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4. A INICIATIVA DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA PARA O FENÔMENO

4.2 Das medidas anunciadas pelo Conselho Nacional de Justiça

Criado pela Emenda Constitucional nº45 de 2004 o Conselho Nacional de Justiça é órgão de composição híbrida com competência para controle administrativo e financeiro do Poder Judiciário Brasileiro. Dentro de suas competências se incluem aquelas medidas destinadas ao aperfeiçoamento e aprimoramento do aparelho administrativo do judiciário.

A partir da Audiência Pública de Saúde de 2009 o Conselho Nacional de Justiça colocou a judicialização da saúde como tema de um dos seus programas de ação, elegendo um grupo de trabalho para elaborar estudos e propor medidas concretas e normativas referentes às demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde22.

Considerando os resultados da Audiência Pública de Saúde, o grande número de ações judiciais naquele momento, a necessidade de aprofundar estudos com vistas à prevenção de litígios e à adequada gestão dos processos em tramitação bem como o papel do CNJ de propulsor de políticas institucionais para o Poder Judiciário, os trabalhos daquele grupo resultaram formalmente em Recomendações e Resoluções dirigidas a todos os tribunais do país visando a melhoria na prática e no tratamento das ações que demandavam serviços de saúde.

De todas as normas institucionais produzidas em decorrência dos debates anteriores, destacam-se três porque criam medidas concretas para tratamento do problema, isto é, propõem novos arranjos institucionais para que o Judiciário enfrente as demandas que ofertam serviços em saúde. São elas: A Resolução nº 107 de 2010; a Recomendação nº31 de 2010 e a Recomendação nº 36 de 2011, cujo conteúdo se encontra resumido no quadro a seguir:

22O Grupo de Trabalho foi constituído a partir da Portaria nº650 de 20/11/2009 disponível em:

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Quadro 1. Medidas Normativas para enfrentamento de demandas judiciais de saúde anunciadas pelo CNJ a partir de 2009

Resolução n. 107/2010

Institui o Fórum Nacional do Poder Judiciário para monitoramento e resolução das demandas de assistência à saúde.

Recomendação n. 31/2010

Recomenda aos Tribunais a adoção de medidas visando a melhor subsidiar os magistrados e demais operadores do direito, para assegurar maior eficiência na solução das demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde.

Recomendação n. 36/2011

Recomenda aos Tribunais a adoção de medidas visando a melhor subsidiar os magistrados e demais operadores do direito, com vistas a assegurar maior eficiência na solução das demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde suplementar.

Fonte: Elaboração Própria a partir das ementas normativas.

A Resolução nº107 de 06 de abril de 2010 além de considerar alguns dos argumentos e propostas lançados na Audiência Pública de Saúde de 2009 foi motivada pela percepção do Conselho Nacional de Justiça a respeito do elevado número e ampla diversidade dos litígios de saúde e os impactos decorrentes desses litígios nos orçamentos públicos e a necessidade de monitorar esses litígios para compreender o fenômeno.

Por meio do Fórum Nacional de Saúde foi instituída uma ação de monitoramento das demandas que envolvem prestações de assistência à saúde para que, a partir desse monitoramento, fossem também propostas medidas concretas e normativas voltadas a otimização das rotinas processuais, da organização do judiciário, bem como dirigidas à prevenção dos conflitos judiciais.

Assim dispõe a Resolução nº107 sobre as competências do Fórum Nacional;

Art. 2º Caberá ao Fórum Nacional:

I - o monitoramento das ações judiciais que envolvam prestações de assistência à saúde, como o fornecimento de medicamentos, produtos ou insumos em geral, tratamentos e disponibilização de leitos hospitalares;

II - o monitoramento das ações judiciais relativas ao Sistema Único de Saúde; III - a proposição de medidas concretas e normativas voltadas à otimização de rotinas processuais, à organização e estruturação de unidades judiciárias especializadas;

IV - a proposição de medidas concretas e normativas voltadas à prevenção de conflitos judiciais e à definição de estratégias nas questões de direito sanitário; V - o estudo e a proposição de outras medidas consideradas pertinentes ao cumprimento do objetivo do Fórum Nacional (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2010a.)

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O Fórum Nacional é coordenado pelo judiciário, dispondo a Resolução que ele deve ser integrado por magistrados que tratem de temas relacionados ao seu objeto ―podendo contar o auxílio de autoridades e especialistas com atuação nas áreas correlatas‖, havendo previsão ainda para que o Conselho Nacional de Justiça firme ―termos de acordo de cooperação técnica ou convênio com órgãos e entidades públicas e privadas, cuja atuação institucional esteja voltada à busca de solução dos conflitos já mencionados precedentemente‖ (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2010a, p.2).

Percebe-se que ação instrumentalizada pela Resolução nº107 tem por finalidade o aprofundamento do estudo da judicialização e captação de propostas para o próprio judiciário. Seja para o aprimoramento da sua organização administrativa, seja para melhor desenvolvimento processual dos litígios. O objetivo desta ação não pode, portanto, ser caracterizado como dialógico nos termos da pesquisa, pois apesar de facultar a participação de setores e instituições estranhas ao judiciário nas atividades de monitoramento, não possui como objeto a criação de medidas concretas para conter ou diminuir os efeitos negativos da judicialização, mas tão somente captar possíveis propostas de enfrentamento e monitorar o fenômeno.

Diferente da Resolução nº 107, as Recomendações nº 31 de 2010 e nº 36 de 2011 destinam-se a criação de medidas concretas para aperfeiçoamento das decisões e enfrentamento das demandas de saúde, por meio de mecanismos que, envolvendo setores e instituições estranhas ao judiciário, seriam capazes subsidiar os juízes e demais profissionais do direito para dar maior eficiência na solução das demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde.

Ocorre que uma das Recomendações não merecerá análise específica própria neste estudo, por não ter como objeto as demandas de saúde pública; trata-se da Recomendação nº 36/2011, que embora repita algumas disposições da Recomendação nº 31/2010 destina-se a adoção de medidas para demandas que envolvam a assistência à saúde suplementar, área não coberta pelo recorte do estudo que se dedica a análise das alternativas propostas pelo judiciário para superação da judicialização da saúde pública, e também porque os dados necessários para testar a hipótese lançada como, por exemplo, diminuição de número de processos e condenações em saúde suplementar ou mesmo a composição dos órgãos de assessoramento seriam mais difíceis de serem obtidos em nível estadual, visto tratar-se de entidades privadas e que envolvem relações consumeristas.

Apesar de não receber análise específica, algumas medidas criadas por orientação da Recomendação nº 36 de 2001 receberão análise indireta, tendo em vista que dado a

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identidade de grande parte do conteúdo das Recomendações alguns Tribunais tem utilizado a mesma estrutura criada para lidar com a saúde suplementar para dar subsídio ao tratamento das demandas de saúde pública.

Por meio da Recomendação nº31 o Conselho Nacional de Justiça buscou lançar alternativas de enfrentamento da judicialização da saúde que reconhecessem o que fora discutido na audiência pública de saúde de 2009.

Dessa forma, na exposição de motivos da Recomendação nº31 o Conselho Nacional de Justiça considera não apenas a existência do grande número de demandas envolvendo a assistência à saúde e o dispêndio de recursos públicos decorrentes daqueles processos judiciais, mas coloca ainda como motivo de consideração para as medidas adotadas ―as reiteradas reivindicações dos gestores para que sejam ouvidos antes da concessão de provimentos judiciais de urgência e a necessidade de prestigiar sua capacidade gerencial, as políticas públicas existentes e a organização do sistema público de saúde‖ (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2010b).

Outro fator relevante que fundamenta a necessidade das medidas ali expostas é a consideração de que e os medicamentos e tratamentos utilizados no Brasil dependem de prévia aprovação pela ANVISA, e que, portanto, o judiciário deve se cercar de medidas que objetivam garantir a saúde dos usuários contra práticas com resultados ainda não comprovados ou mesmo contra aquelas que possam ser prejudiciais aos pacientes;

As medidas propostas por meio da Recomendação nº 31 são variadas, passando não apenas pela articulação do judiciário com outros órgãos, como também, em sua maioria, pela formação dos magistrados e pela atuação desses magistrados dentro do processo judicial. Assim, diante da variedade de medidas e na busca pela quantificação do perfil de atuação do Conselho Nacional de Justiça as mesmas podem ser categorizadas segundo os seguintes critérios: 1) medidas que envolvem a articulação do judiciário com outros órgãos/setores para se concretizarem; 2) medidas destinadas ao aperfeiçoamento do aparato judicial; 3) medidas destinadas a atuação judicial no momento da decisão.

No ―Quadro 2‖ a seguir classifica-se as medidas seguindo-se os critérios mencionados com a intenção de separar as medidas que colocam o judiciário em relação com outros setores e que, portanto, apresentam elementos indicativos de diálogo institucional no enfrentamento da judicialização.

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Quadro 2. Categorização das medidas criadas pela Recomendação nº31 do CNJ

Que envolvem a articulação do judiciário com outros órgãos/setor es para se concretizare m

Que os Tribunais até dezembro de 2010 celebrem convênios que objetivem disponibilizar apoio técnico composto por médicos e farmacêuticos para auxiliar os magistrados na formação de um juízo de valor quanto à apreciação das questões clínicas apresentadas pelas partes das ações relativas à saúde, observadas as peculiaridades regionais;

Que os Tribunais promovam, para fins de conhecimento prático de funcionamento, visitas dos magistrados aos Conselhos Municipais e Estaduais de Saúde, bem como às unidades de saúde pública ou conveniadas ao SUS, dispensários de medicamentos e a hospitais habilitados em Oncologia como Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia - UNACON ou Centro de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia - CACON;

Que os magistrados ouçam, quando possível, preferencialmente por meio eletrônico, os gestores, antes da apreciação de medidas de urgência;

Destinadas ao aperfeiçoam ento do aparato judicial

Que os Tribunais incluam a legislação relativa ao direito sanitário como matéria individualizada no programa de direito administrativo dos respectivos concursos para ingresso na carreira da magistratura, de acordo com a relação mínima de disciplinas estabelecida pela Resolução 75/2009 do Conselho Nacional de Justiça;

Que a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados - ENFAM, à Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho - ENAMAT e às Escolas de Magistratura Federais e Estaduais: a) incorporem o direito sanitário nos programas dos cursos de formação, vitaliciamento e aperfeiçoamento de magistrados;

b) promovam a realização de seminários para estudo e mobilização na área da saúde, congregando magistrados, membros do ministério público e gestores, no sentido de propiciar maior entrosamento sobre a matéria;

Destinadas a atuação processual

Que os magistrados procurem instruir as ações, tanto quanto possível, com relatórios médicos, com descrição da doença, inclusive CID, contendo prescrição de medicamentos, com denominação genérica ou princípio ativo, produtos, órteses, próteses e insumos em geral, com posologia exata;

Que os magistrados evitem autorizar o fornecimento de medicamentos ainda não registrados pela ANVISA, ou em fase experimental, ressalvadas as exceções expressamente previstas em lei;

Que os magistrados ouçam, quando possível, preferencialmente por meio eletrônico, os gestores, antes da apreciação de medidas de urgência;

Que os magistrados verifiquem, junto à Comissão Nacional de Ética em Pesquisas (CONEP), se os requerentes fazem parte de programas de pesquisa experimental dos laboratórios, caso em que estes devem assumir a continuidade do tratamento;

Que os magistrados determinem, no momento da concessão de medida abrangida por política pública existente, a inscrição do beneficiário nos respectivos programas;

Fonte: Elaboração própria a partir do texto da Recomendação nº31 de 2010 do CNJ.

Das medidas que propõe a interação do judiciário com outros órgãos e/ou setores sociais, resta inviável, neste momento da pesquisa, a análise daquelas que recomendam, para

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fins de conhecimento prático de funcionamento, visitas dos magistrados à órgãos do campo da saúde. Diz-se inviável a análise porque a agenda dos magistrados não é publicada e não há nas plataformas dos tribunais do país nenhum mecanismo de pesquisa que permita consultar o atendimento desta medida.

Quanto à medida que orienta aos magistrados a oitiva prévia dos gestores públicos, considera-se que apesar da proposição de interação institucional anunciada, a mesma ocorre dentro de uma demanda judicial específica, isto é, trata-se de uma medida a ser concretizada de forma interna à atuação processual, razão pela qual ficará fora da análise prévia dos Tribunais Estaduais, pois analisar o cumprimento desta medida demandaria uma ampla pesquisa processual em casos individuais, ainda com a possibilidade da comunicação não ser juntada aos autos dos procedimentos.

Assim, diante desta dificuldade de obtenção de dados para o cumprimento das medidas de visita aos órgãos do campo de saúde e de oitiva prévia dos gestores públicos, a próxima etapa da pesquisa passa a analisar o acatamento da recomendação de celebração de convênios que objetivem disponibilizar apoio técnico para auxiliar os magistrados nas decisões que envolvam pedidos de assistência em saúde pública.

Dessa forma, passa o estudo ao levantamento e quantificação dos perfis de assessoramento técnico empregado pelo poder judiciário como forma de enfrentar o fenômeno da judicialização.