando de mutirões e envolvidos nas atividades do sítio que permeiam os fazeres caiçaras apresentam discursos similares em relação à dança do fandango. Para eles, a dança não sofreu transformações, mas reconhecem que algumas diferenças se fazem presentes hoje, pois o Fandango está inserido em outro contexto e foi atualizado. Seus discursos têm vínculos com as tradições e seus modos de fazer fandango também apresentam essa característica.

Luiz Carlos, representante do grupo do Mestre Romão, apresenta um discurso que foi enredado pelas experiências decorrentes da influência do folclorista Inami Custódio Pinto em seu grupo, o discurso apresentado tem base a partir da sua vivência na década de 1990, quando dançava no grupo, bem como se fundamenta pelos saberes apreendidos e repassados pelo seu avô. Mestre Romão, assim como Brasílio e Nemésio, foi filho de agricultor e participava dos mutirões. Na pesquisa de campo de 2014, o mestre contou que seus pais pagavam o trabalho na roça com aulas de fandango. Assim, se constitui em seu grupo o discurso sobre a aprendizagem na dança, baseada nas tradições e na influência do movimento folclórico, configurando a prática em apresentações e espetáculo.

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Mestre Aorélio Domingues apresenta um discurso político e articulado, refletindo suas experiências no campo da cultura popular. O mestre possui a Associação de Cultura Popular Mandicuera, que é ponto de cultura caiçara na Ilha, ele atualmente é representante do Paraná no Fórum Nacional de Culturas Populares e faz parte do Colegiado Nacional de Culturas Populares. Assim, Aorélio possui uma perspectiva diferente dos outros mestres em relação aos modos de fazer fandango, estando sua prática implicada em questões políticas e sociais, o que reflete diretamente na configuração do seu grupo.

Em relação à aprendizagem da dança o mestre apresenta uma nova tentativa de ensino, que será baseada no conhecimento acerca dos saberes caiçaras e do universo que rege o fandango, para, a partir deles, os aprendizes estarem aptos a construir conhecimento, seja ao tocar instrumentos ou dançar bailados e batidos. Não foram realizadas entrevistas com seu grupo, que foi destituído após conflitos relacionados a cachês e desrespeito com os mestres. E foi a partir dos conflitos que se deu a nova formatação aos processos de ensino.

Sendo assim, podemos compreender que os diferentes discursos decorrem de diferentes experiências, que traduzem a configuração singular dos grupos de Fandango. Os processos de aprendizagem da dança nos grupos se dão na forma de refletir as posturas dos mestres e suas articulações no campo da cultura popular. Os aprendizes entrevistados apresentaram discursos consensuais com os mestres, pois compartilham de espaços próximos de experiência. E, em relação à percepção das dinâmicas do corpo no Fandango, acredita-se que se apresentaram modos de subjetivação na dança, emergindo singularidades e idiossincrasias. Assim, a ação corporificada se dá a partir das experiências coletivas somadas às dinâmicas de corpo individualizadas.

A terceira questão complementar para pensar e solucionar provisoriamente a problemática desta pesquisa sugere: “Como se dão as transformações no fandango e como isso reflete processos de tradução cultural na dança?”.